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Será que Existem Crianças Sobredotadas em Portugal?

Actualmente o desconhecimento relativamente à sobredotação, em Portugal, é assustador. As dificuldades em identificar as crianças sobredotadas são várias, nomeadamente, a diversidade de definições de sobredotação existentes, a multiplicidade de características que as crianças sobredotadas podem apresentar e os diversos instrumentos utilizados no processo de identificação possuem erros padrão de medida a eles associados. Em diversos processos de identificação é ao quociente de inteligência (QI) que é conferido o direito de veto; contudo, esta medida apresenta diversas limitações, pelo que diversos autores alertam para a importância de considerar outros elementos na identificação das crianças sobredotadas, como a entrevista, percepções de pais e professores e os interesses das próprias crianças. O conceito de sobredotação é um conceito plural, pelo que a introdução de diversas fontes de identificação, se revela fundamental.

Associado a estes problemas surge o desconhecimento. Como indicam os nossos ancestrais a ignorância é atrevida, e muitas vezes esta ignorância manifesta-se em profissionais da educação. A título demonstrativo destacamos algumas palavras proferidas à apenas alguns dias por uma professora do 2º ciclo do ensino básico de uma pequena cidade nortenha : Sobredotados aqui?? Nem pensar!!! Não vale a pena realizar acções de formação sobre esse tema nesta cidade!!. As palavras poderão não ter sido exactamente estas, mas a gravidade do dito é claramente idêntica. Como explicar a pais e à comunidade em geral que cerca de 15 a 20% das nossas crianças podem ser sobredotadas, e que a sobredotação não é algo negativo, prejudicial, mas valioso e de preservar, se alguns professores ainda desconhecem esta realidade? Muitas crianças não são identificadas em Portugal devido ao desconhecimento de pais e professores, aos falsos juízos relativamente à sobredotação e sobretudo ao medo em indicar uma criança como sobredotada.

O sistema educativo também perpetua de certa forma a ideia da diferença como algo negativo e da criança diferente como a criança problemática e desadaptada. A análise dos programas curriculares revela uma preocupação em uniformizar o ensino, uniformização que se revela especialmente penosa para estas crianças. No nosso sistema educativo aprende-se com alguma frequência, que cada situação tem apenas uma resposta; sendo o espaço destinado ao pensamento divergente e à reflexão sobre diversas formas de resposta ínfimo. Felizmente, algumas alterações têm sido feitas a este nível, na procura de adaptar o ensino à diversidade de populações que abarca. Mas ainda não é suficiente; pois cerca de 40% das crianças sobredotadas apresenta sinais de inadaptação à escola, em virtude de não receber qualquer tipo de orientação especializada.

É necessário e urgente dar a conhecer a pais, professores e à comunidade em geral que a sobredotação não escolhe género, país, região, nem condições sócio-económicas. É imprescindível alertar que a utilização de rótulos como geniosinho, rato de biblioteca, intelectualóide, é extremamente prejudicial para as crianças e para as suas famílias, pois perpetua preconceitos erróneos que dificultam a identificação destas crianças e que lhe limitam oportunidades de desenvolvimento e crescimento.

Acima de tudo é crucial fomentar uma nova visão do ser humano, como possuidor de imensas potencialidades que devem ser desenvolvidas e também com limitações e problemas que devem ser minimizados.

Acreditamos, tal como Silva nos indica na sua obra Sobredotados: as suas necessidades educativas específicas (1992, 20) que para todo o indivíduo o mais importante será a sua realização plena como pessoa adequadamente integrada numa comunidade para a qual contribui; pelo que é necessário abrir um novo leque de oportunidades educativas a estas crianças, para que possam desenvolver plena e harmoniosamente o seu potencial, para que se sintam integrados na sociedade e não excluídas.

Em suma: cabe a todos nós garantir as oportunidades destas crianças para que possam contribuir para a sociedade de forma positiva e integrada. Cabe a todos nós desmistificar a sobredotação.

Acima de tudo, cabe a todos nós nunca esquecer que nos referimos a crianças, que possuem medos, desejos, sonhos, fantasias, e que ...um dia serão adultos, e provavelmente darão grande contributo à sociedade que hoje teima em não os compreender e aceitar.

Sónia Mairos Nogueira
Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação/Coimbra
(discente da Lic. em Ciências da Educação)


  
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Edição:

N.º 92
Ano 9, Junho 2000

Autoria:

Sónia Mairos Nogueira
Estudante. Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, Coimbra
Sónia Mairos Nogueira
Estudante. Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, Coimbra

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