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As competências, mas? da escola (V)

A escola, particularmente a partir da década de setenta do século passado, passou a estar debaixo de um fortíssimo escrutínio por parte da sociedade, constituindo-se como uma das organizações mais criticadas por todos os sectores sociais.

Em anteriores apontamentos centrei a análise na problemática da abordagem por competências e tentei desocultar algumas das razões que terão impulsionado a sua emergência. Salientei, então, a exclusiva centração dessa abordagem no aluno individualmente considerado, deixando completamente nas trevas o papel das organizações escolares no processo educativo. Ora, é precisamente nesta dimensão colectiva e organizativa que me parece adequado colocar a questão da abordagem por competências na época em que vivemos, partindo da convicção de que as estruturas possuem um papel importante na acção dos actores que nelas interagem.
A escola, particularmente a partir da década de setenta do século passado, passou a estar debaixo de um fortíssimo escrutínio por parte da sociedade, constituindo-se como uma das organizações mais criticadas por todos os sectores sociais. Pode-se mesmo afirmar com alguma segurança que poucos ousam assumir a sua defesa, mesmo muitos daqueles que nela vivem e trabalham ? muitas dessas críticas, a maioria das vezes pouco fundamentadas e pouco rigorosas, caracterizadas por um exasperante senso comum de raíz eminentemente ideológica, emergem mesmo no seu interior. As defesas da escola e do que nela se faz só emergem quando interesses de natureza corporativa parecem colocados em questão e mesmo assim com bastantes fragilidades.
Das «competências» mais importantes ?outorgadas? à escola permito-me destacar as de  «educar e formar», embora estas funções não se esgotem, longe disso, no quadro da educação escolar. Educar e formar poderá significar, simultaneamente, propiciar aos alunos a aquisição de um amplo leque de saberes e conhecimentos da mais diversificada natureza e a especialização numa determinada área ou domínio. Ao mesmo tempo que oferece a possibilidade de acesso a todas as grandes questões que se prendem com a história da humanidade (ainda que em níveis muitas vezes introdutórios, variando de acordo com as opções a que os alunos são chamados a responder), a escola permite a centração numa determinada área ou domínio da acção social. «Generalização» e «especialização» são, pois, as duas dimensões essenciais que se colocam à educação escolar na época em que vivemos, importando conceber aquela, cada vez mais, como a articulação harmoniosa e integrada dos seus diferentes níveis, desde a educação pré-escolar até ao que se pode designar por educação terciária nas suas diversas acepções (graduação, pós-graduação, mestrado, doutoramento e pós-doutoramento).
A crítica que me parece mais adequada destacar, de todas as que têm vindo a ser proferidas em relação à escola, é a que se prende com a sua «incapacidade» manifesta em promover uma educação e formação adequadas à maioria da população que a frequenta. Apesar de constituir, provavelmente, a sua mais nobre função (que neste caso se confunde mais com a noção de «princípio» estruturante da sua acção), todos sabemos que a escola portuguesa se tem revelado incapaz (termo que me parece mais adequado do que o de incompetente) de o cumprir em níveis decentes, continuando a «empurrar» precocemente para fora das suas fronteiras quase metade (!) da população que a ela tem direito e que dela devia merecer todo o apoio ao seu desenvolvimento como pessoas e como futuros profissionais, facto amplamente confirmado por todos os estudos recentemente realizados e vindos a público.
As escolas, concebidas aqui como organizações específicas (ainda pouco ou nada autónomas), possuem responsabilidades directas na situação de profundo atraso e subdesenvolvimento em que persisitentemente nos encontramos (embora não sejam as únicas). Por isso, não podem continuar na expectativa, fazendo de conta que não é nada com elas, até porque só executam as políticas. Penso que têm de ser elas a dar o primeiro passo na direcção da transformação da situação, sob pena de, também elas, virem a sofrer o peso de acontecimentos que se adivinham penosos para todos e que não poderão controlar se não forem elas a tomar a iniciativa.
As escolas têm sido bastante competentes na selecção e exclusão sociais. Mas incompetentes em tudo o resto. Como poderão transformar esta situação?


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 133
Ano 13, Abril 2004

Autoria:

Manuel António Ferreira da Silva
Instituto de Educação e Psicologia da Univ. do Minho
Manuel António Ferreira da Silva
Instituto de Educação e Psicologia da Univ. do Minho

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