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Rodrigues

Mário ficara espantado com a simpatia dos irmãos Rodrigues. Tinha ido à oficina dos irmãos, sabia que eram competentes, mas não esperava nada daquilo. Atenderam-no bem, estranhamente bem, bem demais. Eram competentes, simpáticos, tinham um sorriso curioso, afável, quando o olhavam. Ficou com a sensação de que o conheciam, sabiam muito bem quem ele era, sabiam isso sem que ele entendesse como. No final, carro pronto, não tinham pagamento por Multibanco. Mário não esperara aquilo. A conta era pequena, muito pequena, 5 euros. Disseram-lhe que não se incomodasse, pagava quando por lá passasse, quando calhasse ou quisesse. Remexeu nos bolsos e afinal lá tinha os 5 euros. Pagou. Ajudaram-no na manobra, foram novamente simpáticos demais. Estranhou tudo aquilo mas com alguns dias esqueceu o assunto. De quando em vez recomendava a oficina dos Rodrigues. Voltou lá, com um pequeno problema. Um dos irmãos estava à porta, às voltas com outro carro. Era possível ver o dele, claro. Só um momentinho. Esperou. No fim, coisa rápida, perguntou quanto era. ?Nada?, foi a resposta. ?Isto é incrível?, pensou Mário. Poderia ser uma coisa daquelas? Que gente tão honesta! Mas isto era bizarro! Como viveriam, trabalhando daquela forma? Insistiu e lá veio o preço da primeira vez: 5 euros! Pagar isso numa oficina parece brincadeira. Mário foi de novo ajudado a sair de lá, tinha que recuar num passeio que dava para uma estrada movimentada. Mas os irmãos olhavam-no com o sorriso indecifrável, ajudavam-no a manobrar. Começou a ficar com aquele assunto na cabeça. Que se passava ali? Afinal ele nem os conhecia, nem era uma celebridade, também não era uma beldade que pretendessem conquistar! Mas a vida tem destas coisas, com o tempo voltou a esquecer o assunto. Uma noite de Natal, falou com um tio sobre os irmãos Rodrigues e a sua extraordinária competência e educação. Nunca vira nada assim! ?Então nunca te contaram??, perguntou o tio, homem muito vivido e viajado, profissões diversas, fora oficial da marinha mercante e engenheiro de minas! Viajara dos mares ao fundo da Terra. ?Nunca contaram o quê?, exclamou perplexo. ?Ora, eles são filhos da tia Celina, irmã do teu avô. Sabes como é, naquele tempo, ela foi viver com um homem, lembro-me disso muito bem, mas depois tudo isso ficou no esquecimento.? Mário perguntou à mãe que história era aquela. Não se lembrava, ou melhor, lembrava-se de uma vez, ter ido brincar a uma casa, nos arredores, só uma vez, era pequena, não sabia a que propósito fora a essa casa. ?O tio disse-te isso?? Dissera, contou Mário. ?Pois é, são os aspectos mais terríveis da vida?, comentou a sua mãe. Da vez seguinte, voltou à oficina, entregou o carro a um dos irmãos, foi tratado com a ternura de sempre, no fim não havia conta para pagar. Não se importou, nem teimou. Aquele sorriso acompanhou-o ao passeio que dava para a estrada movimentada. Era um sorriso de ternura. Eles sabiam e ele também, agora. Há gente assim, pensou. Do seu avô também se diz que foi um homem bom.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 141
Ano 14, Janeiro 2005

Autoria:

Carlos Alberto Mota
Univ. de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), Vila Real
Carlos Alberto Mota
Univ. de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), Vila Real

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