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Carta aberta aos produtores do «Contra-Informação»

FAÇAM O BONECO DA SENHORA [Secretária de Estado da Educação], MAS, POR FAVOR, NÃO LHE CHAMEM MARIANA DAS CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO.

Excelentíssimos  Senhores

Admiradores que somos do programa que V. Ex.as produzem, vimos, por este meio, manifestar a nossa perplexidade pelo facto de ainda não terem descoberto a Doutora Mariana Cascais como musa inspiradora de um dos vossos incontornáveis bonecos. É uma pena que assim seja. Mesmo que a referida senhora não dure muito tempo no cargo ? sonhar é fácil e é gratuito - seria sempre, bem vistas as coisas, um investimento com retorno. Um pequeno investimento no fabrico de um boneco que, no entanto, libertaria os vossos criativos da preocupação com a escrita dos textos, já que estes podem ser directamente recolhidos das intervenções públicas que a senhora Secretária de Estado da Educação tem vindo a protagonizar.
Para terem uma ideia do filão que andam a perder, comecem por ler a notícia do «Expresso» de 1 de Novembro de 2003, da autoria da jornalista Rosa Pedroso Lima, intitulada «Educação estuda reforma». Embora sejamos advertidos, por um texto em caixa, que ?o ministro David Justino «não comenta» as promessas da sua secretária de Estado?, sempre ficamos a saber que nos encontramos perante ?uma nova reorganização curricular do ensino básico?, tão ampla que passa, apenas, por ?uma «reformulação profunda» da disciplina de Área de Projecto?. Rogamos a V. Ex.as, contudo, que, como especialistas em humor negro, desprezem o pequeno pormenor da amplitude de uma reorganização que, pelos vistos, fica circunscrita a uma área curricular não disciplinar. Rogamos, igualmente, que não tenham em conta o facto do actual ensino básico se encontrar a viver, ainda, sob os efeitos iniciais do impacto da última transformação curricular. Rogamos que esqueçam, também, o berreiro dos deputados do PSD e do PP, na oposição, contra a onda de reorganizações que o PS pretendia levar a cabo, mais de 10 anos depois da última reforma educativa que houve em Portugal.  Esqueçam tudo isso e prestem, antes, atenção à proposta da Doutora Mariana Cascais que, numa audiência por si concedida à ?recém-criada Fundação Portuguesa de Filosofia?  interessada em desenvolver um projecto-piloto nos 2º e 3º Ciclos do Ensino Básico, descobre que o projecto dessa Fundação pode desde logo universalizar-se no âmbito da já referida Área de Projecto. ?Temos de ser criativos?, afirma a Secretária de Estado, numa entrevista ao Jornal de Letras / Educação (29.10.03). Tão criativos que, para que a sua proposta tenha pernas para andar, se torna necessário reformular os quadros, as carreiras e os grupos de docência daqueles ciclos de Ensino. Mais criativos, ainda, quando se sabe aquilo que a Dr.ª Manuela Ferreira Leite pensa dos investimentos, úteis ou inúteis, que se fazem em educação.
Se não vos convencemos ainda, continuem a ler esta carta aberta que, doravante, passa a recorrer aos excertos da já referida entrevista que a Doutora Mariana Cascais concedeu ao JL / Educação para vos persuadir a elegê-la como uma figura cimeira do vosso programa. É nessa entrevista, e a propósito da comemoração de 2003 como Ano Europeu da Deficiência, que a Sr.ª Secretária de Estado se propõe defender uma estratégia inovadora de implementação de uma escola inclusiva que passa, exactamente, pela segregação de crianças com necessidades educativas especiais, retirando-as das escolas do ensino regular. ?Uma criança com deficiência precisa de aprender Português e Matemática, mas também importa que lhe ensinem a pegar num objecto, o que é fundamental para o seu crescimento?, palavras da Doutora Mariana Cascais que, assim, justifica que voltemos ao tempo em que muitas dessas crianças realizavam longas viagens em carrinhas de instituições do ensino especial, agora para poderem frequentar as ?escolas de referência? que ?vamos tentar criar?. ?Estive, há poucos dias, em Sesimbra, numa escola que já recebe todas as crianças com deficiência do norte do distrito de Setúbal?. Como podem constatar, a coisa promete. Até já se pensa estabelecer um protocolo com o Ministério da Administração Interna para que essas crianças possam utilizar os cavalos da GNR, do mesmo modo que se promete implementar, em breve, um projecto de videoconferência no Instituto de Oncologia de Lisboa. Não será que é possível afirmar-se, face a medidas tão abrangentes como estas, que nos encontramos perante o nascimento de mais um personagem de vulto da História da Educação em Portugal ? Como é possível remeter ao esquecimento uma tal personagem?
Não sabemos se conseguimos convencer V. Ex.as a produzir o boneco. Caso não tínhamos sido capazes de o fazer, recomendámo-vos, apenas, que continuem a ler a entrevista que temos vindo a citar. Por essa leitura ficarão a saber que a nossa Secretária de Estado da Educação pensa que, ?neste momento temos um ensino tecnológico não só de qualidade, mas muito adaptado às necessidades reais do país?. Ficarão a saber, também, que a formação de professores é ?uma área em que claramente apostamos?, apesar desta equipa ministerial ter destruído o INAFOP como entidade reguladora independente dessa formação, deixando o sector em roda livre. Ficarão a saber, igualmente, que o protocolo com a IBM vai salvar o ensino da Informática nas nossas escolas. Ficarão a saber, finalmente, que a requalificação do 1º Ciclo está em marcha quando no Ministério da Educação se começa a pensar implementar as TIC, conceder apoio alimentar às crianças, oferecer os manuais escolares e discutir a monodocência. Mais palavras para quê ? Façam o boneco da senhora, mas, por favor, não lhe chamem Mariana das Ciências da Educação. Para além de, certamente, a ofenderem, ofendiam-nos, também, a nós. É que se temos que ser vilipendiados, que o sejamos, ao menos, por boas e excelentes razões.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 129
Ano 12, Dezembro 2003

Autoria:

Ariana Cosme
Fac. de Psicologia e Ciências da Educação, Univ. de Porto
Rui Trindade
Faculde de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto
Ariana Cosme
Fac. de Psicologia e Ciências da Educação, Univ. de Porto
Rui Trindade
Faculde de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto

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