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Para onde vai o Ensino Superior?

DO QUE PARECE MAS DE FACTO NÃO É

É por demais evidente a progressiva degradação que o ensino superior neste país tem vivido, como consequência, entre outras, da sua má planificação e desenvolvimento, do insuficiente investimento realizado na melhoria da qualidade das instalações e dos equipamentos dos estabelecimentos existentes, da falta de objectividade e ausência de relação com o mercado de trabalho na criação de novos cursos e da ausência de vontade política para, em diálogo com os docentes, se elaborar um novo estatuto da carreira docente do ensino superior, que no respeito pela sua diversidade, dignificasse as diferentes vertentes que o constituem e criasse, definitivamente, as condições necessárias ao desbloqueamento dos entraves existentes à progressão na carreira académica.
Parece não existir grandes dúvidas, a fazer fé no relatório de avaliação do Grupo de Missão e nos relatórios de avaliação que da Inspecção Geral da Educação (IGE), que o crescimento exponencial e desregrado nas últimas duas décadas do Ensino Superior Particular e Cooperativo, com a conivência de vários governos, por ausência de legislação apropriada de início e posteriormente por deficiente controlo e fiscalização, se transformou, salvo honrosas excepções, num enorme quebra-cabeças tanto para as entidades governativas que o tutelam, como para as famílias que, não vendo os seus filhos ter acesso ao ensino superior público por falta de médias apropriadas, resultantes do número exíguo de vagas disponíveis, se angustiam na árdua tarefa de escolher os estabelecimentos cujos cursos, pela sua qualidade e custos constituam uma alternativa credível para a formação dos mesmos.
A esperança depositada no primeiro governo do Eng.º António Guterres, dada a ênfase posta no sector da educação, como a denominada "grande paixão", parece não ter tido respostas marcadamente evidentes no mandato do ministro Marçal Grilo. Pouco ou nada se efectuou, para além da tentativa de, por meio de grupos de avaliação independentes, do Grupo de Missão e através do reforço da actividade inspectora da IGE, avaliar e controlar a situação do ensino superior público e privado ou cooperativo no país.
Com o novo governo socialista e agora sob a responsabilidade do Ministro da Educação Oliveira Martins, surge a novidade da necessidade de aprovação de uma Lei da Organização e Ordenamento do Ensino Superior.
Que esta lei quadro é necessária não parecem existir dúvidas no espírito dos que mais atentamente acompanham as questões do ensino superior. A oportunidade política do seu aparecimento, o conteúdo do seu anteprojecto de proposta e a forma como foi elaborada e posta à discussão entre os diferentes parceiros interessados no assunto é que não nos parecem as mais apropriadas.
Com efeito, depois de tantas expectativas criadas com a sua anunciação, ao lê-la, fica-nos o amargo da frustração pela sua inocuidade, pelo vazio do confuso amontoado de conceitos, pressupostos e intenções e pela quase total ausência de aspectos regulamentadores, sempre remetidos para legislação posterior. Quase nos apetece dizer que a proposta nos parece redonda, ou seja, não tem ponta por onde se lhe pegue. Ou melhor ainda, é uma proposta tal, que o ensino superior, com ela ou sem ela, fica tal e qual.
Sem pudermos ser exaustivos na sua análise, num texto com as dimensões que este exige, bastar-nos-ia ler com atenção o articulado do n.º 1 dos artigos 6º e 8º, para entendermos quão difícil foi ao legislador definir e estabelecer a diferença entre o ensino superior universitário e politécnico. A única frase relevante para essa diferença foi "desenvolvimento das capacidades de concepção", atribuídas como competência ao ensino universitário, como se a experiência do saber científico não tivesse já demonstrado que a capacidade de concepção surge quase sempre do saber fazer teórica e praticamente, mais vezes aprendido no politécnico. E o que dizer em relação à ausência de qualquer menção à forma como os Institutos Superiores Politécnicos farão a progressão académica dos seus corpos docentes, que pela sua especificidade de formação deveria ser uma competência atribuída, com toda a autonomia, aos órgãos científico-pedagógicos desses institutos e jamais ser uma atribuição exclusiva das universidades.
Como explicar o vazio quase total dos aspectos referentes ao ensino superior particular e cooperativo que este anteprojecto de proposta de lei apresenta, salientando-se, em relevo, o artigo 12.º, "Contratos-programa com estabelecimentos de ensino superior particular e cooperativo".
Será que o Ministério da Educação já se esqueceu da lacuna de legislação regulamentar deixada pelo decreto-lei n.º 16/94, alterado pela Lei n.º 37/94, referente à definição de um estatuto da carreira docente para o ensino superior particular e cooperativo, que há seis anos está por aprovar, permitindo todo um conjunto de atropelos e promiscuidades na contratação de docentes para este subsistema de ensino superior.
Sejamos claros, se o conteúdo do anteprojecto de proposta de lei da organização e ordenamento do ensino superior não for muito mais do que aquele que o texto agora apresentado para discussão contém, se não for capaz de fazer a síntese de todos os problemas já elencados e de forma sistemática regulamentar a sua solução, então será melhor adiar a sua apresentação e aprovação e, como alternativa mais eficaz, que o Ministro da Educação se preocupe em mandar elaborar e fazer aprovar legislação complementar que regulamente todas as lacunas legislativas actualmente existentes.

Fernando Brandão
Instituto Superior de Ciências da Saúde Norte


  
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Edição:

N.º 90
Ano 9, Março 2000

Autoria:

Fernando Brandão
Instituto Superior de Ciências da Saúde Norte
Fernando Brandão
Instituto Superior de Ciências da Saúde Norte

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