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Dia de Índio: Por Quê?

Por que se comemora a presença do índio em território brasileiro, ou se faz um esforço para que o índio seja lembrado e até exaltado a todo dia 19 de abril se o índio incomoda a tantos cidadãos brasileiros? A sociedade em geral o vê como uma personagem folclórica, de histórias antigas e de alguém que não cresceu e não evoluiu como os outros homens dessa nação; os grupos económicos os vêm como improdutivos, como atraso e impecilho para a realização de projetos desenvolvimentistas e de acúmulo de capital; os governantes sentem grande dificuldade em cumprir os direitos adquiridos, com a Constituição de 1988 e os seus desdobramentos, em especial ao que se refere à demarcação de terra e políticas públicas em educação. Se o índio é mais um problema do que reconhecidamente um cidadão, então por que comemorar?
Essa é aparentemente uma contradição. Aparentemente pois se para os imediatistas o índio é um entrave para os projetores do futuro o índio é, no bom sentido, uma necessidade, uma resposta positiva: uma necessidade político-cultural tendo em vista a sua forma de organização social e seus princípios de convivência com o outro; uma necessidade ecológica já que a sua presença garante a preservação da natureza, a vida da biodversidade e uma necessidade científica pois, dificilmente se conseguirá "capitanear"os conhecimentos produzidos pelas tradições indígenas sem que os mesmos requeiram a autoria e identidade neste processo.
Apesar dessa quase profecia com relação a importância dos povos indígenas na projeção de uma nova sociedade é certo que, quer pela história de longa duração, quer pelas expectativas de futuro o índio não tem muito o que comemorar: nem no "seu" dia e muito menos nos 500 anos, a não ser o fato de ter construído, em um longo processo de resistência que teve nuances e dinâmicas diferentes no decorrer da história de contato, a consciência da própria condição e com isso instrumentalizar-se e serem protagonistas que exigem respeito e até um certo temor no contexto da história atual. O mundo inteiro tem os olhos voltados para os índios da América Latina e notadamente do Brasil.
O Mato Grosso do Sul que tem a segunda maior população indígena aldeada do país tem uma historiografia de indiferença, descaso e expropriação dos seus povos indígenas. A história de constituição do homem sulmatogrossense não considera o índio nessa composição; o desenvolvimento económico do Estado "ignorou" a presença indígena em todo seu território e permitiu o seu confinamento para que os projetos de expansão e extração pudessem ser realizados e, com relação às políticas públicas, o Estado sempre governou, até pelo menos os meados da década de 90 como se aqui não existissem índios. Com relação à educação escolar o Estado vem buscando assumir com responsabilidade e profissionalismo a implantação e melhoria da qualidade das escolas indígenas em parceria com as prefeituras bem como desenvolvendo projeto de capacitação dos professores-índios, com destaque ao Curso de Magistério Específico aos Professores-Índios Guarani/Kaiova que deve habilitar 80 professores . Estes projetos têm contado com a participação da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, da Universidade Católica Dom Bosco e da Diocese de Dourados.
Ter um dia para comemorar significa que a sociedade tem consciência da marginalização, da exclusão a que os índios foram e são submetidos. Outrora explicitamente, hoje ideologicamente onde discursos e ações não se encontram e estas significam muito mais um rearranjo, uma outra dimensão de colonização do que possibilidades de autonomia dos povos indígenas. Porém esta mesma história de contato permitiu aos índios usufruir de espaços como estes para revelarem que, como sujeitos históricos, participantes ativos deste processo, eles também aprenderam a se organizar, a se mobilizar e em uma capacidade muito grande de superação usar recursos de sua tradição e aqueles aprendidos dos "brancos" fazerem-se presentes, com dignidade, no seu "dia" Reverteram a história.

Adir Casaro Nascimento
professora universitária
consultora ministerial para questões de educação indígena.


  
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Edição:

N.º 93
Ano 9, Julho 2000

Autoria:

Adir Casaro Nascimento
Professor Universitário, Brasil
Adir Casaro Nascimento
Professor Universitário, Brasil

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