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Bolonha, a globalização e o GATS

Iniciado em 1944 com a Conferência de Bretton Woods onde o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional foram criados, e reforçado pelo consenso de Washington e pela ação da Organização Mundial de Comércio, o fenómeno do desmantelamento progressivo das barreiras nacionais ao comércio levou à emergência de uma economia global que colocou um poder enorme num número limitado de corporações multinacionais. Segundo um relatório de 1995 do Banco Mundial, 600 multinacionais controlavam 25% da economia e 80% do comércio mundiais.

Na arena politica, a Nova Direita, apoiada em Adam Smith (1776) como o seu primeiro e velho profeta, e nas teorias mais recentes Hayek e Friedman, criou um conjunto de ?verdades? atraentes que provocaram uma grande transformação das políticas económicas. Essas verdades podem resumir-se da forma seguinte

  • o Estado tornou-se demasiado caro para sustentar e demasiado intrusivo para ser tolerado;
  • os mercados sem restrições reguladoras gerariam riqueza e prosperidade, local e globalmente;
  • a riqueza e a prosperidade eram condições necessárias (e aparentemente suficientes) para a democracia e o bem-estar social.

A ideia de que o livre fluxo de bens e de capital era a autoestrada para a paz e a prosperidade universias foi utilizada por muitos ideólogos neo-liberais. O comércio livre contribuiria para a prosperidade material das nações e para o progresso intelectual da humanidade, bem como para reduzir, ou mesmo eliminar, o risco da guerra. Na promoção das virtudes do comércio livre foram utilizadas imagens apelativas como as das teorias do ?trickle down? ? encher a mesa das corporações para além dos limites do deboche faria com que o excesso de riqueza caísse para as classes trabalhadoras ? ou de bem conhecidos efeitos do nível de água ? quando a maré sobe todos os barcos sobem ao mesmo tempo.
O processo de globalização está estreitamente ligado à crença Reaganiana de que o governo é parte do problema e não da solução, pelo que o seu papel deve ser reduzido, quer como regulador, quer como fornecedor de serviços. Muitos defendem que a tarefa básica do governo deve reduzir-se a revitalizar o capitalismo, diminuindo a presença do Estado para permitir que a mão mágica das forças do mercado reduza a inflação e torne a economia mais competitiva.
Qualquer tentativa do Estado para interferir com a actividade livre dos mecanismos do mercado deverá ser punida. Na nova ordem mundial o papel do Estado limita-se ao de um rendeiro: manter um olhar atento sobre o rebanho dos trabalhadores, antecipando ou eliminando movimentos de rebelião ou forças que possam originar lutas sociais e políticas que ponham em causa a liberdade do comércio e a operação livre do mercado, mas sem cair no erro de desperdiçar o dinheiro público como era característico do Estado Providência.
A proposta recente feita pelos USA à Organização Mundial de Comércio para se considerar a educação como um serviço ou mercadoria transacionável, representa um novo passo no sentido da mercadorização do ensino superior e pode criar uma forte competição ? tipo mercado ? que porá em perigo os valores fundamentais da universidade. As razões da proposta dos USA são demasiado evidentes: contabilizando as propinas dos alunos estrangeiros como exportações, os USA terão todo o interesse em remover as barreiras nacionais à venda de serviços de educação por fornecedores estrangeiros, já que isso fará subir o valor das suas exportações.
Van Weigl define mercadorização como o processo pelo qual um produto ou serviço se torna padronizado, de tal forma que os seus atributos são aproximadamente os mesmos; então, esse produto ou serviço pode ser facilmente comparado com produtos ou seviços similares e a competição faz-se, essencialmente, com base no preço. Este é o perigo de mercadorizar o ensino superior pois abre o caminho a competidores que tem por objectivo apenas o lucro e que oferecerão o serviço a um preço mais baixo por não terem em conta a qualidade. Por exemplo, uma entidade que não dedique recursos à investigação ou à socialização dos alunos poderá oferecer um curso a preço mais baixo do que uma universidade que tenha essas preocupações.
Por este motivo é importante que o processo de convergência de Bolonha não fuja ao controlo académco para se tornar num feudo da burocracia Europeia que conduza a uma homogeneização do ensino superior Europeu provocando, assim, a sua mercadorização e a abertura à cobiça de iniciativas privadas visando essencialmente o lucro. Em vez de reforçar a capacidade das universidades Europeias para competir noutros continentes, a convergência poderá criar um mercado atraente para organizações não-Europeias e para actividades comerciais orientadas para o lucro.
É curioso que estas movimentações tenham lugar quando surgem sinais de que a visão neo-liberal de uma utopia de mercado globalisada, em vez de promover uma universalização da prosperidade conduziu, pelo contrário, a um aumento das disparidades entre ricos e pobres e à promoção de um sistema de valores baseado na exclusão e na desigualdade. Afinal, as imagens mobilizadoras do ?trickle-down e? dos efeitos de maré não passavam de miragens e a ideia neo-liberal de que o comércio livre aproximaria os países pobres dos países ricos era falsa. Fenómenos recentes, como o colapso da ENRON e de outras grandes empresas americanas, associadas à quebra de confiança nas empresas de auditoria como a Arthur Andersen questionam fortemente a superioridade da gestão privada sobre a gestão pública, nomeadamente quando está em causa o ?serviço público? e devem ser transformados numa oportunidade para questionar o actual modelo de globalização económica.


  
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Edição:

N.º 119
Ano 12, Janeiro 2003

Autoria:

Alberto Amaral
Centro de Investigação de Políticas do Ensino Superior
Alberto Amaral
Centro de Investigação de Políticas do Ensino Superior

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