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Um olhar sobre o ensino artístico profissional

Quando nos foi solicitado uma abordagem ao ensino profissional artístico, colocou-se-nos uma questão de difícil resolução: que aspectos específicos considerar que não tenham sido tratados noutras abordagens? Porque os aspectos se interligam, optámos por uma abordagem múltipla: equacionando problemas gerais e aspectos específicos.

O sucesso do ensino profissional artístico está em total sintonia com a afirmação conseguida pelo ensino profissional de um modo mais vasto. Os seus problemas são semelhantes àqueles que enformam todo o sub-sistema do ensino profissional. As suas práticas, as suas metodologias, os seus projectos educativos, contudo, diferem. Mas não diferem também no seio do próprio ensino artístico? Deveremos nós falar em ensino artístico ou em ensinos artísticos?

Parece-nos que não há ensino profissional artístico, mas sim ensinos artísticos de orientação profissional, tantos quantos as áreas em que se situam e os projectos educativos das escolas que representam. Existem escolas especializadas em determinadas áreas do ensino artístico ? artes do espectáculo, música e artes visuais ? e escolas que promovem uma formação diversificada onde se incluem cursos de inspiração artística. As primeiras, com excepção das escolas de música, encontram-se situadas nos grandes centros urbanos enquanto as segundas se encontram predominantemente situadas nas regiões periféricas.

Em qualquer dos casos, os resultados obtidos ao longo de onze anos de ensino profissional revela-se muito satisfatório. Analisando a evolução cultural na cidade do Porto, que conhecemos melhor, podemos constatar a existência de um grande crescimento do número de grupos teatrais e da produção de espectáculos locais. Tal deve-se, em grande parte ao trabalho desenvolvido pela Academia Contemporânea do Espectáculo e pelo Ballet Teatro, que têm vindo a formar, actores, bailarinos, sonoplastas, luminotécnicos, cenógrafos, que têm contribuído decisivamente para esse crescimento e também para a animação cultural de colectividades que se encontravam praticamente paralisadas ou para a participação em produções televisivas, num momento em que urge melhorar a qualidade da produção destas, em virtude do aumento dos programas de língua portuguesa. Também em Lisboa, por acção do Chapitô, temos assistido a um grande impulso das actividades do espectáculo e a um grande esforço para não deixar morrer o maior espectáculo do mundo ? o circo.

Na música, as Escolas Profissionais, muitas delas criadas pelos próprios Conservatórios, possibilitaram ultrapassar as dificuldades que estes detinham, atribuindo não apenas competências musicais, mas também uma qualificação académica que possibilitou o aumento do número de formandos, de modo a estarmos em condições de fornecer jovens músicos para as nossas orquestras ? sem ter necessidade de os ir contratar ao estrangeiro ? e bandas e ainda possibilitar o surgimento de diversos quartetos, quintetos, sextetos, de cordas, de sopro, etc.

Nas artes visuais, a situação é diferente, porque existem escolas especializadas, como aquela de que fazemos parte, a Escola Artística e Profissional Árvore, e escolas que promovem, entre outros, cursos orientados para o Design e o Desenho Técnico, seja no domínio das artes gráficas, dos têxteis, do mobiliário, da construção civil ou dos equipamentos industriais. Entre estas há escolas de sector que conseguem dar uma resposta formativa satisfatória. Há escolas mais especializadas, como a Árvore, que, encontrando-se bem apetrechadas em termos de equipamentos e pessoal técnico, apresentam resultados excelentes, particularmente nas competências técnicas manifestadas pelos seus diplomados no domínio das novas tecnologias, permitindo-lhes dar resposta a uma das mais importantes necessidades já do presente e, mais ainda no futuro, do mercado de trabalho. Os novos projectos de requalificação urbana da cidade e de da acção do Projecto Porto 2001 ? Capital Europeia de Cultura, não pode dispensar o contributo que estes jovens técnicos dão na execução dos diferentes projectos, transportando para o seu seio uma actualização dos conhecimentos tecnológicos de todos os agentes, em particular no desenho e apresentação de projectos, nas artes gráficas ou no design de equipamentos. Há, no entanto, nos meios pequenos do interior, escolas que promovem ciclicamente estes cursos ? a par de outros ? para um mercado local pequeno e que, por ausência de recursos humanos altamente especializados e dificuldades de rentabilização dos equipamentos, não podem apresentar os mesmos índices de actualização tecnológica. Estas escolas, por força das circunstâncias, terão uma cada vez maior dificuldade em acompanhar o ritmo de evolução tecnológica.

As grandes dificuldades sentidas pelas escolas artísticas são as mesmas que todas as escolas profissionais sentem: instalações, equipamentos e sistema de financiamento, agravadas com o facto de estas escolas exigirem um maior investimento.

Escrevemos estas linhas quando regressávamos de uma sessão de esclarecimento do PRODEP III, onde nos foi dado conhecimento que as verbas disponíveis para o ensino profissional no presente quadro comunitário mantinham a média anual do PRODEP II, não admitindo qualquer crescimento do sector. No momento em que cresce a procura do ensino profissional e em que o reconhecimento da qualidade das aprendizagens efectuadas nas escolas profissionais serve de modelo para a reforma dos cursos tecnológicos do ensino secundário prevê-se um decréscimo do ensino profissional que, a manter-se uma inflação anual de 3% atingirá, no último ano do quadro comunitário de apoio, 23%. Se considerarmos que o princípio de reposição de turmas deixa de estar garantido a partir da próxima candidatura à abertura de novas turmas e que há novas escolas profissionais com autorização de funcionamento aprovada, muitas escolas irão ver decrescer o seu número de turmas e de alunos, com o consequente abaixamento do financiamento, sem que isso possa corresponder a um decréscimo equivalente dos seus custos, visto haver custos fixos, por força dos contratos estabelecidos que não poder ser reduzidos. Perspectiva-se, assim um aumento da instabilidade das Escolas Profissionais.

Tal só poderá ser evitado se o Estado reconhecer, na prática, o importante papel desempenhado pelas Escolas Profissionais e assumir o financiamento destas Escolas em complemento das verbas do Fundo Social Europeu, para possibilitar que estas possam suportar os custos não elegíveis pelo FSE e satisfazer as suas necessidades de investimento, visto que se encontram impedidas de gerar receitas próprias, uma vez que todas as receitas da acção são deduzidas ao financiamento aprovado. Aliás, as Escolas Profissionais têm permitido ao Estado poupar verbas consideráveis na Educação, visto que 75% do seu financiamento tem sido suportado pelo FSE e o Estado não tem tido necessidade de investir em novas instalações e equipamentos nem de assumir novos contratos com professores. Onde estariam os alunos que frequentam o ensino profissional se estas escolas não existissem? Por certo no ensino secundário, com os correspondentes custos para o Estado. E não estaria o país ainda pior preparado para enfrentar os desafios do futuro? Que caminho pretendemos trilhar? Apostar exclusivamente nos cursos tecnológicos? Poderão as Escolas Secundárias responder com a mesma flexibilidade que as Escolas Profissionais aos novos desafios? Irá a oferta formativa dos novos cursos tecnológicos responder às necessidades formativas ou às necessidade de ocupação dos professores do quadro de cada Escola?

O ensino profissional artístico vai atravessar, em nossa opinião, grandes dificuldades.

Conseguirá sobreviver? Do ponto de vista pedagógico e profissional, não temos dúvidas em afirmar que sim, tal a qualidade dos seus projectos educativos e a sua aceitação no mercado de trabalho. Do ponto de vista financeiro, pensamos que não estão asseguradas as condições mínimas necessárias para a continuidade dos referidos projectos e que vão ser vividos momentos de grande agitação e instabilidade nas Escolas Profissionais.

Esperemos que o Estado saiba cumprir as suas responsabilidades e que possa honrar os compromissos públicos assumidos pelos responsáveis políticos perante as Escolas Profissionais...

Horácio Gomes Lourenço,
Director da Escola Artística e Profissional Árvore

 


  
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Edição:

N.º 94
Ano 9, Setembro 2000

Autoria:

Horácio Gomes Lourenço

Horácio Gomes Lourenço

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