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ser mulher

A leitura daquele espaçosinho que a “Página” reservou à MULHER, despertou em mim um irreprimível desejo de escrever, como na adolescência, quando sentia aquele impulso de transpôr para o papel as emoções atormentadas do meu ser em formação. Talvez porque o que fez sentar-me em frente do computador (já há muito desisti daquele acto sensorial de fazer rolar a caneta no papel!) tenha sido aquele desafio de escrever sobre a(s) mulher(es).

E eu, que ao longo da minha longa vida (aproximo-me vertiginosamente do meio século), tanto discurso tenho escrito e dito sobre a mulher, senti esta vontade de dizer o que porventura nunca tinha dito, pelo menos em letra de forma, ao sabor do sentimento, ao sabor das palavras, em jeito de desabafo. Só... Nada mais! Coisas de quem de repente se quer dar ao luxo de não ter que pensar. E para quê pensar, quando o sentimento flui em palavras?

Por isso não vou falar de discriminações (ou talvez sim), não me apetece falar de violências (quem sabe!), não quero falar de exclusões (porventura), não vou falar das lutas pelo direito à cidadania de mais de metade da humanidade (ou então direi disto tudo um pouco, com outra forma, talvez).

Procurarei reter no meu arquivo de memória, para outro uso, num outro espaço e tempo, a minha qualidade de militante feminista, para dizer, simplesmente, (como sinto) esta forma de ser mulher.

Ser mulher é sentimento(s), muito(s) e contraditório(s).

É amar, serenamente, sem esperar nada em troca. Mas também a raiva, contida e incontida, do confronto com a solidão.

É “curtir” o momento supremo do encontro consigo própria (e ninguém ter nada com isso!) e o medo de estar só.

É a coragem de lutar por um sonho e a desilusão da descoberta da realidade.

É fazer de conta que tudo está bem e a consciência da violência da relação com a vida.

É assumir o direito ao choro, e a raiva de ter lágrima fácil.

É afirmar para si própria: “este é o primeiro dia do resto da minha vida” e viver, constantemente, as referências do passado.

É ultrapassar-se a si própria para resolver os problemas de todos e sentir-se vítima por ser tão esquecida.

É viver a raiva da rejeição e ser incapaz de rejeitar.

É serenidade e ansiedade.

É ternura e amargura.

“É não querer mais que bem querer” e ninguém reparar.

Será este um retrato amargo de mulher? Ou antes a expressão, sem tabús, da nossa plena humanidade, feita de pequenos e grandes actos, feita de muita entrega e amor?

Será talvez a coragem de assumir a nossa diferença, também naquilo que ela tem de sublime força criadora. Cada vez me convenço mais de que a luta pelos nossos direitos é, também, esta afirmação de pertença e de identidade feminina.

Manuela Silva


  
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Autoria:

Manuela Silva
Professora na Escola E.B. 2,3 Fernando Pessoa, Santa Maria da Feira
Manuela Silva
Professora na Escola E.B. 2,3 Fernando Pessoa, Santa Maria da Feira

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