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U.S.AAAA.!!! Heeeelp!!!

?Em breve a Europa estará longe e indiferente às nossas lamentações, mas perto e intransigente para as suas exigências?. Com efeito, os tempos de ajuda acabaram e a Europa vai deixar de ouvir os nossos pedidos de socorro. Por isso convém procurar rapidamente outra tábua de salvação. A oportunidade já foi encontrada e não foi desperdiçada: os nossos descendentes americanos precisam de apoio e nós cá estamos para lhes ceder uns botes ou umas passarolas à espera que eles depois nos dêem um porta-aviões. Esse porta-aviões até poderá vir, mas não será para nos servirmos dele. Se vier, virá certamente cheio de investidores, administradores, políticos, peritos de negócios (ou marketing?), especialistas em fazer consumir, painéis publicitários, bandeiras com estrelinhas, máquinas de fazer hambúrgueres e dónutes, jines e coca-colas. Quem sabe até se vão conseguir tornar mundialmente famosos os nossos desprezados bolinhos de bacalhau e alargar a região demarcada do Douro para poderem produzir quantidade suficiente do precioso Porto que satisfaça um vislumbrado aumento de procura; ou colocar o carimbo Mac nos nossos folares e fazer linguiças em forma de . Já para não falar das palavras terminadas em ?ing? ou dos ups, offs e outs, que não tarda nada obrigarão a uma nova revisão dos Modernos Dicionários de Língua Portuguesa. Virão levantar torres envidraçadas em volta dos nossos emblemáticos castelos e muralhas. Transformarão largos hectares de terreno para produções holiudescas. E nós cá estaremos para os endeusar e louvar os seus feitos, porque não conseguimos fazer melhor ou pelo menos fazer diferente para nos contrapormos e não sermos absorvidos.

Isto é que é gente ?guicha?. Nós, os velhos europeus, progenitores destes jovens filhos prodígio podemos orgulhar-nos: ?eles estão tão crescidos, foram todos oficiais na tropa, todos se doutoraram; casaram com bonitas e prendadas mulheres; estão muito bem na vida? e são muito bem educados, até ainda nos vêm pedir a bênção.? E nós, enquanto assistimos a toda esta audacidade e êxito, evidenciamos a nossa decrepitude e dependência subserviente, sempre à espera que eles nos arranjem um bom lar da 3ª idade. Tão bons filhos não vão certamente abandonar-nos naqueles imundos e quebradiços depósitos para velhos. Ou poderão até fazer melhor: enfiam-nos um chapéu de coco às listas vermelhas e brancas apoiadas em fundo azul estrelado; um barrete da Nike com a pala a fazer sombra ao pescoço; vestem-nos umas camisas floridas e põem-nos a dançar ao som do Miguel Já Que Som. E assim ficamos felizes e contentes feitos parvos-alegres ou velhos gaiteiros, enquanto eles prosseguem com a sua demanda, porque ainda são jovens e têm uma longa vida pela frente.

Já não é a primeira vez que o nosso velho mundo assiste a aculturações idênticas. Já fomos romanizados, islamizados, barbarizados, hitlarizados. Desde Alexandre Magno até Napoleão, passando pelos impérios coloniais ingleses, franceses, holandeses, belgas, espanhóis e lusos, a história está recheada de exemplos de gentes, povos, imperadores, reis e generais que não se contentaram com o seu espaço territorial. Com tão bons exemplos dos seus progenitores, o que seria de esperar destes traquinas e audazes descendentes? ?Tal pai, tal filho?, lá diz o ditado. Não fora a coacção bélica e até se poderia argumentar que a humanidade beneficiou com aquelas invasões e impérios. Mas, quanto sangue se derramou? A que preço ficaram essas incursões ?culturais? que não eram simples trocas de ideias e saberes? Valeu a pena? Os romanos estão reduzidos à sua origem; os islâmicos tiveram que recuar para os seus desertos; os bárbaros deveriam ter-se suicidado nas suas terras em vez de o virem fazer para tão longe; Hitler nem devia sequer ter nascido e todos os outros impérios estão agora reduzidos a um simples grau de parentesco com aqueles que lhes deram origem. O que ficou de tudo isto? A troca de culturas que permitiram o desenvolvimento. E com este raciocínio até me atrevo a construir uma alegórica fórmula matemática: (civilizações + troca de culturas) ? guerra = desenvolvimento harmónico.

Todavia, sem estes arrojados acontecimentos, a história seria uma pasmaceira. Assim como na história recente, se não fosse a guerra-fria, o conflito no médio oriente, os diferendos dos Balcãs, os desentendimentos africanos e as guerras do golfo, teríamos passado uma metade do século XX, fastidiosa, enfadonha, dormente, imobilizada. Por isso mexamo-nos, acordemos, discutamos ao som dos bombardeiros e dos mísseis, das aberturas catastróficas dos jornais; banhemo-nos com o sangue que jorra dessas matanças, lamentemos os coitados famintos, vangloriemos os mortos em combate, festejemos as vitórias, preparemo-nos para vingança depois das derrotas. Porque sem estes feitos a vida não faz sentido. Ou fará sentido só para alguns, poucos. Para aqueles que são escolhidos pelos outros que são muitos mais e que vêm para a rua gritar que não votaram neles para mandarem os seus familiares para a matança. Mas eles pouco se importam. Agora podem, querem e mandam. Quem terá mais legitimidade? Teremos que fazer um referendo? Já se fizeram referendos por bem menos. Como aquele em que se perguntava ao povo se se podia ?eliminar? seres apenas com algumas células. E o povo disse que NÃO, embora soubesse que esses seres quando estivessem completos e com milhões de células, poderiam vir a ser ?eliminados? pela segregação, pela doença, pelo sofrimento. Por isso com que legitimidade se enviam seres adultos e completos que não são segregados, nem doentes e têm uma vontade enorme de viver, para serem eliminados numa situação que, esta sim, poderia ser perfeitamente evitada?

Aproveitemos o que de bom nos trazem os outros, sem nos deixarmos viciar; aceitemos os seus saberes, sem nos enebriarmos; usemos a suas ferramentas, sem nos magoarmos. Mas acima de tudo, mostremos que também temos coisas boas para fornecer; saberes para intercambiar; capacidade para produzir as ferramentas necessárias. Em suma, troquemos as nossas ideias, culturas e produtos, mas tudo isso? é claro, pacificamente.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 123
Ano 12, Maio 2003

Autoria:

José Manuel Alves Carvalho
Professor do 1º Ciclo EB1 de Serapicos Nº2, Valpaços
José Manuel Alves Carvalho
Professor do 1º Ciclo EB1 de Serapicos Nº2, Valpaços

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