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A «Nova Direita» e a Educação (III)

Afirmar-se que ?o sistema de saúde francês é quase tão caótico como o nosso e a crise do sistema escolar e a praga das reformas e do insucesso também? (?), sem qualquer tipo de explicitação do seu conteúdo, é um exemplo deste tipo de discurso caracterizadamente «nova direita» e intencionalmente produzido para provocar a desarticulação dos sistemas actuais em benefício dos que possuem as condições para impor as suas ideologias e os seus valores.

A leitura dos jornais constitui um óptimo exemplo acerca do modo como os discursos neoliberais e neoconservadores têm vindo a abordar a educação escolar, reclamem-se ou não daquela ampla coligação implícita. Desde artigos de opinião cuidadosamente programados e a cargo de personalidades claramente referenciadas no panorama político, académico e jornalístico, até peças jornalísticas concebidas a partir de estudos ou relatórios provenientes de instâncias supranacionais tais como a Comissão Europeia, a OCDE e a UNESCO (entre outras), somos constantemente bombardeados com aquilo que alguns designam por «new speech» mas que bem poderíamos designar, talvez mais bem a propósito, como «discursos assassinos» sobre o que consideram ser o estado da educação em Portugal.
Para se compreender o significado do que acabo de afirmar basta ler atentamente os artigos de opinião de personalidades como Mário Pinto, António Barreto e Helena Matos (para citar apenas alguns) e os editoriais de José Manuel Fernandes (e só me refiro ao jornal Público?). Através deles ficamos a saber que nada do que é serviço público tutelado pelo Estado funciona adequadamente, constituindo a educação e a saúde campos (apetecíveis por sinal à voragem do capital) considerados como de autêntico sorvedouro dos dinheiros dos contribuintes (argumento que seduz qualquer senso-comum). Afirmar-se que ?o sistema de saúde francês é quase tão caótico como o nosso e a crise do sistema escolar e a praga das reformas e do insucesso também? (Graça Franco, Público, 7 de Março de 2005), sem qualquer tipo de explicitação do seu conteúdo, é um exemplo deste tipo de discurso caracterizadamente «nova direita» e intencionalmente produzido para provocar a desarticulação dos sistemas actuais em benefício dos que possuem as condições para impor as suas ideologias e os seus valores.
É neste sentido que tem de ser entendido um dos argumentos mais divulgados nos últimos tempos por estes sectores mais radicais do pensamento neo: o da falta de eficácia e de eficiência da escola, face ao elevado investimento público que alegadamente tem vindo a ser feito no campo desde 1974, ou seja, na «era democrática». Fundamentam o problema com os «maus» resultados obtidos pelos nossos alunos em provas internacionais, nomeadamente as que integram o PISA (competências de leitura e de resolução de problemas). Para inverter tal situação defendem a necessidade de introduzir «processos rigorosos de avaliação dos alunos, das escolas e dos professores», mas?aliados à alienação das competências do Estado na produção das ofertas educativas, pois, em sua opinião, o problema estaria no modo como as práticas educativas se processam (influenciadas ? nefastamente - pelas chamadas «ciências da educação» e por «modas pedagógicas » por elas construídas e/ou induzidas) e pelo carácter monopolista de Estado que caracteriza a oferta educativa. O corporativismo dos professores e das estruturas que os representam, o poder (e protagonismo) de técnicos estrategicamente colocados ao longo das últimas décadas nas estruturas do Ministério da Educação, o centralismo do ME, o monopólio da oferta de educação por parte do Estado e a emergência das Ciências da Educação, constituem os factores considerados como estando na base do «estado caótico» a que se chegou no campo da educação.
Como se vê, a ideia é fazer passar um discurso que, fundado em factos alegadamente indesmentíveis, e, portanto, inquestionáveis, transmitam a imagem de catástrofe e de caos no campo. E para tal torna-se necessário criar um discurso suficientemente claro e transparente e repeti-lo incessantemente nos principais meios de produção e divulgação da chamada opinião publicada, criando assim a necessária base de apoio para a instauração da ordem económica e política que defendem e os fascina. Como escreveu Karl Marx em «Contribuição para a Crítica da Economia Política», ?Nada é mais fastidioso e árido do que o locus communis possesso de delírio.?


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 144
Ano 14, Abril 2005

Autoria:

Manuel António Ferreira da Silva
Instituto de Educação e Psicologia da Univ. do Minho
Manuel António Ferreira da Silva
Instituto de Educação e Psicologia da Univ. do Minho

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