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Lisístrata e outras mulheres de Atenas

"(...)Se um homem se colocar, sem truques de encenação, no papel de uma mulher e se uma mulher se colocar no papel de um homem, será mais fácil distinguir as diferenças naturais e inultrapassáveis, mas será também inevitável descobrir-se que ambos são pessoas e, neste conceito, iguais.
(...) Nada é só preto ou branco. Há sempre algo de novo no velho e algo de velho no novo, algo de masculino no feminino e algo de feminino no masculino... E há em tudo isto muita incerteza... A única certeza, em todos os domínios, é que é tudo, felizmente, incerto, e nada é definitivo ou acabado.(...)"

in Página nº 11, de Novembro de 1992

Para acabar com a Guerra do Peloponeso, Lisístrata reúne, em Atenas, um plenário de mulheres que decidem fazer greve de sexo e ocupar a Acrópole, onde estava depositado o tesouro ateniense que sustentava o conflito.
Um grupo de velhos tenta expulsar da Acrópole as mulheres em luta, enquanto que um comandante militar ensaia, em vão, a prisão de Lisístrata, protegida pelas restantes mulheres.
Do diálogo entre o comandante e Lisístrata ressaltam as razões femininas em nome das quais se diz que as mulheres são melhores que os homens para resolver conflitos contra o argumento camasculino que afirma que o lugar das mulheres é dentro de casa.
Lisístrata confessa, as mais velhas, os difíceis esforços que tem de fazer para impedir que as mulheres entrincheiradas na acrópole escapem e confraternizem com o "inimigo".
Num jogo permanente de sedução, de avanços e de recuos, a trama desfaz-se na vitória das mulheres, materializada num acordo de paz entre Atenas e Esparta.
Lisístrata, mulher de Atenas, tinha também mobilizado para a greve de sexo as mulheres de Esparta... Tudo isto num texto criado por um homem, Aristófanes, 400 anos antes de Cristo.

LISÍSTRATA
Se alguém as tivesse chamado para uma festa de Baco,ou de Pã, ou de Afrodite, no cabo Colias, não seria possível passar por causa dos tamborins. Agora, porém, nenhuma mulher está aqui presente, excepto minha vizinha, que está vindo. Olá, Calonice!
CALONICE
Olá, Lisístrata. Por que está perturbada? Não fique com esse ar aborrecido, minha filha! Não lhe fica bem franzir as sobrancelhas.
LISÍSTRATA
Arde-me o coração, Calonice, e muito me aborreço por causa de nós, mulheres, pois para os homens nós somos capazes de tudo,
CALONICE
É que nós somos mesmo, por Zeus!
LISÍSTRATA
... mas quando digo a elas para estarem todas aqui afim de discutirmos um assunto não insignificante, ficam dormindo e não vêm.
CALONICE
Mas elas virão, minha querida! Não é facil, para a mulher, ir saindo... Uma teve de dar atenção ao marido; a outra precisou despertar um servo; a outra fez dormir o filhinho; a outra, deu-lhe banho; a outra, deu-lhe de comer.
LISÍSTRATA
Mas há coisas mais importantes para elas fazerem!
CALONICE
E qual é, amiga Lisístrata, o motivo de estar a convocar as mulheres? Qual é o problema? Qual o tamanho dele?
LISÍSTRATA
É grande.
CALONICE
Será que ele é grosso também?
LISÍSTRATA
Sim, por Zeus, também é grosso.
CALONICE
Se é assim, como é que não estamos todas aqui?
LISÍSTRATA
Não, não é esse o assunto, senão estaríamos reunidas num instante!

Outras "Mulheres de Atenas"
(escritos de Chico Buarque e Augusto Boal)

Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas
Vivem pros seus maridos, orgulho e raça de Atenas
Quando amadas, se perfumam
Se banham com leite, se arrumam
Suas melenas
Quando fustigadas não choram
Se ajoelham, pedem, imploram
Mais duras penas
Cadenas

Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas
Sofrem pros seus maridos, poder e força de Atenas
Quandos eles embarcam, soldados
Elas tecem longos bordados
Mil quarentenas
E quando eles voltam sedentos
Querem arrancar violentos
Carícias plenas
Obcenas

Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas
Despem-se pros maridos, bravos guerreiros de Atenas
Quando eles se entopem de vinho
Costumam buscar o carinho
De outras falenas
Mas no fim da noite, aos pedaços
Quase sempre voltam pros braços
De suas pequenas
Helenas

Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas
Geram pros seus maridos os novos filhos de Atenas
Elas não têm gosto ou vontade
Nem defeito nem qualidade
Têm medo apenas
Não têm sonhos, só têm presságios
O seu homem, mares, naufrágios
Lindas sirenas
Morenas

Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas
Temem por seus maridos, heróis e amantes de Atenas
As jovens viúvas marcadas
E as gestantes abandonadas
Não fazem cenas
Vestem-se de negro, se encolhem
Se conformam e se recolhem
Às suas novenas
Serenas

Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas
Secam por seus maridos, orgulho e raça de Atenas

Epílogo: Neste espaço, a escrita vai ser livre e feminina. Já no próximo mês.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 109
Ano 10, Fevereiro 2002

Autoria:

João Rita
Jornalista, Porto
João Rita
Jornalista, Porto

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