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O trabalho académico dos professores do ensino superior re-significado?
No âmbito do sistema e das instituições de ensino superior, os novos mitos "managerialistas" da eficiência, da qualidade e da excelência vão subtilmente desalojando do discurso educativo os "velhos" ideais de democratização, de igualdade de oportunidades e de solidariedade social.

Trata-se de uma verdadeira re-significação do ensino superior, e talvez seja pertinente perguntarmo-nos se não estamos a assistir a uma alteração substantiva das suas finalidades educativas, sociais, políticas e culturais. Quase parafraseando uma expressão bem conhecida de um presidente americano dos início dos anos sessenta, o que, cada vez com mais frequência, perpassa nos discursos de alguns responsáveis pelas políticas do ensino superior (entre os quais alguns académicos) já não é tanto a questão de saber o que é que o sistema e as IES podem fazer pelos alunos e pelo conhecimento científico, mas, ao invés, o que é que os alunos e o conhecimento científico podem fazer pelo sistema e as IES.
Neste quadro, é possível que nos próximos anos, sob pressão das políticas governamentais e, em parte, de algumas políticas institucionais, possam acontecer algumas alterações importantes nas características do trabalho académico dos professores do ensino superior. Estamos então na antecâmara de transformações importantes nos papéis profissionais ("tradicionais") destes profissionais? A retórica e algumas práticas "managerialistas" têm procurado, sem dúvida, forçar a passagem para esta antecâmara, o que pode ser observado (em alguns casos) num certo aumento da pressão, externa e interna, para limitar o poder profissional dos professores, no que respeita ao exercício da sua autonomia pedagógica e científica e à sua participação nos processos colegiais de tomada de decisão. A incorporação de elementos da gestão empresarial no governo e gestão das IES é, em larga medida, responsável por esta situação, que se pode traduzir, entre outros aspectos, pela possibilidade de se poder vir a assistir à transformação das tarefas académicas "tradicionais" em tarefas cada vez mais orientadas para a ideia de "mercado" (Santiago, 2001; Deem, 2001). A avaliação individual das actividades de ensino e de investigação, que, numa mera perspectiva da obtenção de resultados imediatos coloca os professores sob pressão para aumentar a sua "produtividade", constitui um bom exemplo dessa incorporação. O jogo de recompensas e de punições, reais ou simbólicas, que pode resultar deste processo, cria as condições para que os professores que não produzam, de acordo com os padrões formais existentes, sejam categorizados ou estigmatizados como incapazes de mudar. Além disso, a lógica presente neste jogo, aliás bem característica da natureza "totalitária" das propostas neo-liberais sobre a "gestão de pessoas", é a de sobrevalorizar o individualismo, através da procura da conformidade das práticas individuais dos professores em relação a determinadas regras e padrões formais do sistema e das instituições. Há nesta lógica dois grandes riscos: o impedimento da tomada de consciência do contributo de cada professor para a importância do colectivo nos processos e nos resultados educativos, e a instalação de mecanismos exacerbados de competição que facilitam a emergência de grupos de académicos mais empreendedores, em detrimento dos grupos menos empreendedores, tornando as IES cada vez mais dependentes dos seus investigadores de sucesso (Askling, 2001), definidos como aqueles que conseguem captar mais recursos financeiros no exterior. Será então possível que num contexto político e institucional sob forte influência "managerialista" a metáfora do "professor/académico" possa dar lugar à metáfora do "professor/empreendedor" e que, deste modo, a natureza do trabalho académico seja re-significada e os papéis profissionais objecto de uma transformação profunda?
A resposta a esta de questão é, por agora, bastante complexa e difícil de projectar no futuro. Contudo, em alguns países, a introdução da "lógica de mercado" no ensino superior tem produzido efeitos negativos no trabalho académico: as modalidades individuais de avaliação da qualidade e os efeitos do mito da "excelência" tornaram cada vez mais precários os vínculos de alguns grupos de professores às IES, os despedimentos são mais expeditos, as carreiras passaram a ser "geridas" a curto prazo, os contratos a tempo parcial aumentaram (nos EU representam 43% e na Austrália 40% dos professores) e o recurso a estudantes de doutoramento, sem qualquer experiência pedagógica, é cada vez mais frequente para as tarefas de ensino.

Bibliografia
  • Deem, R. (2001). Globalisation, new managerialism, academic capitalism and entrepreneurialism in universities. Comparative Education, 1, p.p. 7-20
  • Askling, B. (2001). Higher education and academic staff in a period of policy and system change. Higher Education, vol. 41, n 1-2, p.p.157-181
  • Santiago, R.A. (2001). Condicionantes da intervenção pedagógica dos professores do ensino superior: efeitos do "managerialismo" e relação entre as tarefas académicas. Actas do IVº Congresso de Didácticas e Metodologias de Ensino (em fase de publicação).

  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 112
Ano 11, Maio 2002

Autoria:

Rui A. Santiago
Univ. de Aveiro
Rui A. Santiago
Univ. de Aveiro

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