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A grande palhaçada
Recentemente, no final de uma partida de futebol entre dois históricos e doentios rivais do futebol madeirense, Marítimo e Nacional, o presidente de um dos clubes, em declarações à comunicação social, falou de ladrões e de palhaços em perceptível e despudorado ataque ao seu adversário de circunstância. Todos os órgãos de comunicação fizeram repetido eco. Ao fim e ao cabo, declarações iguais a tantas outras que, diariamente, lemos, sobretudo na imprensa da especialidade.
Pois é, de facto, no contexto em que escrevo, por aqui, nesta Região Autónoma, a palhaçada tem 26 anos. É maior e vacinada. Produziu filhos subservientes e oportunistas. E já há, por aí, netos que criados nas barracas do circo, já animam o espectáculo com números de contorcionismo e de malabarismo. Um dia chegarão a palhaços e a sócios da companhia. E, aí, vomitarão enormidades tão graves ou piores do que aquelas, alimentadoras de ódios e absolutamente distantes de preocupações educativas. As expressões ?ladrão? e ?palhaço?, entre outras, são, digo eu agora, a consequência não do desenvolvimento, mas de políticas que não tiveram em conta esse mesmo desenvolvimento. Entretanto, para consumo interno, fala-se da existência de um ?povo superior?...
Passaram-se 26 anos de governo autónomo sem uma visão e um pensamento acerca do futuro. Pouco foi planeado, o que significaria a necessidade de determinar uma estrutura lógica de tarefas no tempo, as suas interdependências sistémicas, os tempos de execução e os sistemas de controlo. Pelo contrário, desrespeitaram-se os princípios do desenvolvimento e o resultado não poderia ser outro. Nós, que pela pequenez do espaço territorial, deveríamos ser um exemplo para o país, acabamos por ter uma das piores taxas de participação desportiva de toda a Europa. O desporto enquanto bem cultural, direito constitucional e produto social e económico foi, intencionalmente, substituído por um desporto ao serviço de alguns, mormente, de políticos e empresários. Esbanjaram-se recursos financeiros e hoje, ao contrário de uma população culta e desperta para as questões do corpo e da saúde, das questões estéticas, do belo e da solidariedade, um desporto criador de hábitos para a vida e promotor até da excelência, porque temos direito ao espectáculo, confrontamo-nos com uma população de 35 mil alcoólicos, um número assustador e crescente de toxicodependentes (37 mil seringas trocadas nos últimos dez meses) e uma invasão de praticantes estrangeiros para gáudio de meia dúzia. Não será isto, de facto, uma palhaçada?.
Mais ainda. Leio no DN-Madeira, de 23 de Novembro último, que o próximo Orçamento Regional de 2003, será de rigor com menos dinheiro para ?cultura, festas e formação?. Perguntar-se-á, no entender de alguns políticos: cultura, para quê (?), formação, educativa e profissional, para quê?. Mas lá o desporto, fundamentalmente o de natureza profissional, esse, receberá 28,3 milhões de Euros, precisamente mais 3,5 milhões que em 2002. É, penso eu, a palhaçada no seu pior. No essencial, perguntar-se-á, que futuro estão a criar, que exemplos e que mentalidade estão a gerar, fundamentalmente junto de uma juventude em formação escolar, quando as preocupações políticas são daquela natureza. Paradoxalmente, o desporto educativo escolar, esse investimento que deveria ser prioritário, que implicaria a radical mudança de paradigma organizacional e de conteúdos, a caminho de população mais culta e mais sadia, capaz de vê-lo como momento de ?jogo, humor e festa? na feliz expressão do Professor Manuel Sérgio, está, por aqui, condicionado aos interesses de uns quantos que dele se servem para a sua sobrevivência política ou qualquer outra. Num quadro destes, o futuro, naturalmente, não poderá ser outro senão o da repetição do presente.
Deduzo, então, que o problema, nesta região, é que o palhaço rico continua a gozar com o palhaço pobre! É pena.

  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 118
Ano 11, Dezembro 2002

Autoria:

André Escórcio
Mestre em Gestão do Desporto. Professor do Ensino Secundário, Funchal
André Escórcio
Mestre em Gestão do Desporto. Professor do Ensino Secundário, Funchal

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