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PENSAR A (I)LEGALIZAÇÃO DAS DROGAS

Gabriel García Marquez, Prémio Nobel da Literatura, deu a um manifesto a favor da legalização das drogas. O escritor começa por afirmar que "a proibição tornou mais atraente e frutífero o negócio da droga, e fomenta a criminalidade e a corrupção a todos os níveis".

Em Portugal algumas vozes têm-se levantado manifestando inquietação pelo desenvolvimento deste flagelo. Os professores, pelo papel que desempenham na sociedade, particularmente pelo seu trabalho quotidiano com os jovens, têm nesta matéria uma palavra a dizer.

O tráfico de estupefacientes tornou-se o negócio mais lucrativo do nosso século. Produzindo lucros da ordem dos 80% faz entrar na economia legal mais de trinta mil milhões de contos por ano. Em Portugal, calcula-se que o tráfico interno lave e aplique por ano em negócios legais, perto de cinquenta milhões de contos.

Os narcotraficantes internacionalizaram o seu negócio e criaram redes que fazem cruzar o mundo do crime e da economia legal. O poder económico criado com esta actividade permite-lhes instalar-se em áreas do poder político.

No passado, a acumulação de capital necessária ao arranque industrial foi possível graças aos lucros obtidos nas colónias sob domínio europeu. O tráfico de escravos e outros negócios somados à exploração de mão-de-obra barata, de que a infantil é exemplo, possibilitaram o desenvolvimento industrial no chamado mundo ocidental.

No nosso século, a ligação das mafias e do mundo do crime aos negócios legais tem sido um instrumento de que o capitalismo se serve para melhor se afirmar e perdurar. O tráfico de droga desempenha, nas sociedades actuais, o papel que outras formas de crime e exploração desempenharam noutros tempos na sustentação da economia legal.

O paradigma do capitalismo aponta para o máximo lucro em relação ao investimento, o anonimato dos negócios, a fiscalidade mínima ou nula, a máxima precaridade nas relações laborais, por isso se pode afirmar que o narcotráfico é o verdadeiro paradigma do capitalismo. Tal facto torna o seu combate mais complexo e difícil.

A mobilidade de pessoas, tecnologias e capitais que caracterizam a globalização da economia mundial, no nosso tempo, facilitam a lavagem dos lucros resultantes do tráfico de droga e tornam o trabalho das polícias mais difícil. Na actual situação, a apreensão da droga, que não ultrapassa 10% do produto transaccionado, incomoda pouco os traficantes. Estes seguem as leis do mercado: as apreensões, diminuindo a oferta, provocam a subida do preço pouco alterando os lucros resultantes das operações criminosas.

O enorme poder económico dos narcotraficantes, a sua ligação à economia legal, a penetração em áreas do poder político e económico e no sistema policial permitem-lhes escapar facilmente ao controlo policial que, comparativamente, dispõe de fracos recursos. O reconhecimento destas realidades obriga-nos a procurar outros meios que permitam combater mais eficazmente este flagelo social.

Perante esta situação, alguns têm defendido a despenalização — à escala global — do consumo da droga associada a outras medidas de prevenção e combate. Pensam que o desaparecimento da proibição e da clandestinidade do consumo contribua para tornar este menos apetecível provocando a sua diminuição. Outros, afirmando que o motor do tráfico é o lucro, entendem que é preciso institucionalizar a venda, à escala mundial, o que pressupõe a despenalização do consumo. Tais medidas fariam cair os preços, permitindo a tributação fiscal sobre o negócio da droga e dificultando a ligação ao mundo do crime organizado tornando o negócio menos lucrativo e apetecível. O resultado da tributação fiscal poderia ser encaminhado para a aplicação de medidas de profilaxia e de reinserção social.

Se a situação actual é preocupante, o debate sobre possíveis alternativas está por fazer. Se trazemos aqui esta questão é por nos parecer que os professores têm também, nesta matéria, um caminho a percorrer, uma palavra a dizer.

O jornal "A Página" está aberto a todas as opiniões que possam ajudar a entender melhor esta complexa problemática e a contribuir para o combate ao flagelo da droga.

José Paulo Serralheiro


  
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Edição:

N.º 92
Ano 9, Junho 2000

Autoria:

José Paulo Serralheiro
Professor e Jornalista. Director do Jornal a Página da Educação.
José Paulo Serralheiro
Professor e Jornalista. Director do Jornal a Página da Educação.

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