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O criticismo e o sentido da possibilidade

Como todas as coisas, o nosso criticismo tem duas faces. É como as moedas. O criticismo pode ser importante como uma forma de «comportamento vigilante». Entenda-se por «comportamento vigilante» o não querer deixar passar o que é importante sem o examinar, sem tentar perceber o seu significado mais profundo, a sua utilidade, o seu sentido, etc. Nesse aspecto, exercer uma atitude critica é manter um «comportamento vigilante».
Mas é também verdade que o nosso criticismo pode ter, muitas vezes, consequências negativas na pessoa dos outros. Já me tenho dado conta que essa nossa atitude critica, retira muitas vezes, às pessoas, o «sentimento da possibilidade». Ou seja, muitas vezes, a nossa atitude critica pode levar os outros a desesperar, a desacreditar, a desanimar, a pensar que não há nada a fazer. É tudo tão negativo, tão farto de erros, que se perde o «sentido da possibilidade».
Esta perda do «sentido da possibilidade» acontece tanto mais quanto maior for o desfasamento entre quem critica e quem lê ou ouve a critica. A nossa critica tem subjacente a nossa experiência e o nosso conhecimento. Se criticamos é porque, para além de vislumbrarmos o significado do que criticamos, sabemos que existem outras alternativas. Criticamos porque não queremos ir por este caminho, porque conhecemos outros caminhos que se nos afiguram mais interessantes. A nossa critica tem, para nós, o «sentido da possibilidade». Tem para nós, mas pode não o ter para os nossos interlocutores. A experiência dos outros, o seu conhecimento e os sentidos que emprestam às coisas são diferentes dos nossos. Por isso, perante o nosso criticismo, podem ficar desarmados, impontes, descrentes do «sentido da possibilidade».
Quem nos lê, e quem nos ouve, está noutro contexto, noutro registo, onde as possibilidades de acção exigem outros modos de ver. Falar ou escrever para um público, por mais pequeno que seja, é, no mínimo, delicado. Eis porque se pede a quem escreve num jornal um cuidado extra em tentar conhecer aqueles para quem escreve. Num jornal o centro da escrita não é a pessoa que escreve mas os seus potenciais leitores. Não devia ser também assim na acção política?


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 136
Ano 13, Julho 2004

Autoria:

José Paulo Serralheiro
Professor e Jornalista. Director do Jornal a Página da Educação.
José Paulo Serralheiro
Professor e Jornalista. Director do Jornal a Página da Educação.

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