Página  >  Edições  >  -  >  UNESCO Põe em Marcha 'Escolas Inclusivas'

UNESCO Põe em Marcha 'Escolas Inclusivas'

Chama-se Escolas Inclusivas, é um projecto da UNESCO.html">UNESCO.html">UNESCO e já começou a ser posto em prática na Escola Básica Integrada de S. João de Deus, no Porto. O objectivo é dar formação a professores, de modo a ajudá-los a gerir a heterogeneidade intrínseca de cada escola, tendo em conta que todas as crianças são especiais. O jornal 'A Página da Educação' falou com a responsável pelo projecto no Norte.

'As dificuldades de aprendizagem ocorrem como consequência das decisões tomadas pelos professores, das actividades que propõem, dos recursos que utilizam e das maneiras como organizam a sala de aula. Consequentemente, se as dificuldades de aprendizagem podem ser criadas pelos professores podem também, pela mesma razão, ser evitadas por eles'. Esta frase, da autoria de Mel Ainscow, pode ser lida na página 40 do Guia para a Formação de Professores de Escolas Inclusivas e retrata bem a forma de intervenção deste projecto.

Tendo em conta que a escola é habitada por um grande diversidade humana, estrutural e cultural, torna-se essencial, explica Rosa Nunes, professora na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação do Porto, e co-responsável pelo projecto no Norte 'potenciar essa diversidade como fonte geradora de uma força emancipatória e emergência participativa'. E quem melhor do que os professores para o fazerem? O certo é que estes nem sempre se sentem capazes de gerir essa diversidade humana, social, económica e cultural.

Este projecto surge precisamente com a intenção de 'equipar os professores das competências de resposta educativa especial a que todas as crianças têm direito', evitando segregá-las, refere aquela responsável. Nesse sentido, a acção deste projecto da UNESCO.html">UNESCO.html">UNESCO, que é coordenado a nível nacional por Ana Maria Benard da Costa, e Isabel Paes centra-se na formação de professores. Uma tarefa que ficou a cargo das Escolas Superiores de Educação (ESE) e universidades.

Na região Norte esse papel coube à Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação do Porto, na Grande Lisboa à ESE de Setúbal, no Centro às ESEs de Coimbra e Portalegre e no Sul será a Universidade do Algarve a formar os professores. No Porto, Rosa Nunes conta com a supervisão de Luísa Cortesão e Stephen Stoer, com os quais considera um 'privilégio trabalhar', não só pela 'comunhão de convicções de que é uma luta que vale a pena, mas também porque garantem a dimensão investigativa do projecto".

Uma psicóloga e os professores encarregues de dar formação possuem, igualmente, competências reconhecidas na matéria: têm muito experiência de escola e de formação de adultos e, principalmente, comungam das ideias defendidas pela UNESCO.html">UNESCO.html">UNESCO.

Para começar, o projecto, na região Norte, circunscreve-se à Escola Básica Integrada (EBI) de S. João de Deus. Só assim, iniciando apenas com um estabelecimento de ensino, será possível 'fazer uma avaliação externa séria', de modo a obter garantias de que 'a multiplicação do projecto é o caminho a trilhar', justifica Rosa Nunes. Para já, a ideia é alargar a outras escolas.

A formação de professores começou no início de Janeiro, na EBI de S. João de Deus, e tem a duração de um ano, com duas horas semanais. A receptividade dos docentes, cerca de 40, refira-se, foi boa: 'quase todos se inscreveram'.

A 'estratégia' é simples: Começam por trocar experiências, partilham dificuldades sentidas e vão, depois, tentar potenciar a diversidade como fonte de enriquecimento pessoal e profissional. 'Queremos que tomem consciência de que todas as crianças são especiais e que tenham uma ideia alargada de que o problema é curricular e se não tem condições de afectar todos os alunos há que questionar as coisas no plano curricular'.

O projecto tem características isomórficas, ou seja, o objectivo é que, após as acções de formação, os professores transportem para a sala de aula o que lhes foi transmitido, privilegiando o trabalho em equipa (entre as crianças e entre os docentes) e a reflexão. O objectivo fundamental é 'construir estratégias favoráveis ao bem-estar de todos os actores envolvidos, o que traz implícito o sucesso escolar e o aumento da auto-estima', acrescenta Rosa Nunes.

Para isso, é fundamental que o professor crie as 'condições para organizar a resposta a todas as crianças e retome a consciência de que é capaz de o fazer, e não sinta que tem de se ver substituído nas suas funções, já que é ele quem melhor domina as relações dialécticas que se traduzem na realidade em que opera'. De acordo com os responsáveis pelo projecto, 'focalizar a atenção em determinados alunos de modo individualizado leva à divisão da população escolar em tipos de crianças que devem ser ensinadas de modos diferentes ou mesmo por professores diferentes'. O resultado disto, explica Rosa Nunes, referenciando os materiais da UNESCO.html">UNESCO.html">UNESCO, é o 'desvio de atenção da questão central, que consiste em saber como é que o ensino pode abranger a diversidade dos alunos'.

O facto do professor estar preparado para aceitar, compreender e gerir o multiculturalismo presente nas escolas, percebendo que todas as crianças são diferentes, contribuirá para se acabar de vez com uma escola que, 'sendo pertença legal de todos, não é de todos em termos de pertença afectiva e cognitiva', sustenta a coordenadora nortenha do 'Escolas Inclusivas'.

Parafraseando os materiais da autoria de Mel Ainscow, 'para não entrarmos no século XXI como entrámos neste século impõe-se a reconceptualização do enquadramento educativo das necessidades especiais e, nesta área, o progresso depende do reconhecimento geral de que as necessidades sentidas pelos alunos surgem como resultado dos modos de organização da escola e do tipo de ensino que lhes é proporcionado'.

O mesmo autor explícita: "devo dizer que, ao longo da minha carreira, foi considerável o tempo que passei e a energia que dispendi a tentar encontrar modos especiais de ensino destinados a ajudar crianças especiais a ter sucesso na aprendizagem. Hoje, a minha conclusão é que nenhuma dessas estratégias especializadas merece ser tida em consideração. Enquanto certas técnicas podem ajudar determinadas crianças a ter sucesso no processo de escolarização elas não são, em si, meios facilitadores do sucesso educativo. Para além disso, estandardizar as nossas respostas deste modo tende a afastar a atenção de questões muito mais importantes relativas ao modo como a escolarização pode ser melhorada, de modo a ajudar todas as crianças a ter sucesso na aprendizagem".

A ESCOLHA DE UMA ESCOLA MULTICULTURAL

Porquê a Escola Básica Integrada do bairro S. João de Deus para o arranque do projecto da UNESCO.html">UNESCO.html">UNESCO Escolas Inclusivas? A resposta reside no facto de se tratar de um estabelecimento de ensino com dificuldades de vária ordem. Antes de mais, é uma escola multicultural, frequentada por crianças (cerca de 300) de etnia cigana, cabo-verdeanas, guineenses, católicas, protestantes, muçulmanas...

Além disso, acrescentou a professora Rosa Nunes, está inserida num bairro camarário degradado, conhecido pelo tráfico e consumo de droga e frequentes conflitos étnicos. E porque 'não escolhemos o caminho fácil', acrescenta, 'é extremamente desafiador desenvolver o projecto nesta escola'. Precisamente numa escola onde os problemas desafiam o discurso de uma escola inclusiva.

Na tentativa de esclarecer um pouco melhor a filosofia subjacente ao projecto 'Escolas Inclusivas' da UNESCO.html">UNESCO.html">UNESCO publicamos pequenos excertos de um texto de Rosa Nunes, publicado na Revista O Professor:

(...) 'Falar à parte de alguns alunos? Sim, porque se digo que tenho alunos integrados, que outra coisa estou a fazer? Se eles são parte desta beleza de nos encontrarmos e podermos partilhar os sonhos! Falar deles à parte, se os 19 precisam da minha disponibilidade para os ouvir e também da minha palavra, da minha voz, do meu olhar e do meu corpo, num todo coerente de porto seguro?

(...) Estar de parte, estar só, é bom, quando apetece. (...) Estar só (estar de parte) durante algum tempo, ficou um direito de todos eles. De quem precise.' (...)

'1. Retirar-se o aluno da sala de aula, mesmo temporariamente, é negar-lhe o usufruto dessa riqueza e substituí-la por uma situação forçosamente mais pobre, à partida, pelo que tem de artificial, de descontextualizada, ainda que haja uma programação feita em comum pelo professor de apoio e professor regular.

2. Retirar-se o aluno da sala de aula é sujeitá-lo à constatação pública das suas dificuldades, com campo aberto aos sentimentos negativos que o fragilizam afectiva e cognitivamente, e isto no plano do aluno em relação a si próprio e da parte dos outros em relação ao aluno, com quem a escola exibe o aval da competência: não aprende como os outros, de tal jeito que nem pode aprender ao pé dos outros'.

(...) 'Natural seria que a sua inserção na escola provocasse mudanças qualitativas, pois esforçando-se esta por organizar uma resposta, em princípio mais exigente, legítimo seria esperar que um leque de alunos e dificuldade (senão todos) ficasse beneficiado por esse esforço'. (...)

Luísa Melo


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Autoria:

Luísa Melo
Jornalista
Luísa Melo
Jornalista

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo