Ao longo deste verão, causando espanto a quem passava e muito
provavelmente se questionava o que teria acontecido ao carácter (efectivamente)
laico do estado francês, floriram 'placards' de publicidade nos muros de algumas
escolas públicas de Paris. Os suportes publicitários em causa - aqueles painéis
rotativos com espaço para três mensagens, que vão alternando entre si - foram
colocados em quatro escolas dos quarteirões centrais da capital francesa.
Mesmo constituindo uma "decoração" que possa escandalizar alguns, ela é perfeitamente
legal. Assim é desde 1979, ano em que foi publicada uma lei que autoriza os
colectivos públicos a explorar o seu próprio património, permitindo, nomeadamente,
a colocação de publicidade no seu mobiliário urbano e nos imóveis que lhe pertencem.
Para esse efeito, foi assinado um acordo com uma sociedade privada que gere
a colocação desses painéis, que seleccionou mais escolas como locais potenciais,
abandonados porque a comunidade escolar local recusou a proposta.
É que as regras são estritas: é necessário obter o acordo prévio do director
da escola e da comunidade educativa, garantir que não sejam visíveis nem da
entrada da escola, nem do pátio de recreio, e assegurar que as mensagens não
atentem à moral, ordem e decência públicas. Os critérios foram todos cumpridos,
e a partir de agora 55% dos rendimentos desta campanha irão reverter directamente
para a autarquia parisiense, permitindo-lhe, desta forma no mínimo "original",
arrecadar verbas suplementares como forma de valorizar o património público.
Oxalá que a moda não pegue em Portugal. Com a recente lei de transferência
de competências para as autarquias, nomeadamente a nível educativo, é praticamente
garantido que se tal viesse a acontecer no nosso país a autonomia das escolas
seria ignorada e que as câmaras municipais chamariam a si a regulamentação da
colocação dos eventuais 'placards', cujos actuais exemplos de desordenamento
nas cidades não abonam nada em favor delas.
Tal como já estamos habituados, as regras não seriam com toda a certeza cumpridas
com tanto rigor como acontece no caso francês e passaríamos a ter escolas patrocinadas
pela marca de bebidas "x" ou pelo hipermercado "y". E, já agora, nos demais
edifícios públicos, como forma de assegurar hipotéticos fundos de poupança-reforma,
já que, como se sabe, a segurança social não garante que daqui a quinze ou vinte
anos haja dinheiro para pagar as aposentações dos trabalhadores portugueses.
Seria, enfim, o florir de uma primavera de destroços.
Ricardo Jorge Costa (com AFP)
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