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CONSELHOS MUNICIPAIS DE EDUCAÇÃO Órgãos de coordenação ou instrumento burocrático?

O Conselho Municipal de Educação (CME) foi apresentado pelo anterior governo como um instrumento de descentralização da administração educativa. Enquanto órgão de coordenação e de consulta, o objectivo do CME é o de promover, a nível municipal, a coordenação da política educativa, articulando a intervenção dos agentes educativos e dos parceiros sociais, permitindo a transferência de competências na área da educação da administração central para as autarquias.
Mas o processo é polémico. As vozes mais críticas afirmam que os CME têm um estatuto ambíguo ? não se sabe ao certo se são órgãos de coordenação ou de consulta ?, competências pouco claras e uma composição pouco ajustada e incoerente com as suas funções.
Além disso, a mudança de nomenclatura ? de "Locais" passaram a "Municipais" ? sugere uma lógica de municipalização da educação, o que, a médio prazo, poderá acentuar as assimetrias entre escolas de diferentes municípios.
Nos bastidores de um seminário sobre "Cartas Educativas e Rede Escolar?, organizado no Porto pelo Sindicato dos Professores do Norte, obtivemos depoimentos de Arnaldo Monteiro, da Federação das Associações de Pais do Porto, de Alda Macedo e Gil Santos, representantes de professores em Conselhos Municipais e entrevistámos Isabel Reis também ela com assento num Conselho Municipal. São essas as opiniões que fazem este dossier de Abril.

CONSELHOS MUCIPAIS DE EDUCAÇÃO

Apreciação critica de pais e professores

ARNALDO MONTEIRO
Federação Regional das Associações de Pais do Porto
Os Conselhos Municipais de Educação, as Cartas Educativas e a Rede Escolar levantam muitas interrogações

O Decreto-Lei n.º 7/2003, de 15 de Janeiro, cria os Conselhos Municipais de Educação (CME). Estes CME resultam dos célebres Conselhos Locais de Educação que a Lei 159/99 no seu artigo 19º contemplava. Infelizmente em muitos conselhos deste país estes Conselhos Locais de Educação nunca saíram do papel, bem como a prevista elaboração da carta escolar que deveria integrar os planos directores municipais, que seria da competência dos órgãos municipais.
Passados dois anos da publicação do Decreto-Lei n.º 7/2003, pergunto: o que é que foi feito pelos municípios quanto à Carta Educativa? E quanto ao funcionamento dos CME?
Tirando raras excepções, muito pouco se adiantou. No entanto, continuamos a assistir ao fecho de algumas escolas e à possibilidade de encerramento de outras por parte da tutela sem que as comunidades locais se pronunciem, nomeadamente quanto ao momento escolhido para o seu encerramento.
O presente diploma tem como finalidade a transferência de competências, no domínio da construção, apetrechamento e manutenção dos estabelecimentos de ensino para as autarquias e na área da coordenação educativa para os CME. Sem dúvida que é um passo importante na descentralização administrativa da educação em Portugal, mas será que as autarquias estão preparadas para o desafio que lhes é colocado?
Quanto à composição do CME, não percebo a ausência de um representante do sector dos transportes, uma vez que muitos dos municípios portugueses não têm transportes públicos e os transportes escolares são insuficientes. Mas mais grave parece-me ser a ausência de qualquer associação industrial ou comercial, fundamentais para ligação das escolas, principalmente as secundárias e as profissionais ao mercado de trabalho.   
Uma das competências do CME é analisar o funcionamento dos estabelecimentos de educação, o desempenho do pessoal docente e não docente e a assiduidade e sucesso escolar das crianças e alunos. Como vai ser possível deliberar sobre estas matérias sem a colaboração dos executivos das escolas/agrupamentos, uma vez que estes não estão representados no CME?
E a avaliação interna das próprias escolas não terá qualquer valor? Outra das competências é apreciar os projectos educativos a desenvolver nos municípios. Será que vamos ter um projecto educativo para todas as escolas do município? As assembleias e os conselhos pedagógicos das escolas deverão considerar as apreciações do CME?
Julgo que será importante clarificar todas estas questões uma vez que no lugar de avançarmos para uma maior autonomia das escolas, poderemos estar a caminhar para uma municipalização da educação em Portugal e retirar às escolas a autonomia que lhes  foi dada  pelo decreto-lei nº.115-A/98.

ALDA MACEDO
Representante dos docentes do ensino secundário no Conselho Municipal de Educação do Porto
É preciso promover a legitimidade dos representantes nos Conselhos Municipais

A construção do sistema escolar, ao longo do século XX obedeceu fundamentalmente a uma agenda de consolidação da identidade nacional, conforme com um modelo de desenvolvimento fortemente centralizado, o que, no caso português, se acentuou ainda mais depois de quase meio século de salazarismo.
O final do século assistiu a um novo ciclo do sistema capitalista e portanto a uma transformação do papel do estado enquanto entidade reguladora. Os municípios e as regiões conquistam novas competências que lhes são conferidas pela própria transformação do estado.
Ao mesmo tempo, os movimentos sociais ganham um terreno de intervenção mais amplo, porque mais extensivo nos ecos que fazem repercutir, e ao mesmo tempo mais enraizado nas populações locais que desta forma conquistam uma autonomia, hoje mais desprendida dos limites estreitos das culturas nacionais.
É à luz das tensões geradas entre estes dois movimentos antagónicos que precisamos de ler os Conselhos Municipais de Educação (CMEs), tal como foram concebidos para o decreto-lei n.º 7/2003. Sobre eles gostaria de tecer três considerações:
A primeira prende-se com o modo de concretização da representatividade dos seus membros e a dificuldade de interpelação entre representantes e representados. Apesar de o CME ser na sua natureza de iniciativa municipal, o que faz todo o sentido se se aceitar como bom o princípio de subsidiaridade no que diz respeito ao desenho de um projecto educativo para a cidade, foi à Direcção Regional de Educação do Norte (DREN) que foi entregue a questão de encontrar os representantes dos docentes no CME do Porto.
A DREN, ao invés de promover um processo eleitoral que desse origem a representantes que efectivamente se sentissem mandatados pelos seus pares para exercer o cargo, optou por um processo equívoco, em que os docentes foram convidados a mencionar disponibilidades e do qual a maioria dos docentes não conhece nem o Conselho, nem os seus representantes, não havendo um modo simples de colocar uns e outros num processo de interacção que confira a necessária legitimidade aos representantes e a necessária capacidade de participação aos representados.
Uma outra reflexão relaciona-se com a composição dos CMEs. Não é de todo aceitável que só haja um representante das associações de estudantes. Além disso, a não previsão de representantes do movimento associativo significa colocar de fora do CME uma componente extremamente importante de intervenientes nos processos de educação dos jovens.
Em terceiro lugar, não posso deixar de fazer um apontamento acerca da finalidade explícita de uma produção legislativa originada na administração interna, em vez do Ministério da Educação. Desde logo o significado deste aspecto ganha uma relevância maior por se tratar de uma orientação no sentido da mera transferência de competências do estado central para os municípios. 
Isto obriga, portanto, a uma reflexão acerca das competências que hoje se encontram definidas para os CMEs que são uma instância de coordenação, consulta e proposta, com muito pouca capacidade de regulação acerca da forma como os representantes locais do ministério da tutela tomam iniciativas sobre matérias que são conflituantes com o trabalho que vai sendo desenvolvido pelo próprio CME.
 Em minha opinião, os Conselhos Municipais de Educação podem vir a ser um espaço de intervenção local extremamente importante a partir do momento em que permitam a participação das populações locais, em toda a sua complexidade e diversidade, no exercício real de projectar, acompanhar a aferir projectos educativos dirigidos a um objectivo de progresso e emancipação social. Há, contudo um caminho a ser percorrido no sentido de operacionalizar a sua transformação nesse sentido, e esse caminho só pode começar a ser traçado no momento em que estejamos colectivamente prontos para começar a andar.

GIL SANTOS
Representante do Ensino Secundário no Conselho Municipal de Educação de Guimarães
Os Conselhos Municipais de Educação podem ser um logro

Se algum dia alguém sonhou(1) que os Conselhos Locais de Educação (cle) pudessem ser criados enquanto fóruns permanentes de um diálogo construtivo, de negociação e concertação, dotados de mecanismos que garantissem compromissos equilibrados, consistentes e coerentes, entre os diversos agentes educativos. Correias de transmissão das aspirações locais e obreiros da escola democrática. Autênticas plataformas de articulação e compatibilização das políticas educativas locais, o que implicaria, necessariamente, a valorização da participação dos diversos agentes num verdadeiro processo de construção da autonomia. Motores do confronto salutar de ideias, promotores de participação e convergência, plurais, capazes, por isso, de ultrapassar, como seria desejável do nosso ponto de vista, o estatuto de meros órgãos consultivos inertes e amorfos e desta forma incapazes de contribuir para uma verdadeira territorialização das políticas educativas, para a gestão integrada dos recursos e a sua adaptação às expectativas locais, para o reordenamento territorial dos níveis de intervenção pública na gestão da rede escolar e para o desenvolvimento da autonomia da escola, objectivos do Pacto Educativo Para o Futuro(2). Com a publicação do diploma que cria os Conselhos Municipais de Educação (cme) o sonho transformou-se em pesadelo e a esperança deu lugar ao desencanto.
De facto, os diversos escolhos que desde meados dos anos oitenta obstaram à construção de cle com vida própria e poder real(3), fizeram surgir órgãos de estatuto ambíguo, de competência pouco clara e de composição desajustada, inseridos numa lógica neoliberal e gerencialista, com uma clara intenção de não adiar por muito mais tempo a municipalização da educação.
Da ausência de clarificação política no que respeita à autonomia - base de sustentação dos originais cle - de que resulta, no dizer de Lima(4), a ?ambiguidade? e a ?contradição?, caiu-se numa (re)centralização política tendo a autonomia como ?simples técnica de gestão?. A crise do Estado Providência relevou, mais uma vez, uma política de ?racionalização? que tende a aparecer como tábua de salvação da ineficácia da burocracia.
Limitando-se a formular propostas, estas instituições navegam ao sabor da corrente dos interesses de agenda dos municípios, transformando-se, desta forma, em ocos Conselhos Municipais de Educação. Isto pode querer significar que o ?controlo remoto? de que nos fala Lima, passe a transformar-se num controlo agora de proximidade, o que sendo muito mais grave pode colocar à escola um espartilho, ainda mais limitador das liberdades do que o modelo centralista, apesar de tudo com alguma ? embora curtíssima ? margem de manobra(5).
Desta forma a (in)fertilidade da acção destes órgãos está na proporcionalidade directa da (in)sensibilidade que os responsáveis pelos Pelouros da Educação das Câmaras possam ter e da dinâmica que lhes queiram ou lhes saibam imprimir.
Enquanto membros efectivos de um cme e enquanto estudiosos destas matérias, achamos que o melhor termo para os classificar é o de frustração.
Os cme são uma espécie de ?espanta fantasmas? da autonomia, da descentralização e do tão propalado princípio da subsidiariedade ? pura retórica! Enfim, um logro!...

Notas:
1) - E houve muita gente, em que nos incluímos também.
2) - Cf. Gil Santos, Os Conselhos Locais de Educação ? um estudo de caso, Dissertação de Mestrado, Universidade do Minho, 2002, Braga.
3) - O aspecto financeiro, o temor da sua capacidade reivindicativa, a dificuldade de disseminação social das responsabilidades educativas, a ausência de verdadeiras políticas de compromisso de Estado e o desfasamento entre os interesses reais instalados e as práticas, entre outros.
4) - Cf. Licínio Lima, ?Reformar a Administração Escolar: A Recentralização por Controlo Remoto e a Autonomia como Delegação Política?, in Revista Portuguesa de Educação, 8(1), Braga, Universidade do Minho, 1995, p. 69.
5) - Cf. Licínio Lima, ?Reformar a Administração Escolar: A Recentralização por Controlo Remoto e a Autonomia como Delegação Política?, ed. cit., 1995.

O Conselho Municipal de educação é um órgão meramente burocrático

A ideia de que os Conselhos Municipais de Educação não respondem às necessidades educativas dos concelhos parece ser uma ideia partilhada pela maioria dos professores que participam nestes órgãos.
Isabel Reis é professora do ensino secundário e directora do centro de formação das escolas do concelho de Valongo. É também a representante do ensino secundário no Conselho Municipal de Educação local. Apesar de reconhecer potencialidades neste novo órgão coordenador, critica o facto de ele estar limitado na sua iniciativa e receia que ele se transforme num instrumento ?meramente burocrático?.

Considera o Conselho Municipal de Educação (CME) e a Carta Educativa como instrumentos válidos para melhorar a oferta e a coordenação dos sistemas educativos a nível concelhio?

Acho que o CME e a Carta Educativa podem assumir-se como instrumentos úteis para fazer uma reflexão sobre os recursos existentes e a forma como podem ser potencializados no sentido de melhorar o desenvolvimento social e educativo de cada concelho. No entanto, discordo da forma como eles estão organizados.

Porquê? O que está a falhar?

Partindo do meu conhecimento prático a nível local, o CME pode tornar-se num órgão meramente burocrático, que se limita a cumprir reuniões programadas na legislação e sem grande capacidade de avançar com decisões próprias. Tal como está, a constituição dos CME não torna muito viável que ele se assuma ? tal como aparece na legislação ? como um órgão de coordenação do sistema educativo.
No caso de Valongo, por exemplo, a autarquia limita-se a apresentar nas reuniões o plano de actividades respeitante ao pré-escolar e ao 1º ciclo, considerando que os problemas que afectam os restantes níveis de ensino estão sob a alçada do ministério da educação. Desta forma, não há lugar a uma abordagem global do sistema educativo concelhio e o CME limita-se a ser um órgão meramente consultivo.

Os CME têm apenas dois representantes dos professores: um do ensino básico e outro do ensino secundário. Não é um número limitado para um órgão cuja função principal é lidar com questões educativas?

Sim. Principalmente no que diz respeito ao ensino básico, que só conta com um representante para os três níveis de ensino. Como é óbvio, nem sempre os professores do 1º ciclo conhecem a realidade do 2º e 3º ciclos e vice-versa. Se houvesse um representante do agrupamento vertical, a situação seria diferente.
Além disso, os professores são eleitos mas a sua representação é desproporcionada em relação ao conjunto de elementos representados. Desta forma, a informação dificilmente chega às escolas. Tenho quase a certeza que se perguntássemos aos professores nas escolas quem são os elementos representados no CME ninguém saberia responder.
Os restantes elementos representados têm um carácter meramente consultivo. Como não há um trabalho integrado, no sentido de se fazer uma avaliação séria do sistema educativo e de propor medidas, eles limitam-se a cumprir as reuniões, sem qualquer preocupação de levar propostas ou até de discutir temáticas.
Além disso, a representação destes elementos nas reuniões do CME de Valongo varia conforme a disponibilidade das instituições a que pertencem, vai quem está mais disponível, o que não permite desenvolver um trabalho coerente.

Considera, então, que deveria ser alterado o modelo de representação?

Sim, na minha opinião a constituição do órgão não é a mais adequada. Independentemente da forma de como são eleitos, os representantes dos professores, uma vez a exercerem o cargo, trabalham sozinhos, não têm muita facilidade em ouvir a opinião dos colegas, exceptuando aqueles que estão próximos deles. Nesse sentido, nunca conseguirão ser, de facto, os representantes dos professores, tal como se pretende.

Como está a decorrer a experiência dos agrupamentos de escola no concelho de Valongo?

Há agrupamentos que, aparentemente, estão a funcionar bem, mas há outros que se ressentiram com o processo. Nós já tínhamos em funcionamento no concelho alguns agrupamentos horizontais de 1º ciclo, devidamente estruturados e com um trabalho bem coordenado, que acabaram por ser prejudicados por terem de se juntar a escolas EB 2,3.
Às vezes há uma certa desconfiança em relação ao processo de integração e os próprios conselhos executivos nem sempre têm uma perspectiva global, encarando a integração mais como um peso para a estrutura que já existia do que como uma oportunidade.

Como sentem este processo os professores do 1º ciclo?

A opinião que tenho recolhido junto dos representantes dos professores do 1º ciclo na comissão pedagógica do centro de formação que dirijo, por exemplo, é que com esta transição perderam informação e autonomia, não me parecendo, por isso, que os benefícios sejam visíveis. Se o processo tivesse sido bem articulado ele poderia ter servido para valorizar o sistema de ensino. No fundo, ele tinha de ser sentido pelas escolas, não imposto pela tutela.

Partindo das opiniões que tenho recolhido, o processo de constituição dos CME foi, também ele, de certa forma imposto às escolas e às autarquias. É esse o sentimento dominante?

Sim, de certa forma. Neste momento ? e o presidente da câmara foi muito claro nesse sentido ? a autarquia sente este processo como uma obrigação e como mais um encargo financeiro, porque, além de tudo, não houve, por parte da tutela, qualquer tipo de compensação financeira. 

Neste contexto, qual é o futuro dos CME?

Se servirem para se começar, de facto, a discutir mais localmente os problemas educativos no sentido de resolver os problemas sociais da comunidade, isso é bom para todos e o processo começa a ser encarado de outra forma. Mas ainda é preciso muito trabalho para se tornarem em verdadeiros órgãos de coordenação. Apesar disso, acredito que a experiência adquirida neste primeiro ano ajude a melhorar o seu funcionamento no futuro.

Entrevista conduzida por Ricardo Jorge Costa


  
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Edição:

N.º 144
Ano 14, Abril 2005

Autoria:

Arnaldo Monteiro
Federação das Associações de Pais do Porto
Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação
Arnaldo Monteiro
Federação das Associações de Pais do Porto
Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação

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