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Dar corpo à utopia do sonho

Gostaria, antes demais, de reforçar o agradecimento ao jornal a Página, pela abertura deste espaço, permitindo a todos os educadores, em especial aos educadores sociais, partilhar as suas experiências e usufruir de um novo espaço de reflexão. Gostaria também, de agradecer à Dra. Isabel Baptista, a forma "heróica" com a qual se tem debatido, na defesa, divulgação e reconhecimento da Educação Social. Gratos, deveremos estar todos, educadores sociais, pelo seu empenho e precioso contributo na construção de uma cultura profissional , cuja ausência, facilita nitidamente o aumento dos obstáculos, no que se refere, a uma efectiva integração enquanto profissionais. Profissionais atentos e conscientes da necessidade de uma afirmação positiva, consistente e autónoma.

Sendo educadora social, torna-se para mim um duplo privilégio a oportunidade de encetar um conjunto de reflexões, preocupações e desafios, em torno de uma problemática por muitos questionada e ainda por poucos trabalhada (no âmbito da Educação Social), a exclusão social. Espero, de alguma forma, contribuir para um verdadeiro debate de ideias e para um maior esclarecimento, relativamente às questões que envolvem a Educação Social.

Não se pode abordar hoje a modernidade, sem dedicar particular atenção aos problemas da pobreza e da exclusão social. A evolução económica gera a riqueza mas gera também os que dela são excluídos. Ricos e pobres sempre existiram, mas os últimos continuam a predominar, sendo impensável falar de modernidade, de globalização, sem dedicar de facto, uma atenção especial aos ditos fenómenos, que atingem cerca de um terço da nossa população.

No contexto actual, o entendimento da problemática da exclusão social terá de fazer-se, necessariamente, no quadro de uma restruturação socio-económica que a nossa sociedade está a atravessar e das medidas que têm sido adoptadas para a enfrentar, as quais têm implicações na definição do perfil da pobreza. No entanto, o resultado é o das pessoas desfavorecidas perderem o estatuto de cidadania plena, vendo-se impedidas de participar nos padrões de vida tidos por aceitáveis e sentindo-se excluídas socialmente.

Através da instituição na qual trabalho, encontro-me de alguma forma "vinculada", a um contexto urbano onde de facto predominam todo um conjunto de factores, que colaboram para a resistência destes fenómenos, o Centro Histórico do Porto, não obstante os esforços no sentido de contrariar essa tendência, permanece no entanto, caracterizado como "gueto" e aliado a um forte estigma social.

É particularmente neste contexto, que tenho vindo a desenvolver o meu trabalho de intervenção, colocando na base do seu desenvolvimento, a relação estabelecida com os sujeitos alvo da acção. Quero com isto dizer, que o nosso trabalho assenta de facto na relação horizontal criada e estimulada com o outro. Como já foi mencionado, e muito bem, educar para o desenvolvimento humano implica ter em conta as pessoas, os seus rostos, as suas necessidades, os seus desejos e as suas escolhas. Neste sentido, os educadores sociais, apostam fortemente na estratégia da comunicação, tornando o acto educativo como uma das principais finalidades da sua acção. A educação reveste-se assim, de um carácter não formal, possibilitando uma intervenção intencional e sistemática junto dos grupos e/ou grupo/pessoa, contribuindo de facto para a realização de projectos de vida.

Não significa, obviamente, a solução de todos os problemas, nem o fim dos processos de dessocialização, pois não existem receitas, nem poções mágicas, que tornem possível a magia da transformação. Mas com refere Paulo Freire, "é necessário acreditar na utopia do sonho", não só com a vontade, mas quem sabe, com uma forma diferente de olhar. Tal como os ingredientes numa receita, que se ajustam e adaptam aos vários paladares, também a nossa intervenção, procura conhecendo, buscar alternativas mais ajustadas, coerentes e inovadoras. Desta forma, não poderemos conceber qualquer facto educativo senão a partir de uma abordagem pluridisciplinar que se centre numa visão prospectiva da realidade em que se enquadra. A educação é indubitavelmente um dos maiores trunfos, se não o maior, que uma sociedade tem ao seu dispor na construção desafiante de um caminho de desenvolvimento humano.

Trata-se, de conseguir estabelecer para além da teoria, formas de organização que promovam efectivamente um verdadeiro processo formativo, enquanto educadora social entendo que os projectos de intervenção que possuem na sua estrutura uma componente essencialmente pedagógica, só poderão ser cabalmente compreendidos através da sua dimensão ética e do conjunto de valores que o modelam. Como refere Brébant, "no centro da reprodução da pobreza reside a dificuldade de conceber e pôr em prática projectos de futuro", por isso mesmo, o educador social terá de ser capaz em se aventurar na prática com o "olhar" da Educação Social. Porque acredita que o desempenho profissional deverá ser criativo, humanista, mediante a produção e reformulação constante das práticas com as quais busca simultaneamente: intervir conhecendo, e conhecer para intervir. A Educação Social, destaca-se desta forma, como sector de actuação particularmente vocacionado para a intervenção social, actuando especificamente junto da população local e nos problemas sociais que a afectam.

Contudo, apesar dos esforços, investimentos, avaliações positivas das experiências de trabalho, dos resultados alcançados, o trabalho social continua votado à ausência de valorização e ao esquecimento das suas reais necessidades, quando não é mesmo, mal compreendido. Talvez por isso, queira fazer dois apelos, primeiro a todos os educadores para que realmente tentem perceber o conceito de Educação Social, possibilitando assim, uma melhor compreensão dos educadores sociais, como profissionais com os quais partilham, inevitavelmente, um mesmo saber pedagógico. Não vendo, nem sentindo uma espécie de "ameaça", a qual pressupõe confronto, mas como a interdisciplinariedade na mediação de um projecto comum - a educação.

Em segundo lugar, mas não menos importante, a todos os educadores sociais, para que ao enfrentarem os novos desafios, que agora lhes são colocados , sejam capazes de participar e intervir, efectiva e conscientemente na tomada de decisões. Para que contribuam empenhada e activamente, no sentido, de consolidar uma profissão em vias de desenvolvimento e emergente no contexto actual. É preciso aproveitar todas as oportunidades concedidas, assumindo riscos, acreditando nas capacidades de operar mudança e nunca esquecendo o papel que se desempenha. Por isso, cabe-nos a todos, educadores sociais, questionar individual e colectivamente, que futuro delinear, em função de um presente carente de identidade, afirmação e colegialidade. Correr um risco é, em grande parte dos casos, ter um grau de probabilidade elevado que aconteçam percursos negativos num futuro mais ou menos próximo. Mas será possível saber, sem arriscar?

Cristina Cavalheiro
educadora social / Fundação para o Desenvolvimento da Zona Histórica do Porto


  
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Edição:

N.º 94
Ano 9, Setembro 2000

Autoria:

Cristina Cavalheiro
Educadora social. Fundação para o Desenvolvimento da Zona Histórica do Porto
Cristina Cavalheiro
Educadora social. Fundação para o Desenvolvimento da Zona Histórica do Porto

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