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Harry Potter contra os profetas da desgraça

Descansem aqueles que julgavam que as criancinhas dos dias de hoje nunca iriam pegar num livro. Descansem aqueles que achavam que a televisão e os jogos de computadores destruiriam o prazer da leitura. Há um fenómeno, um herói dos livros, que contraria tudo isto: chama-se Harry Potter. Mesmo que não se tenha lido um único exemplar da série - o que é o meu caso, confesso - é difícil ignorar o que se está a passar. Harry Potter é um menino órfão imaginado por uma senhora inglesa. As suas aventuras numa escola de feitiçaria estão a fazer delirar milhares e milhares de miúdos (e graúdos) por todo o lado. No Reino Unido, o quarto livro da sério vendeu 372 mil cópias num só dia. Em Portugal, a procura também foi esmagadora.

Caso para pensar duas vezes quando se critica a televisão e os computadores. Afinal, as crianças e os jovens gostam de ler. Agarram-se a livros e devoram-nos. O segredo parece estar em encontrar a fórmula de os atrair. Pelos vistos, os miúdos de hoje também gostam de histórias que não precisam de ter lutas diabólicas, nem cenários ultra-modernos. Eles gostam de simples histórias de magia, onde as lutas do bem contra o mal também se travam, mas sem recursos a elaboradíssimos golpes de violência.

Harry Potter surgiu no final da década de 90 mas podia ter surgido 10 ou 20 anos antes. As suas aventuras não têm nada a ver com modernas tecnologias e, mesmo assim, são compradas a um ritmo alucinante, que os livreiros dizem não ter comparação. O que dizem agora os profetas da desgraça do prazer do livro? Continuam a dizer que as crianças e os jovens de hoje não têm capacidade de imaginação? Como conseguem eles, então, construir na sua cabeça um mundo de magia e feitiçaria, povoado por gente de robes e barbas? Afinal, parece que os miúdos conseguem ser mais do que simples telespectadores passivos de televisão ou batedores de recordes nos jogos de computadores.

A base do sucesso desta história pode muito bem estar na forma como surgiu. Uma candidata a escritora, com dois livros na gaveta, passou uma viagem entre Londres e Manchester a imaginar a vida de um miúdo órfão, que era desprezado pelos tios e primo com quem vivia. Ao fazer onze anos, Harry Potter, o miúdo, foi chamado para uma escola de feitiçaria. Descobre o dom da magia e inicia uma formação nessa área. Ao contrário dos heróis dos outros tempos (por exemplo, os Cinco, os Sete, as Gémeas e outros dos género), Harry Potter e os seus amigos crescem. De livro para livro, fazem anos e avançam na escola. Esta ligação ao mundo real pode também ser um dos factores do sucesso da história.

A génese de Harry Potter não tem nada de elaborado. A autora, JK Rowling, até confessa que as histórias não têm uma moral programada. Não houve nunca uma intenção de passar uma qualquer mensagem. A autora escrevia as histórias que passavam no imaginário do seu mundo privado e secreto. E nunca sonhou em partilhar esse imaginário com tanta gente pelo mundo fora. A autora criou este mundo ao longo de cinco anos, sem que ele tivesse saltado para o mundo das outras pessoas. E quando saltou, sem ninguém perceber muito bem porquê, transformou-se num fenómeno de vendas. As aventuras do Harry Potter não estão no top dos livros mais requisitados nas bibliotecas mas estão no top dos livros mais vendidos. O que confirma que todos os fãs querem ter os seus próprios livros.

A questão que apetece colocar é esta: poderia o Harry Potter, nos dias de hoje, escapar aos fenómenos dos tempos modernos? A resposta é um claro não. Os gigantes do cinema perceberam isso e aí vem um filme do Harry Potter. Os homens da informática viram outra mina de ouro e aí vem o jogo para computador do Harry Potter. Afinal, o miúdo feiticeiro sempre acabou na modernidade. Mas valha-nos - a nós e a quem temia pelo fim da leitura - a novidade que vem da Lego. Esta companhia já anunciou um jogo, à sua maneira educativa, baseada no pequeno herói. Mais uma vez, Harry Potter consegue fazer valer os antigos valores da imaginação e da criatividade.

Confesso que até eu imagino as aventuras do miúdo. Mas, para isso, servi-me das novas tecnologias: na Internet há uma fabulosa página para os "muggles" (comuns mortais que não têm magia) como eu, que querem perceber o fenómeno de uma forma rápida. - um guia para entrar no mundo de Harry Potter, tipo pronto a servir. E de repente, graças às vias rápidas da informação, entrei no mundo dos livros...

Hália Costa Santos
Universidade de Leicester /UK


  
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Edição:

e
Ano 9, Dezembro 2000

Autoria:

Hália Costa Santos
Jornalista
Hália Costa Santos
Jornalista

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