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O Misterioso "Ano Pós-12º"

O anúncio recente acerca das transformações no ensino secundário, a introduzir no próximo ano lectivo, que correspondem à restauração duma dupla via de ensino com diferentes valores no mercado das oportunidades (os Cursos Gerais com acesso directo ao ensino superior e os Cursos Tecnológicos dirigidos para o mundo do trabalho) mereceria melhor sorte que um silêncio pesado em seu redor, se exceptuarmos uma ou outra voz que já aqui se fizeram ouvir (Cf. O nº de a Página da Educação do mês passado)
A fazer fé no documento de apresentação, estas medidas foram objecto de largo consenso, o que, pelos vistos, muito abona em favor do sentido do realismo que habita o espírito dos parceiros envolvidos na apreciação das ditas medidas. Tudo leva a crer que tais parceiros se renderam, incondicionalmente, àquela luminosa doutrina versando a formação das "elites e decisores" com que Lopes, Fraústo e Grilo, em obra de há alguns anos, lançaram os fundamentos da "Educação Nacional". Se me permitem lembrar, esses fundamentos estabeleciam que à educação cabe um papel crucial na selecção e formação das elites dirigentes, a quem compete zelar pela correcta orientação e gestão dos meios patrimoniais da classe dominante de modo a articular os seus interesses com a dinâmica da mudança que, com a mundialização da economia, se torna inevitável. Todavia, não basta para que uma sociedade funcione harmoniosamente que haja apenas quem possua e quem decida. É, ainda, necessário que haja quem execute e quem produza. Então, o sistema de educação/formação, formal e informal, em estreita articulação entre si, "concebem e executam acções de formação destinadas a adequar o indivíduo a uma determinada função produtiva no quadro das actividades económicas e na vida da sociedade".
É claro que tal formação "deve, por um lado, promover a educação dos portugueses no respeito da pessoa humana (...) e, por outro, formar os profissionais (quadros ? altamente qualificados, qualificados e intermédios; e trabalhadores ?altamente qualificados e qualificados) indispensáveis ao desenvolvimento e ao processo de modernização das estruturas económicas, sociais e culturais da sociedade portuguesa".
Tal é a doutrina que está em vésperas de merecer plena consagração no novo figurino do Ensino Secundário. Está lá tudo, desde a proclamação dos valores humanistas até à preocupação com o escalonamento da formação em consonância com as exigências da modernização. Falta, talvez, o relevo que agora é dado ao "respeito pelas diferenças" pois que os jovens que acedem ao Secundário "serão, proporcionalmente, cada vez em maior número e com origens sócio-culturais, interesses e motivações muito diversificadas" É, aliás, em nome do respeito pelas diferenças e em obediência à criação de mais oportunidades de sucesso em favor dos alunos que, pela via normal, as não teriam, que se justifica, no essencial, esta proposta. Quem quer que veja aí algum exercício de maquiavelismo- político, está possuído de evidente má-fé, até porque foi prevista "a possibilidade de criação de um ano pós-12º, que facilitará a permeabilidade entre vários cursos, permitindo aos alunos que o desejarem corrigir o seu percurso formativo, contribuindo para a democratização do ensino e da sociedade e para uma real igualdade de oportunidades (o negro é do original).
Quem não reconhecerá neste ano pós-12º (mesmo que ele ocorra muitos anos depois ao longo da vida) o anjo da guarda da nossa democracia escolar?

Manuel Matos
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação
Universidade do Porto


  
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Edição:

N.º 88
Ano 8, Fevereiro 2000

Autoria:

Manuel Matos
FPCE, Univ. do Porto
Manuel Matos
FPCE, Univ. do Porto

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