Página  >  Edições  >  N.º 127  >  Back to Basics

Back to Basics

Imaginem uma tarde de Agosto em Vila do Conde. Férias!!! Abro a ?Sight and Sound? de Julho e aparece-me um título...este. Um pouco a medo, confesso, comecei a ler (este slogan tem mau passado, como se sabe), mas não havia razão para tal. O artigo era sobre um documentário francês, ?Être et Avoir?, um grande sucesso de bilheteira e de crítica. O seu realizador,  Nicholas Phillibert,  já era  conhecido por dois filmes, ?La Ville Louvre? (1990) - a vida por trás de uma famosa galeria de arte - e ?Le Pays des Sourds?(1992) - rodado entre os alunos de uma escola para deficientes auditivos. Mas este sucesso colocou-o na mesma divisão de Wim Wenders, com ?Buena Vista Social Club?, e de Michael Moore,  com ?Bowling for Columbine?, embora este tema possa parecer ter menos ingredientes para o sucesso pois está centrado em actividades muito menos espectaculares- ensinar e aprender.
A acção passa-se em Auvergne, numa pequena escola de apenas uma sala, com um professor e 12 crianças entre os quatro e os dez anos.
Na entrevista com o realizador, este começa por referir que o filme não foi uma encomenda: ?... a ideia original era um filme sobre economia agrícola, falência de quintas, mas depois de me encontrar com agricultores e trabalhadores agrícolas o tema mudou. Há algum tempo que queria fazer um filme sobre a aprendizagem da leitura. É um momento muito importante da vida, e pode, talvez, ser visto como uma metáfora da montagem cinematográfica: juntamos  as  letras para fazer sílabas, as sílabas para fazer palavras,  palavras para fazer frases - um processo de construção, como a montagem de um filme. Por isso no final a combinação de dois temas - as dificuldades das comunidades mais remotas e o fascínio com o processo da aprendizagem da leitura ? levou-me a procurar uma remota escola rural.
(...) Rejeitei, logo de princípio, uma visão sociológica: não filmei a aldeia nem as vidas de trabalho dos agricultores, excepto a de Julien, porque era um aluno da escola e isso fazia parte da sua vida quotidiana. O filme não é sobre a vida de uma aldeia de Auvergne mas a tentativa  de apanhar algo mais universal que é aprender, adquirir conhecimento, competências sociais, que são o edifício das civilizações.
(...) Tive muita sorte em ter encontrado um professor como Georges Lopez. Aliás, acabei por escolher aquela escola depois de passar apenas meio dia lá. Embora nada  se possa dizer sobre alguém após meio dia de conhecimento, não havia nada programado- começamos a filmar apenas para ver o que íamos fazer, como se fosse a continuação da nossa pesquisa. Por isso o filme construiu-se a si próprio.   
(...) Os papeis de um professor e de um realizador de documentários envolvem ambos a transmissão de conhecimentos e requerem paciência e habilidade para manter um distanciamento apropriado do nosso objectivo. A feitura de um documentário exige um distanciamento moral e estético. Por isso as imagens da natureza neste filme são muito importantes pois criam um contraste entre esta pequena turma e o resto do mundo. Abrimos com neve, o vento a assobiar e uma ordenha de vacas; reconhece-se logo no início  a escola como um refúgio da violência do mundo exterior. As primeiras imagens da escola são de cágados a rastejar no soalho: é uma maneira de dizermos que o espectador tem de ser paciente e que é à medida que o filme se desenrola que se vai percebendo o seu objectivo.
(...) Qualquer pessoa que entrasse naquela sala de aula ficaria espantado pela calma criada por Georges Lopez. Em dez semanas de rodagem passou em frente da câmara apenas três vezes e resolvemos não ficar com essas cenas pois iria dar uma impressão errada . O comportamento da equipa tem um efeito tremendo nas pessoas que estão a ser filmadas. Eu faço um filme com as minhas personagens e não sobre elas. Não faço julgamentos nem quero dar lições . Trato o espectador como adulto, provocando emoções e fazendo perguntas mas não dando respostas.
(...) Perguntam-me muitas vezes porque não fiz um  filme que tratasse dos problemas de aprender a ler e a socialização numa escola dos arredores de Paris pois seria sociologicamente mais representativo. É o que estamos à espera, condicionados como estamos pela televisão. Mas se fizesse o filme em Londres ou Paris a textura seria completamente diferente. O tema é universal - como os professores dão confiança às crianças e como elas aprendem da mesma maneira em qualquer parte do mundo, na cidade ou no campo. Por isso não estamos numa escola em Auvergne, mas numa terra de ninguém, fora do tempo, o que dá ao filme um ar de fábula.
(...) Milhares de professores viram este filme e tive várias reacções. Mas geralmente eles sentem que o seu trabalho é desvalorizado pela sociedade e vêem este filme como uma homenagem à sua profissão. As crianças comovem-se, riem, mas não falam muito. Nathalie, Julien e Olivier, que são vistos em situações em que estão muito vulneráveis, parece que ganharam força com isso. De uma certa maneira, fizemos o filme reflectir a experiência das crianças - filmámo-las a ultrapassar obstáculos, enquanto íamos ultrapassando os nossos. Por isso dissemos-lhes que estávamos no mesmo barco, todos descobrindo coisas enquanto caminhávamos.
(...) Em criança obrigaram-me a ir à escola. Quando adultos estamos proibidos de regressar. A minha escola era muito diferente. Fui muito infeliz. Quando fiz este filme consegui tirar prazer da escola,  pela primeira vez.?
Não haverá por aí ninguém - uma televisão, uma distribuidora... a Fenprof, porque não?- que nos dê o prazer de ver ? Être et Avoir??


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 127
Ano 12, Outubro 2003

Autoria:

Paulo Teixeira de Sousa
Escola Secundária Especializada de Ensino Artístico de Soares dos Reis, Porto
Paulo Teixeira de Sousa
Escola Secundária Especializada de Ensino Artístico de Soares dos Reis, Porto

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo