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O desemprego e a avaliação dos professores

O DESEMPREGO DOS PROFESSORES NÃO É UM FENÓMENO PASSAGEIRO. É UM FENÓMENO QUE SE VAI AGRAVAR, E MUITO, NOS PRÓXIMOS ANOS, SE NÃO FOREM TOMADAS MEDIDAS URGENTES E DRÁSTICAS QUE TRAVEM O SEU AUMENTO E, A PRAZO, O RESOLVAM OU, PELO MENOS ATENUEM.

O actual governo no início do seu mandato parecia ter o propósito de tomar algumas medidas sérias no domínio do desemprego de professores, mas, manifestamente, não as tomou, por falta de coragem ou incapacidade para encontrar soluções. Optou por fechar os olhos e continuar uma política "à D. Branca" semelhante à dos anos anteriores, com o que o problema é hoje mais grave e mais dificil do que há um ano.
Ao problema do desemprego soma-se o problema da má preparação, nalguns casos péssima, que está a ser dada a muitos dos futuros (e desempregados) professores, formados em inúmeras escolas sem qualquer controle do Ministério e sem em nada serem tidas em conta as necessidades do País. Sobre o problema da preparação dos professores, o Ministério decidiu agir, só que, em vez de actuar a montante, como é neste momento urgente, decidiu agir a juzante, ou seja, dedicando toda a atenção à AVALIAÇÃO dos professores.
É obvio que o Ministério tem razão quando diz que os professores devem ser avaliados. Os professores devem ser avaliados como o devem ser os funcionários, os militares, os médicos, os enfermeiros, os polícias, os juizes, os jornalistas, os engenheiros, os operários, os administradores das empresas e os árbitros de futebol. Nenhuma sociedade pode evoluir razoavelmente se não tiver no seu interior convenientes mecanismos de avalição dos seus agentes, que somos todos nós, e de promoção dos seus melhores valores. Mas há diferentes graus de responsabilidade. Penso, por exemplo, que a má situação em que se encontra a Ecomomia portuguesa é fundamentalmente devida ao mau desempenho dos seus responsaveis de alto nivel, e não a um mau desempenho dos operários portugueses, ou mesmo dos pequenos patrões. Por isso penso que, num plano político, é muito mais importante e urgente pensarmos em processos de avaliação dos gestores das grandes empresas (sobretudo dos nomeados pelo Estado), do que pensarmos na avaliação dos operários, que é um problema que diz mais directamente respeito a sindicatos e patrões. Não acredito, aliás, que o País possa progredir relativamente a outros enquanto vir a facilidade com que sobem nas suas carreiras e ocupam postos de imensa responsabilidade individuos manifestamente incapazes de gerir um Super Mercado.
Mas, voltemos aos professores. Um mau professor numa carreira de 30 anos pode, por ano, prejudicar gravemente 100 estudantes. A avaliação é portanto necessária. Mas que avalição?
Penso que uma avaliação dos professores, como, a avaliação de várias das categorias de profissionais atrás referidas, só deve ter numa primeira fase três classificações: Normal, excepcionalmente Bom, e francamente Mau. Nós vivemos num mundo de pessoas em regra normais. Penso que uma maioria, talvez 80% dos professores, desempenha normal e conscienciosamente as suas funções. Depois, há uma minoria, talvez uns 10% de excepcional qualidade. E depois, há outra minoria, talvez de 10%, que desempenha francamente mal as suas funções.
O Ministério, depois de discutir o assunto com os interessados, pode criar comissões que se encarreguem localmente desta primeira avaliação e, a um nivel mais alto, uma comissão que se debruce sobre o caso dos professores assinalados como excepcionais, essencialmente com o intuito de aproveitar as suas qualidades (para cursos de aperfeiçoamento, por exemplo). Esta comissão deverá, também, funcionar como instância de recurso para analisar o caso dos professores considerados Maus, que diante dela se devem poder defender. Pode-se até dar o caso de virem a ser considerados excepcionalmente Bons, professores inicialmente considerados Maus.
Considero que um sistema de avaliação concebido nestes moldes, ou semelhantes pode ser altamente benéfico para o nosso ensino. Se, em vez disso, o Ministério criar um sistema com classificações pretensamente precisas, em que um professor com 143 pontos fique à frente dum outro com 127 pontos, inevitavelmente, os professores, salvo alguns carolas, terão de dar muito menos atenção ao ensino para dar atenção à AVALIAÇÃO.
Consideremos agora o caso do excesso de professores que estão a ser formados. Como pode actuar neste domínio o Ministério, se muitas das escolas são privadas e mesmo as do Estado têm autonomia?
Acontece que o Estado é o grande empregador de professores. O que não é admissivel, é que o Ministério deixe pairar a ideia de que todo o estudante inscrito num curso de formação de professores duma escola pública ou privada terá, quando acabar o curso, um lugar de professor assegurado pelo Estado. A propaganda das escolas interessadas em captivar alunos não contribui em nada para diminuir esta desinformação, de que são vítimas os estudantes dos meios menos esclarecidos. O Estado assume uma grande responsabilidade em não esclarecer devidamente este assunto. O problema de fundo, no entanto, não é o de um simples esclarecimento. É o de conceber uma solução para o futuro, aplicavel desde agora, antes de que o problema se agravar ainda mais.
Penso que, em linhas gerais (e muito resumidamente) para o Ensino Secundário e talvez também para o Preparatório, a solução poderá ser do seguinte tipo:
1-O Ministério empregador fará um estudo dos professores de que necessita nos anos mais próximos.
2-Tomemos o exemplo dos professores de Matemática do Secundário. Com uma ideia do número de professores de Matemática de que necessita três anos depois, o Ministério abre um concurso para futuros professores com as vagas convenientes, aberto a estudantes com dois anos completos de cursos superiores, públicos ou privados, com as cadeiras de Matemática adequadas. Aos apurados, o Ministério assegurará uma bolsa para completarem a formação em três anos e um futuro lugar de professor nos quadros do Estado. A um concurso deste tipo concorrerão, certamente, estudantes de boa qualidade e muito motivados. O Ministério tornará claro que não tem nenhum compromisso para assegurar lugares a novos professores sem ser por via deste concurso.
3-Para a formação dos 3 anos complementares, o Estado escolherá por concurso e fará contratos, por exemplo por 5 anos, com escolas, ou associações de escolas, públicas ou privadas, para assegurarem localmente esta formação num conjunto de polos distribuidos pelo país.
É com projectos deste género que o ensino pode mudar em Portugal. Infelizmente, hoje é muito dificil encontrar espaço jornalistico para falar deles. O sistema educativo português involuiu tanto, que os textos que sobre ele se escrevem são quase sempre textos internos, isto é, textos que nada dizem para fora dos horizontes por ele próprio criados.
Por isso, ao terminar este texto, lembro-me do jornalista Afonso Praça, com quem tanto gostaria de discutir estes assuntos, e do "Jornal da Educação" de que foi Director que durante tanto tempo animou. Que falta fazem ao País!


  
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Edição:

N.º 127
Ano 12, Outubro 2003

Autoria:

António Brotas
Professor Jubilado do Instituto Superior Técnico
António Brotas
Professor Jubilado do Instituto Superior Técnico

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