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Meu Deus, como é bela a guerra económica!

NEOLIBERALISMO

LUTEM, É O VOSSO DESTINO. A MUNDIALIZAÇÃO ESTÁ AÍ. E NADA PODEM CONTRA ELA, POIS NÃO? POUCO IMPORTA QUE A MUNDIALIZAÇÃO SEJA ORGANIZADA, ORQUESTRADA, PREPARADA POR MULTINACIONAIS QUE ACTUAM SOBRE OS ESTADOS COM A ESTREITA CUMPLICIDADE DESTES, MULTINACIONAIS QUE JÁ POSSUEM O SEU PRÓPRIO SISTEMA POLÍTICO MUNDIAL, QUE TEM POR NOME ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO (OMC), FUNDO MONETÁRIO INTERNACIONAL (FMI), BANCO MUNDIAL (BM), COMISSÃO EUROPEIA.

Combatam. O fosso das desigualdades está a crescer? Nunca, na história da humanidade, os ricos estiveram tão longe dos pobres? Cavem mais fundo a vossa trincheira. A vossa vida está a ficar poluída como uma sexta-feira à tarde nos cais do Sena? Coloquem a vossa máscara de gás. Não sabem se os vossos filhos conseguirão ter uma educação correcta e uma boa saúde, para já não falar de uma profissão? Ensinem-lhes a flexibilidade. Edu­quem-nos na precaridade, na incerteza do amanhã, no medo per­pétuo dessa bomba chamada desemprego, isso sim, poderá servir-lhes para alguma coisa. Então, que diabo, um pouco de coragem! Os lucros sobem em flecha? As empresas conseguem lucros tão elevados que já nem sequer os investem? As empresas nunca foram tão alimentadas pelos subsídios de um Estado que desprezam e cujo capital lhes está a ser oferecido? É a guerra, dizem-nos. Sejam móveis, estejam prontos a ser contratados de manhã para serem despedidos à tarde. Flexíveis. Façam vénias. Estejam prontos a atacar. Hão-de chamar-vos quando for preciso sair do buraco. E, depois do assalto, há-de haver novo assalto, e depois mais outro. Um nunca acabar.
Para a guerra é necessário haver soldados, chefes e comer­ciantes de canhões. E, sobretudo, propaganda.                                                                                        ­
Propaganda, não a temos tido aos quilos, mas às toneladas. Às carradas. Os funcionários públicos estão optimamente instalados na vida, os que auferem o salário mínimo são uns privilegiados que deviam ter vergonha, os pensionistas são ricos e os desempregados uns preguiçosos que só pensam no subsídio. E não falemos dos beneficiários do rendimento mínimo garantido, esses desaver­gonhados que recebem dois mil francos líquidos e que impedem que o salário mínimo suba para três mil. Entre estes, há os que têm um tecto, que são privilegiados em relação aos sem-abrigo. E não nos esqueçamos do Estado predador, dos impostos que matam a iniciativa, dos privilegiados dos caminhos-de-ferro, das estradas ou dos correios, que tomam o país como refém. O pior é sem dúvida a ideologia da «mundialização feliz», isto é, todo o poder aos mercados, abaixo os direitos dos trabalhadores, viva o nivelamento por baixo. Germinal está finalmente feliz com o seu destino.
A mundialização à moda liberal é a sufocação regulamentada dos bens públicos, mobiliários e imobiliários, a pilhagem da Segu­rança Social e o aniquilamento dos direitos dos trabalhadores. O que se diz ser um progresso é uma regressão de dois séculos. Que os ingleses tenham os patrões mais bem pagos do mundo, poucos desempregados e muitos pobres, analfabetismo, suicídios, uma morbilidade em pleno desenvolvimento mas também o me­lhor cinema social da actualidade(1) deve fazer-nos reflectir. A pátria do Estado de direito e do Estado-providência, a terra que acolheu as longas horas de estudo de Karl Marx no British Museum e per­mitiu o nascimento de «Das Kapital», favoreceu, graças a Margaret Thatcher, uma inverosímil regressão, a regressão ao liberalismo mais brutal, o de um Malthus («As leis sobre os pobres criam os pobres a quem ajudam»), de um Burke, de um Franklin, de um Pareto ( «Àquele que conseguiu ganhar milhões, tenha sido bem ou mal, daremos dez num máximo de dez; àquele que apenas con­segue não morrer de fome daremos um em dez»)? A guerra económica é um suicídio social. E o «social», se não quiser morrer, tem de matar esta guerra.
A mundialização na versão «todos são cidadãos do mundo» é a melhor das coisas, a mundialização na versão «todos são empregados e vassalos do supermercado mundial» a pior.
Claro que somos mundialistas. Claro que o futuro do mundo é um governo único que permita gerir, entre outros, os fantásticos problemas ecológicos que se colocam à Terra. A próxima guerra ? a verdadeira ? será talvez uma guerra da água. A mundialização económica é o contrário da regulamentação. É a selvajaria e a pilhagem, a depredação da Natureza? 
A propaganda, a fábula da «mundialização feliz», o aniquila­mento do Estado e da política, o regresso à moral vitoriana do rico abençoado pelos deuses e do pobre amaldiçoado: eis a «guer­ra económica» de que este livro nos fala.
Felizmente, há grandes esperanças. Felizmente, esta guerra será talvez a última batalha da humanidade contra si mesma ? ­esperemos que não seja demasiado sangrenta! No horizonte, a esperança da paz no século XXI, graças à revolução técnica que elimina o trabalho manual. De qualquer forma, não temos esco­lha: ou o caos das «grandes companhias» numa interminável guerra civil ou a paz com uma redistribuição reencontrada.
E agora, façamos figas para que um dia não se venha a escre­ver: «E o combate terminou por falta de combatentes.»


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 124
Ano 12, Junho 2003

Autoria:

Philippe Labarde
Jornalista. Jornal Le Monde.
Bernard Maris
Economista. Professor universitário. Paris.
Philippe Labarde
Jornalista. Jornal Le Monde.
Bernard Maris
Economista. Professor universitário. Paris.

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