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A preto e branco - Um caso kafkiano

Olhar sereno de quem dificilmente se espanta. António Ferreira é professor contratado e tem 28 anos de serviço. Viu a vinculação aos quadros fugir-lhe várias vezes. Mudanças na legislação. E uma série de azares. Diz quem conhece a história, que a vida profissional de António "dava um verdadeiro filme".
Começou a dar aulas em 1975 como professor de Educação Física na Escola Preparatória de Tabuaço. E manteve-se como professor provisório vinculado ao Ministério da Educação (ME) até ao ano lectivo de 1978/79. Altura em que o inesperado aconteceu. Ficou excluído do concurso de professores por não possuir um curso de complemento da responsabilidade do ME que só viria a ser ministrado após esse mesmo concurso.
Inconformado, António Ferreira expõe o caso ao Provedor de Justiça. Em resposta, surge uma recomendação daquele órgão ao secretário de Estado dos Ensinos Básico e Secundário onde se pede a admissão a concurso de todos os candidatos excluídos naquelas circunstâncias. Do lado da secretaria de estado dizem que a recomendação "é inexequível". E assim se manterá, apesar dos apelos do Provedor ao Ministro da Educação (1980 e 1981), ao Primeiro-Ministro, à Presidência do Conselho de Ministros e ao Presidente da República (1982). Em 1983, a provedoria arquiva o processo por as suas recomendações não serem acatadas.
Sem nunca deixar de leccionar, mas sempre como professor provisório, António termina em 1987 uma outra licenciatura, em Filosofia. Conta já com 12 anos de serviço mas vê-se ultrapassado pelos professores cujo curso possui estágio integrado. Continua, por isso, a ser colocado nos então chamados mini-concursos. Precisava de obter a profissionalização mas não a poderia realizar através do estágio facultado pelo Ministério da Educação, uma vez que este se destinava apenas aos professores vinculados.
Obter a profissionalização através da Universidade Aberta foi a opção encontrada. O que não seria de esperar era que após a conclusão da profissionalização (1991), António viesse a descobrir que esta de nada lhe serviria. Pela razão de apenas ser válida para professores vinculados.
Em 1992 António consegue a homologação da classificação profissional com a respectiva contagem do tempo de serviço. É, no entanto, retirado do concurso de Quadros de Zona Pedagógica pois não cumpre o requisito legislativo de ter dado aulas três anos seguidos no ensino público e ter sido colocado no ano anterior.
Perante a instabilidade do ensino público, António procura uma alternativa no privado. "Foi um período de sossego em que tive um aconchego", refere a propósito desta experiência. Ainda assim, concorre anualmente a nível nacional sem contudo conseguir vincular. A sua passagem pelo ensino privado termina em 2002. Altura em que é colocado como professor contratado na Escola Secundária Alexandre Herculano, no Porto. Foi lá que passou os dois últimos anos de serviço.

A ?anormalidade do sistema?

Quando toda a classe reclamava dos erros na primeira lista de colocação publicadas em Maio, António Ferreira verificava que no seu caso tudo estava em ordem.
Os problemas surgiram quando na segunda lista o campo referente à contabilização do tempo de serviço, que na anterior marcava 5910 dias (17 anos) antes da profissionalização, desaparecera. A razão é apresentada no impresso: "Campo alterado pelos serviços. Tempo de serviço incorrecto em função de fórmulas de controle dos tempos".
"Vários colegas sofreram do mesmo erro", garante António Ferreira. Com apenas uma diferença: reclamaram e viram o erro corrigido. "No meu caso não!", contrapõe. Apesar da escola ter reconfirmado ao ME o tempo de serviço indicado pelo professor a lista publicada em Setembro insistia no erro. E como não foi notificado de que a sua reclamação não havia sido aceite, António Ferreira não teve a oportunidade de entrar em tribunal com uma providência cautelar, como fizeram alguns colegas seus.
Na sequência deste erro, António Ferreira ficou graduado com o número 914 quando, segundo as suas contas a posição que lhe estaria reservada na lista seria a quadragésima. Acresce que no seu grupo de ensino foram colocados professores até ao número 900. A situação aguarda agora por um desenlace. António Ferreira apresentou um recurso hierárquico e está à espera. ?Tenho sempre hipótese de ficar como contratado no Porto?, adianta. Caso a situação não se resolva levará o processo para o contencioso. ?Não me posso entregar à anormalidade do sistema?, conclui.


  
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Edição:

N.º 139
Ano 13, Novembro 2004

Autoria:

Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação
Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação

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