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"Portugal-Brasil: Memórias e Imaginários"

Promovido pelo Grupo de Trabalho do Ministério da Educação para as Comemorações das Descobertas Portuguesas, teve lugar, em Lisboa, nos dias 9 a 12 de Novembro, na Fundação Calouste Gulbenkian, um Congresso Luso-Brasileiro, que, conforme o programa da Organização, se inseria no quadro das realizações internacionais de natureza científica, pedagógica e cultural, "espaços de aprofundamento de conhecimentos e de confronto de pontos de vista, abertos à intervenção e participação dos professores dos ensinos básico e secundário, em que se tem privilegiado a reflexão em torno da comunidade lusófona (...) espaços de cruzamentos de olhares, de saberes e de práticas de ensino, em síntese, de recíproca (re)descoberta daquele que é, sem dúvida, um dos mais importantes legados do movimento dos Descobrimentos e da Expansão marítima portuguesa."
Mais de duzentas comunicações foram apresentadas em obediência aos seguintes itens: Abordagens Históricas e Antropológicas sobre a Construção do Brasil; O Brasil em Portugal; Portugal-Brasil:representações; Métodos e Práticas de Ensino.
Pelo resumo das comunicações, apresentadas, em livro, antes da abertura dos trabalhos, pode verificar-se que foram consideradas todas as incidências das relações históricas e culturais que fixaram os vínculos prevalecentes nos dois países, desde há quinhentos anos, com altos e baixos, com luzes e sombras, mas sem dúvida portadores de um substrato humanista que sobrevive aos complexos típicos de quem foi colonizado e colonizador, de quem se distanciou, institucionalmente, por boas e más razões, durante quase um século, - mas que, com o advento da Democracia, em Portugal e no Brasil, volta a abrir no Atlântico os caminhos do reencontro.
Surpreende logo que quase dois terços das comunicações pertençam a brasileiros, provindos de inúmeras Escolas Superiores do Brasil. Se isto pode provar algumas coisas, uma será que os dois países não se extremam em "galáxias" estranhas uma à outra, mesmo sendo " diferentes"; ou que os brasileiros se decidiram a dizer, em Portugal, que o Brasil não é, de há muito, uma extensão lusitana, podendo embora ser um epifenómeno europeu, que inclui componentes portuguesas, movendo-se todavia num universo indistinto.
O fluxo imigratório ( por motivos económicos conjunturais, não reste dúvida) que, hoje, se está a fazer do Brasil para Portugal, ou através de Portugal para o resto da Europa, dará certamente um contributo para o reencontro, mostrando ao Brasil que Portugal já não é a "doença" virulenta de que os brasileiros se deveriam livrar, como predicava o mordaz António Torres, no primeiro quarto deste século, e Agrippino Grieco, na mesma altura, aconselhava a "corrigir a inábil insistência com que os nossos irmãos de além-mar vivem chamando o Brasil de 'outra banda de Portugal', de 'Portugal maior', quando capciosamente, como o sr.Agostinho de Campos, não nos chamam de crioulos."
Falta, agora, aos portugueses mudar os itinerários turísticos, para irem ao Brasil verdadeiro - que não é só o das telenovelas, dos carnavais ou dos "Sem-Terra" - revisitar um Portugal antigo que continua no Brasil, quando, paradoxalmente, se vai apagando da nossa própria memória.
Parafraseando Jorge de Sena, numa entrevista concedida, há umas três décadas, à B.B.C. de Londres (quando só lhe era permitido falar aos compatriotas através das Rádios estrangeiras), - "é preciso obrigar os portugueses a sair de Portugal, para verem que há outros mundos" - caberia agora dizer: é preciso que os portugueses conheçam o mundo que os seus antepassados frequentaram, para terem uma ideia mais correcta de si mesmos. Ideia que não é, seguramente, a dos panegiristas mitómanos do Estado Novo, nem a dos neo-decadentistas que preleccionam sobre o dever de os portugueses de hoje introjectarem a sua pequenez territorial ( que foi, contudo, no século XV, o cais da Europa atlantista) e de pedirem desculpa ao mundo pela parte que lhes coube nas violências da Conquista, nas infâmias da Inquisição e nos horrores da Escravatura - enfim, pela História do que fomos antes, durante ou depois do que outros já tinham sido ou continuaram a ser...
Mas, principalmente, para terem a ideia justa do que é, como nunca, necessário à recomposição de uma identidade que foi distorcida sobretudo nos últimos cinquenta anos, o que eventualmente servirá de escudo contra as prováveis obliterações que irão resultar de uma ainda nebulosa mundialização de desígnios duvidosos, susceptível de rasurar na História tudo quanto se oponha aos ditames de um Mercado globalizante e avassalador.

Leonel Cosme
Gondomar / Porto
escritor, investigador


  
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Edição:

N.º 88
Ano 8, Fevereiro 2000

Autoria:

Leonel Cosme
Escritor - Jornalista, Porto
Leonel Cosme
Escritor - Jornalista, Porto

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