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Aprender África - Jornadas de Literaturas Africanas para o Básico e Secundário

Nos últimos dias de Janeiro, o Núcleo GIRAFA (Grupo Informal de Investigação e Reconhecimento da África Antiga e Actual), adstrito à Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, promoveu uma Jornada de Literaturas Africanas para o Ensino Básico e Secundário, que reuniu professores e estudantes da área, além de escritores e intelectuais portugueses, brasileiros e africanos, para debaterem a problemática da inserção e desenvolvimento da disciplina nos programas escolares.
Coordenada pelo prof. dr. Pires Laranjeira, registou esta Jornada intervenções de docentes das Universidades de Lisboa (Ana Maria Martinho, Elsa Rodrigues dos Santos, Fernanda Cavacas e Inocência Mata), do Porto (Cristina Pacheco), de Coimbra (Maria Aparecida Ribeiro e Lola Geraldes Xavier) e de Cergy-Pontoise (Bernard Mouralis) - todos propiciando um animado debate que, poderia dizer-se, recobriu as mesmas questões que Bernard Mouralis focou na sua comunicação, - o lugar e o papel da literatura francófona em França - quando aplicadas a Portugal, partindo de interrogações como estas:
Que lugar deve ser reservado às literaturas francófonas? Que motivos poderão levar à sua introdução nos programas (do secundário e universitário) e ao desenvolvimento de estudos sobre estas literaturas? Que lugar deverão ocupar na formação dos futuros professores?
As respostas que se dariam em Portugal não seriam muito diferentes das que Mouralis pensou para a França e que derivam do sentido em que se tem o conceito (amplo) de francofonia-lusofonia, com as suas principais vertentes (a política e a cultural) unidas no mesmo cume: a "nossa" língua servindo de trilho para todos os fins: políticos, económicos, culturais e - porque não? - afectivos, que não são de pouca rendibilidade quando inteligentemente compreendidos.
Não são iguais, porém, os estímulos e os suportes de uma França há muito aberta ao mundo, que pôde incluir na sua literatura nacional obras coloniais de autores consagrados como Pierre Loti, Martin du Gard, André Malraux, Céline, Júlio Verne ou André Demaison. E muito menos de uma Inglaterra imperial, que viu nas narrativas ultramarinas incentivos para levar os ingleses a todos os cantos da Terra e fez da literatura exotista um meio de afirmar a sua vocação expansionista. Quem, na Europa, não leu O Livro da Selva, de Rudyard Kipling, As Minas do Rei Salomão, de Rider Haggard, O Explorador, de Somerset Maugham, Robinson Crusoe, de Daniel Foe, As Viagens de Gulliver, de Jonathan Swift, e as histórias aventurosas de Joseph Conrad, Graham Greene, John Buchan, Joyce Cary, E.M.Forster, George Orwell, etc., etc.?
Em Portugal, tivemos de esperar que eclodisse a chamada Guerra Colonial para que a literatura nacional contemporânea (salva-nos Camões, Fernão Mendes Pinto e a História Trágico-Marítima, vagamente Wenceslau de Moraes e Camilo Pessanha, para quem fixa as selectas) avocasse, em cenários tropicais, as memórias dos portugueses repartidos pelo mundo afora...
Os compêndios de literatura portuguesa ignoraram, até, a existência de uma literatura colonial como uma extensão da literatura nacional ( honra para a excepção de Óscar Lopes-António José Saraiva), o que significava, teoricamente, a inexistência de uma "mentalidade colonial", mesmo como a concebiam Agostinho de Campos, em 1928, Henrique Galvão, em 1930, e José Osório de Oliveira, em 1933. Quanto mais a literatura produzida por naturais das Colónias, como Cordeiro da Matta, Pedro Machado, José Maia Ferreira ou António de Assis Júnior - só para falar de Angola - quando na França se publicavam e estudavam (com ou sem controvérsia) escritores e poetas da Argélia, Senegal, Madagáscar e Senegal - só para falar de África!...
Disse-se na referida Jornada que a inclusão, agora, de autores africanos de língua portuguesa, nos programas escolares, estava insuficientemente representada e desacompanhada de justificações estimulantes, sendo necessário - como defendeu Mouralis no caso da França - "sair de uma concepção restritiva do literário, reduzido ao tríptico poesia/teatro/romance, e de integrar a análise de um certo número de ensaios sobre antropologia, filosofia, história, psicanálise, etc.(...) de modo a podermos mostrar aos alunos que os escritores (...) são também produtores intelectuais que ocupam um lugar importante nalgumas polémicas que se apresentam como os grandes desafios do nosso tempo."
Em Portugal, afigura-se que é necessário mais do que isso (pelo menos para os professores): um regresso historiográfico e sociológico à literatura colonial, para comparar a imaginística e discernir, porventura, quando ela repete estereótipos, retoca arquétipos, cria mitos de substituição ou é profundamente renovadora e original.
Por outras palavras: quando as literaturas africanas de língua portuguesa são genuinamente africanas e não um epifenómeno do exotismo luso-cêntrico da "nossa literatura".
Mas para esse discernimento é preciso, de facto, aprender (conhecer e respeitar) África.

Leonel Cosme
escritor, investigador


  
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Edição:

N.º 91
Ano 9, Maio 2000

Autoria:

Leonel Cosme
Escritor - Jornalista, Porto
Leonel Cosme
Escritor - Jornalista, Porto

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