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DO TEATRAL AO VIRTUAL - Infâncias entre espetáculos, faz-de-conta, blogs e sites

O teatro é uma linguagem ancestral. Acompanha a humanidade, estando presente nas manifestações de cunho sagrado e ritualístico desde a pré-história. A linguagem virtual, por sua vez, é recentíssima. Possibilitada pelo avanço tecnológico alcançado no último século, passa a fazer parte da vida cotidiana há menos de vinte anos. Há bem poucas décadas, seria impensável comunicar-se, de dentro de sua sala ou quarto, com qualquer parte do mundo, enviando e recebendo informações, imagens, sons e cores...
No decorrer das transformações do espetáculo teatral, crianças e adultos assistiam às peças juntos, tanto nas arquibancadas dos anfiteatros gregos, nas ruas e praças medievais, nas missões jesuíticas espalhadas pela América Latina, como nos palácios da Idade Moderna, reverenciando reis, rainhas e príncipes... Mais tarde, adultos produzem um tipo de teatro (bem como de literatura e de filmes) especialmente dirigido às crianças, que supostamente ?fala a língua das crianças? e ensina-lhes ?coisas que necessitam aprender?. É o teatro infantil, primo-irmão da literatura infantil, tio dos filmes e desenhos animados para crianças, provavelmente avô ou bisavô dos blogs(1), chats(2) e sites endereçados aos pequenos internautas.
As novíssimas gerações, segundo Garbin (2001), poderiam ser chamadas de ?gerações digitais?, tal a intimidade apresentada por jovens e até por crianças na mais tenra idade com as máquinas e suas minúcias, interfaces virtuais de um computador conectado à rede, ligando lares de todo planeta, colocando a todos em um mesmo emaranhado de fios, ondas e bites, tornando-nos uma ínfima parte da rede do tamanho do mundo - a WWW (world web wide). Os ?pequenos sabe-tudo? ensinam seus pais e professores a manipular a tecnologia que nasce com eles, que dominam e manejam com desenvoltura, na qual expressam-se e (re)criam, e através da qual aprendem e são também apreendidos. Invertem-se os papéis: a habilidade desenvolvida pelas crianças em sua familiaridade com mouses, controles remotos e as telas de computadores e de aparelhos de TV, as faz perspicazes ?marinheiros?, navegando por mares e praias anteriormente permitidos somente aos adultos. Esta infância digital existe e suas crianças parecem ser ?inteligentes, aceitadoras da diversidade, curiosas, autoconfiantes, com auto-estima e orientação global? (TAPSCOTT, 1999, p. 101). Entretanto, torna-se necessário que nós, os ?outros? de gerações anteriores, encontremos na ?infância sua presença enigmática diante da exigência que este mundo traz consigo? (LARROSA, 1998, p. 71).
As mesmas crianças que constroem blogs complexos, repletos de cores, sons, gráficos, movimentos e imagens, nos quais registram suas impressões cotidianas e fatos de suas vidas, também brincam de ?faz-de-conta?, praticando solitárias ou com outras crianças seus jogos de imaginar: cenas, lugares, eventos, pessoas... Enfim, a base da linguagem teatral: a materialização de outro que não sou eu, que a princípio vive somente em minha imaginação e ao qual eu dou vida corporificando-o através de meus gestos, palavras, ações e movimentos. Ser um super-herói, um cantor, uma pop-star ou uma princesa é possível na brincadeira de ?faz-de-conta?, é possível através do apelido que uso em um chat, das dolls(3) que construo; é possível através dos filmes e peças que assisto, dos livros que leio, dos sites que visito.
Pensemos então: essas crianças que agem, inventam e constroem mundos, seres e a si mesmas em suas práticas cotidianas, sejam elas virtuais ou teatrais, e no contato com a diversidade de artefatos culturais disponíveis, podem elas ser consideradas indefesas, débeis e inaptas, como as pressupõe a recorrente representação moderna da infância?
Contemporaneamente, a polissemia de discursos sobre a infância contribui para compor novos mapas conceituais que permitem não só problematizar a concepção una, centrada e naturalizada de infância, como permite identificar as descontinuidades presentes em seus próprios pressupostos. Pensar em crianças é aventurar-se nas histórias de infâncias que nem sempre são contadas da mesma forma, que possuem diferentes narradores, mas que possibilitam às pessoas rumos e escolhas diferenciados a partir da perspectiva em que lançam seus olhares.
Observar as infâncias que emergem no cotidiano, ver os/as filhos/as, sobrinhos/as, netos/as, ou qualquer criança com a qual se tenha contato é redescobrir o ?enigma? que está inscrito dentro de cada uma delas. Perceber as múltiplas linguagens que constituem as crianças como sujeitos das culturas, é uma tarefa de todos que convivem com elas. É preciso olhar as infâncias como muitas, e não como ?a infância?, aquela idealizada pelos ?outros? que somos nós. Desta forma, teremos a possibilidade de percebermo-nos também como infantes, não os que fomos, mas os que seremos sempre, latentes em um devir que nos acompanha, indelevelmente. Propomos assim um refletir/agir sobre as infâncias que se delineiam na pós-modernidade, sobre seus cenários, objetos, figurinos, personagens, sobre um mundo admiravelmente novo, radicalmente diverso daquele de outros tempos. Múltiplas linguagens, crianças descentradas, infâncias desterritorializadas - cenas da vida pós-moderna, infantes que não devemos demonizar, mas procurar compreender.

Notas:
1) - Diário virtual em que se registram, através da escrita e da inclusão de fotos e imagens, fatos da vida cotidiana das pessoas, reflexões sobre determinados assuntos, etc. Ao contrário dos antigos ?diários de papel?, há a possibilidade de participação de leitores internautas, que podem enviar comentários sobre o que é relatado nos blogs.
2) -Salas de bate-papo em que as pessoas ?conversam? em tempo real pela www.
3) - Bonecas virtuais que podem ser montadas pelos internautas, muito conhecidas entre crianças e jovens que acessam a Internet.

Referências bibliográficas

GARBIN, Elisabete Maria. www.identidadesmusicaisjuvenis.com.br - Um estudo de chats sobre música da Internet. Porto Alegre: UFRGS, 2001. 260p Tese (Doutorado em Educação) ? Programa de Pós-Graduação em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2001.
LARROSA, Jorge. O enigma da infância ou que vai do impossível ao verdadeiro. In: LARROSA, Jorge; LARA, Pérez Nuria (orgs). Imagens do Outro. Petrópolis: Vozes 1998.
TAPSCOTT, Don. Geração digital: a crescente e irreversível ascensão da geração Net. São Paulo: Makron Books, 1999.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 141
Ano 14, Janeiro 2005

Autoria:

Rodrigo Saballa de Carvalho
Pesquisadores do Núcleo de Estudos sobre Currículo, Cultura e Sociedade ? NECCSO. Federal do Rio Grande do Sul - Brasil
Rodrigo Saballa de Carvalho
Pesquisadores do Núcleo de Estudos sobre Currículo, Cultura e Sociedade ? NECCSO. Federal do Rio Grande do Sul - Brasil

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