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Actual modelo de acesso ao ensino superior é "discriminatório"

Belmiro Cabrito, professor de Economia da Educação na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Lisboa, explica nesta curta entrevista à PÁGINA as razões que o levam a definir como "discriminatório" o actual modelo de acesso ao ensino superior e porque motivo acredita que o processo de Bolonha, actualmente em curso, levará as universidades portuguesas a adoptar no futuro o modelo de acesso anglo-saxónico.

Que apreciação crítica faz do actual modelo de acesso ao ensino superior?

Apesar de todos os inconvenientes que lhe estão associados, julgo que o actual modelo pode ser considerado "menos mau" porque ainda vai permitindo o acesso a um grande número de candidatos.
Porém, na medida em que impõe numerus clausus em todos os cursos, com agravamentos sucessivos - por vezes sem se entender muito bem porquê, em especial nos últimos anos - ele é altamente discriminatório, já que se sabe existir alguma relação entre a avaliação e o capital cultural, social e económico dos alunos, entre quem vem do ensino público e do privado, as notas que se obtêm num e noutro sistema, enfim, contextos que geram discrepâncias entre aqueles que entram e os que ficam para trás - que habitualmente são os mesmos.
Assim, na minha opinião, o acesso ao ensino superior deveria ser considerado de carácter universal e não existir qualquer forma de limitação aos candidatos, exceptuando o actual critério de conclusão do 12º ano de escolaridade. Afinal, é para isso que serve o direito à educação inscrito na Constituição.

Concorda então com a ideia de eliminação progressiva do numerus clausus?

Considero que a introdução do numerus clusus nunca sequer deveria ter sido imposta, pelo que advogo a sua imediata abolição. É uma medida que poderá ter feito algum sentido numa altura de regulação e de adaptação do sistema, mas, vinte anos depois, o sistema já teve tempo de se auto-regular.
Até porque face à actual regressão na procura do ensino superior, que entre outros motivos, se prende com questões de ordem demográfica, não andarei muito longe da verdade se disser que a actual oferta do ensino superior público universitário e politécnico praticamente garantirá, com algum esforço de investimento, a totalidade da procura.

Que comentário faz ao modelo anglo-saxónico de acesso que, entre outras particularidades, é baseado numa seriação dos alunos com base na sua nota de acesso e com entrevistas aos candidatos feitas pelas próprias universidades?

Em Portugal as perspectivas apontam para que as instituições de ensino superior desenvolvam uma progressiva autonomia, podendo, com esta evolução, vir a verificar-se a existência de critérios diferenciados no acesso de acordo com as opções de cada escola.
O modelo anglo-saxónico, baseado no modelo de dois ciclos (3+2), dos convites e do modelo de seriação, contraria também ele o modelo de acesso universal que eu defendo, na medida em que acaba por gerar discriminação. Isto, porque sempre que se verifica um modelo de competição entre os alunos pela entrada nas faculdades ou entre as faculdades pela entrada dos alunos, em função de critérios que não têm em conta os percursos e os handicaps decorrentes de uma sociedade que mantém fortes desigualdades, as condições de igualdade não estão garantidas. São processos que, na minha opinião, devem sempre passar por alguma forma de discriminação positiva de forma que os candidatos estejam em igualdade de circunstâncias.
A Inglaterra, nação que muito contribui para a afirmação das universidades e das escolas empresariais, vê-se actualmente confrontada com uma estratificação das escolas e dos alunos ao nível do ensino básico e secundário. O discurso em torno da igualdade de acesso e liberdade de escolha deve ser defendido, mas o facto é que as condições para que o percurso académico se realize em igualdade de circunstâncias não é garantido com este modelo.

Mas concorda que o processo de Bolonha, actualmente em curso,  acabará por condicionar o acesso ao ensino superior através desse modelo...

Sim. Um processo de construção de um espaço comum europeu de ensino superior implica a existência de uma certa normatividade e irá, concerteza, condicionar o actual modelo e obrigar-nos a adoptar um sistema relativamente parecido com o anglo-saxónico.

Entrevista conduzida por Ricardo Jorge Costa


  
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Edição:

N.º 139
Ano 13, Novembro 2004

Autoria:

Belmiro Cabrito
Especialista em Economia da Educação
Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação
Belmiro Cabrito
Especialista em Economia da Educação
Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação

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