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O regresso de Luandino

Para surpresa de muita gente, o romance com que José Luandino Vieira agora ressurgiu nos escaparates, Nosso Musseque, mais de vinte anos decorridos sobre a publicação do seu último livro de ?estórias?, Lourentino, Dona Antónia de Sousa Neto & Eu, é ainda um ?regresso? ao passado e não o imaginado livro de ?ruptura? que se pensava que ele pudesse escrever, partindo das suas declarações feitas em 1982, numa entrevista concedida ao ?Jornal de Letras?: ?Quando voltar a escrever é para começar qualquer coisa de novo. A minha ambição seria escrever um livro que significasse para a actual literatura angolana o que Luuanda significou em 1963?.
E em 1988, ainda não liberto de actividades político-profissionais no seio de um novo Estado em transe ciclópico de formação, - que aliás mobilizava outros intelectuais revolucionários ? Luandino confiava, numa entrevista concedida a Michel Laban, que, para retomar a escrita, precisava de tempo ?para voltar novamente a estar em cima de uma mulembeira?: Então é preciso a preguiça, a despreocupação e a preguiça. São só estes factores, agora, o que me impede...?
Também para surpresa de muita gente, Luandino viria a trocar a mulembeira angolana pelo pinheiro lusitano ao fixar-se, em 1992, numa serrania do Alto Minho, onde, dedicando grande parte dos seus dias a tarefas campestres, encontrou certamente o direito à preguiça que dificilmente encontraria em Luanda, prolongando um silêncio (para alguns ?clamoroso?) que cada expectante interpretava a seu modo, à espera de um livro certamente ?explosivo? (talvez porque outros camaradas seus, da literatura e da acção política, já tinham ?actualizado? as fontes de inspiração e a profissão de fé com o desejado sucesso).
No fim, Luandino mostra-se de regresso ao ?seu? musseque da cidade da infância com um ?novo? romance ? cujo primeiro título é uma reposição (agora com aprimoramento do discurso ?angolano? iniciado em Luuanda) de um conto publicado em 1962, na colectânea Novos Contos d?África, editada na então cidade de Sá da Bandeira, por ?Publicações Imbondeiro?, com o título Os miúdos do Capitão Bento Abano. 
Se mais não houvesse para julgar, bastaria a leitura do Nosso Musseque para entender de  palavras como as de Saint-Exupéry ? ?era da minha infância como de um país? ? que o ?musseque?, para os escritores angolanos da geração literária de 50 (como António Jacinto, Mário António, Arnaldo Santos, António Cardoso, Tomás Jorge, Aires de Almeida Santos, Ernesto Lara Filho e alguns mais), era ?o local da infância? idealizado como paradigma do ?país futuro?, ?o ?território? onde, à margem da ?cidade branca do asfalto?, na fraternidade da adolescência franca e descomplexada dos ?capitães da areia? ? brancos, negros e mestiços ? levedava a Sagrada Esperança da ?cidade de todas as cores?, onde seria reconhecido ? como diz o ?Poema híbrido? de Tomás Jorge, num livro, Areal, emblemático da epifania ?mussequina? ? que ?o Homem / quanto mais ariano / menos é Universal.?
Mas havia mais para julgar... A ?estória? com que Luandino reaparece, pela primeira vez, numa colecção infanto-juvenil da EXPO-98, intitulada Kapapa (Peixes e Aves), e que pelos vistos não concitou a atenção especial dos adultos seus fiéis (a merecida análise deste texto exigiria outro espaço), é um eloquente, embora elíptico, ?recado? (?Kapapela? é um cartão, um bilhete, em quimbundo) sobre a razão de um silêncio, de uma solidão, de um sonho maravilhoso em que os peixes podiam voar...
Lendo-se atentamente as primeiras seis linhas (que remetem para os primeiros versos do hino do MPLA...) e as últimas três páginas, a aventura mágico-simbólica do aprendiz de pescador chamado, ?hoje e sempre?, Kapapa, a ?viagem? de Luandino ao passado tanto poderá significar, nostalgicamente, que, como escreveu Cesare Pavese: ?Nada é mais inabitável do que um lugar onde se foi feliz?, ou como Rui Duarte de Carvalho: ?Um homem não deixa nunca sem mágoa um espaço que inventou, uma nação que urdiu por escolha e amor ao chão?, como, criticamente: ?Vejam como era o ?nosso musseque?, a ?nossa Angola? ? e o que foi feito da nossa Sagrada Esperança!?
Neste contexto, o livro de Luandino é uma clara reafirmação de unidade e coerência com o princípio ? sem apostasias nem cambalhotas. Por isso, comungando com a ideia poética de que, para o escritor, escrever é um ?destino? ou uma ?respiração?, ainda ficará lugar para repetir a interrogação feita por Manuel Ferreira, em 1977, no prefácio a uma nova edição do livro A Cidade e Infância: ?E agora, Luandino?"


  
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Edição:

N.º 126
Ano 12, Agosto/Setembro 2003

Autoria:

Leonel Cosme
Escritor - Jornalista, Porto
Leonel Cosme
Escritor - Jornalista, Porto

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