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Currículos Flexíveis ( segmento 1 de 2 )

A urgência de uma revisão da cultura e do trabalho nas escolas

Se há uma crítica comum e reiterada ao longo da história das instituições educativas é a de seleccionar, organizar e trabalhar com conteúdos culturais pouco relevantes, de forma pouco motivadora para os alunos e, portanto, com o risco de perder o contacto com a realidade em que vivem. Nesses modelos, as situações e problemas da vida quotidiana, as preocupações pessoais, costumam ficar à margem dos conteúdos e processos educativos, fora dos muros das salas de aula e escolas.
Não é raro que o currículo tradicional por disciplinas, em várias ocasiões, acabe por mostrar uma valorização parecida com alguns jogos e concursos de televisão de recorte nominalista, como por exemplo o "Trivial pursuit"; ou seja, considera-se que se aprende pelo êxito de ser capaz de recordar pequenos pedaços de informação sem grande profundidade e, o que é mais grave, sem compreensão desses conteúdos que se verbalizam.
Para enfrentar estes erros tem-se vindo a construir ao longo do presente século numerosas estratégias didácticas. Soluções que têm como finalidade tratar de transformar em relevantes e significativos os conteúdos culturais como os que se utilizam nos escolas.
Assim, uma das coisas que chama desde logo a atenção de qualquer pessoa interessada em questões curriculares, é a abundância de conceitos e denominações usados quando se referem ao tipo de propostas de ensino e aprendizagem adequados para romper o isolamento das instituições escolares com a sociedade em que estão inseridas e a cujo serviço pertencem. Entre esta variedade de soluções, podemos citar: currículo interdisciplinar, globalizado, transversal, coerente, mundialista, centros de interesse, método de projectos, unidades didácticas, etc. Cada uma destas denominações põe em destaque uma determinada questão, algumas de maneira sintetizada, podendo dizer que existem três classes de discursos que lhes servem como justificação:

  1. Argumentações acerca da necessidade de uma maior interelação entre as diferentes disciplinas ou cadeiras;
  2. Valorização das peculiaridades cognitivas e afectivas das meninas e dos meninos que influenciam nos seus processos de aprendizagem;
  3. E a necessidade de contemplar a comunidade em que a escola está integrada, procurando uma abertura a outras comunidades e partes de um mundo que já todos consideramos como "aldeia global", etc.

Estas três classes de argumentos têm pouca relevância no conceito de Curriculum Integrado (Quadro 1); no fundo não são senão ênfases particulares, perspectivas que se tomam em consideração para poder compreender a necessidade da educação institucionalizada e para propor e justificar uma "praxis" curricular distinta daquela que, até ao presente, vem sendo maioritária e que denominamos como pedagogia ou educação tradicional.
Assim, a interdisciplinaridade, é um dos conceitos que configura o triângulo de apoios da proposta de currículo integrado. Ou seja, a reorganização dos conteúdos, umas vezes para recuperar e outras para construir uma rede mais integrada entre conceitos, modelos e estratégias de investigação que uma sobrespecialização organizou em compartimentos estanques, sem possibilidades de comunicação, ainda que tenham como propósito analisar e intervir no mesmo espaço, com os mesmos objectos e/ou pessoas com um fim semelhante, etc. Esta cultura fragmentada coloca numerosos problemas à própria sociedade, pois é frequente que perante algum problema social, industrial, económico, etc., diferentes disciplinas ofereçam soluções completamente distintas e, inclusive, contraditórias. O que na realidade sucede em tais ocasiões é que cada uma dessas disciplinas toma em consideração umas determinadas variações, ignorando e descurando outras. Um destes exemplos surge quando uma comunidade quer obter mais energia; dependendo dos especialistas a consultar assim serão as propostas. Profissionais da física é provável que optem pela construção de planos de energia nuclear, enquanto que quem tenha uma formação no campo da biologia, sociologia, filosofia, etc., é seguro que decidirá por propostas de intervenção muito diferentes, opondo-se com fortes argumentos às soluções que apostam na energia nuclear.
Na vida quotidiana, passando pelas diversas escolas e no trabalho profissional, o nosso pensamento foi e está condicionado quanto ao número de perspectivas a tomar em consideração. Assim por exemplo, um arquitecto desenha edifícios atendendo às questões que foram capazes de converter-se em exequíveis, em função dos procedimentos e rotinas intelectuais que foi construindo, primeiro na sua etapa formativa e, na continuação, durante o exercício da sua profissão.
Na medida em que nos seus estudos existiam "culturas silenciadas", que não se convertiam em objecto de reflexão consciente e intencionada, dificilmente nas suas actuações laborais esses colectivos humanos se converterão em focos de atenção. Portanto, é fácil que edifique e desenhe espaços físicos sem prestar atenção às necessidades das pessoas que integram esses colectivos silenciados. Nos edifícios e pisos que desenha pode não haver espaço para as pessoas deficientes poderam mover-se; é previsível que as crianças não possam jogar com uma certa liberdade, que as suas casas sejam tão pequenas que só se conceba imaginar-se que ali ou se estuda ou se dorme, nada mais. É também hábito nessas casas os jovens serem continuamente criticados pelo volume com que ouvem a sua música favorita ou desfrutam dos jogos de vídeo, pois os problemas da acústica entre habitações não foram contemplados por quem fez o desenho do prédio. No momento de construir uma vivenda não se tem em conta os estilos de vida das famílias que a vão habitar, a não ser os de uma família estandardizada, que não existe e que, em todo o caso, nunca saberemos se se converterá em "standard" precisamente porque as condições do prédio que habitam obrigam-nas a determinados comportamentos e rotinas e impossibilitam ou dificultam outros.
Quando vemos uma vivenda de dimensões reduzidas e que dedica grande parte desse espaço ao quarto do casal, na realidade, podemos dizer que estamos perante um arquitecto ou arquitecta que assumiu uma tradição que não problematiza e que também não corresponde com os estilos de vida hoje dominantes. Na família tradicional, do século passado e dos princípios deste, antes do denominado "Estado de Bem-Estar", esse dormitório ou habitação principal era também uma sala de visitas, em caso de doença de algum membro da família, por essa razão precisava de espaço para acolher as visitas. Na vida actual, essa sala situa-se nos hospitais ou sanatórios, por isso seria preferível dedicar esse espaço amplo a salas em que se possa levar a cabo aquelas actividades que ocupam maior espaço de tempo familiar e que sempre necessitam de uma maior disponibilidade de metros quadrados. A arquitectura popular constituía, como facilmente podemos ver na maioria das casas tradicionais, um espaço adequado às necessidades humanas; ao contrário, grande parte da arquitectura moderna edifica para acomodar os procedimentos humanos e as condições estéticas ou a rentabilidade económica do edifício.
No momento em que muitas casas, ruas, bairros, praças se projectam num dos principais objectivos que condicionam o seu desenho é a intenção das empresas construtoras puderem obter maiores benefícios possíveis; apenas se presta a atenção às necessidades e estilos de vida dos seus utentes. E esta situação não se deve só à avareza e usura dos seus promotores, mas também porque tais factos nem sempre são pensados, não se convertem em foco espontâneo de atenção. Os estudos universitários das profissões relacionados com a construção centram-se mais em questões técnicas, tais como a solidez dos materiais e edificações, a sua resistência, formas de projecção, etc. do que na preocupação pelo conhecimento das condições de vidas das pessoas que as vão habitar e na criação de espaços que facilitem uma melhor qualidade de vida.
Exemplos semelhantes poderíamos colocar em muitas obras de engenharia de construção de estradas, pontes, ferroviários e portos. Assim, uma estrada desenhada pela engenharia de caminhos tratará, normalmente, que o traçado seja o mais cómodo possível e que facilite uma maior velocidade nas comunicações, mas sem prestar atenção aos seus efeitos secundários. O movimento ecologista e as associações têm uma grande experiência nos confrontos com as Administrações Públicas pelo desenho de um bom número de auto-estradas. Projectos em que os traçados originais cortavam as vias de comunicação das espécies animais que ali viviam; desenhos que impediam de se alimentar ou acasalar e reproduzir a animais que realizavam tais funções em espaços físicos diferentes, tendo que deslocar-se para isso. O dito traçado podia também ter como efeito "imprevisto" para muitos povos e aldeias que estavam à beira das estradas tradicionais, com o novo traçado desapareceriam, na medida em que o seu modo de vida dependia do consumo que as pessoas faziam quando atravessavam as suas rotas habituais. Inclusive pode dar-se o caso de um determinado traçado de uma auto-estrada alterar o clima e portanto, a produção agrícola e florestal das zonas que atravessa. Assim, por exemplo, desbravar agressivamente para evitar fazer um túnel pode servir para alterar a mobilidade das nuvens e repercutir-se no clima típico daquela zona. Muitos montes funcionam como barreiras para as nuvens e, desta maneira, dão lugar a terras de cultivo muito férteis devido ao microclima que aí se gera. Se rebaixarmos a altura desse monte afectamos a mobilidade das nuvens e, por conseguinte, alteramos o clima e grau de fertilidade desses terrenos.
Em resultado dos numerosos protestos e mobilizações contra essa modalidade de desenhos, hoje este tipo de problemas já estão a ser abordados por equipas interdisciplinares, integradas por especialistas de engenharia, biologia, sociologia, antropologia, etc. Mas o seu trabalho seria mais benéfico se todas e cada uma das pessoas que os integram já estivessem habituadas à necessidade de tomar em consideração essas perspectivas diferentes.
Poderíamos dar exemplos de como as intervenções disciplinares podem resolver um determinado problema, mas é fácil gerar muitos outros problemas e nem sempre secundários. Ao analisar o exercício da medicina, do direito, da economia, etc. descobriríamos numerosíssimos exemplos de como determinadas soluções tomadas unicamente por uma só destas especialidades, teria como resultados efeitos secundários imprevistos que ninguém desejaria de maneira intencionada.
Se estes efeitos "perversos" se produzem nas actuações de profissionais, é lógico também que também aconteçam nas tomadas de decisão mais rotineiras ou menos profissionais que o ser humano realiza no dia a dia. Quem alguma vez, depois de comprar um objecto, não se surpreende da sua pouca utilidade por se ter esquecido de tomar em consideração dados que não tinha no momento em que o adquiriu, aspectos que no momento não se converteram em "pensáveis"? Ou, para colocar um exemplo mais especificamente humano: em que medida nos nossos hábitos de consumo diário temos presente quem fabrica aquilo que adquirimos, em que condições laborais, lugar, etc.? Algo sobre o qual as numerosas Organizações Não Governamentais nos alertam. Existem no mercado numerosos produtos de grande consumo que são fabricados em situações laborais de enorme injustiça, pelas crianças que por causa disso não vão às escolas, por mulheres mal pagas e em condições ambientais de grande contaminação ou de escassa salubridade, etc. Actuar como cidadão obriga a tomar decisões que não atentem contra os direitos das outras pessoas.
Uma estratégia que pode contribuir para solucionar problemas semelhantes é a de criar hábitos intelectuais nas pessoas, desde o primeiro dia de escola, que haja normas a tomar sempre em consideração, o maior número de perspectivas na hora de analisar, avaliar ou intervir em qualquer situação ou resolver qualquer problema. É óbvio que não podemos ignorar que esta fragmentação que domina o pensar e actuar da maioria das pessoas que estão ou já passaram pelo sistema educativo não é unicamente resultado de sobreespecializações científicas e culturais, mas também consequência de modelos políticos que promovem uma espoliação de recursos naturais e a exploração económica, cultural e, numa palavra, a dominação de umas pessoas sobre as outras.
Por isso, falar de interdisciplinaridade é olhar com atenção as aulas, o trabalho curricular, na óptica dos conteúdos culturais: ou seja, é ver que relações e agrupamentos de conteúdos se podem levar a cabo: por disciplinas, por blocos de conteúdos, por áreas de conhecimento e experiência, por tópicos, tomando como eixo estruturador conceitos, períodos históricos, descobrimentos e acontecimentos, instituições e colectivos humanos, questões da vida diária, espaços geográficos, etc.

Outra linha de argumentação em defesa de currículos integrados é proveniente da psicologia do desenvolvimento e da aprendizagem. Esta forma de pensamento utiliza-se com maior frequência nas propostas que recorrem à palavra globalização. Dizer que se faz globalização implica outorgar o peso decisivo na hora de tomar decisões sobre a forma de organizar o trabalho nas aulas e centros de formação as pecularidades das meninas e dos meninos como descreve a psicologia evolutiva da aprendizagem; em especial as características que se descrevem como típicas de cada um dos distintos estados de desenvolvimento.
Esta é uma das linhas de reflexão que está a ser trabalhada com maior interesse por parte dos Educadores de Infância e Professores do 1º Ciclo do Ensino Básico, todavia é dada pouca relevância, ou o que é pior, é posta de lado pelos que trabalham na Educação Secundária, Formação Profissional e Universidade. Nestes níveis de ensino os conteúdos culturais convertem-se, na prática, no aspecto mais importante e, com frequência, são o único foco de atenção.
Num ensino organizado por disciplinas ou cadeiras, acontece frequentemente que, o único recurso didáctico como fonte informativa é o livro de texto. Assume-se, de maneira implícita, que os alunos coincidem nas estratégias para compreender qualquer informação. Não se assume a diversidade dos alunos, que cada um deles teve e tem experiências particulares acerca de muitos dos conteúdos e temas que se oferecem nas aulas. Acaba-se por não aceitar que os alunos/as aprendam, memorizem, interaccionem e compreendam de modos diferentes, em função das múltiplas modalidades de inteligência, em concreto, as "sete inteligências" que fala Howard GARDNER (inteligências linguísticas, lógico-matemáticas, espacial, musical, cinético-corporal, interpessoal e intrapessoal). "Não se pode esperar que alguém disponha de todas as modalidades, senão aquela que cada um pode dispor, no mínimo, de umas poucas modalidades para representar o conceito ou inteligência adequados" (H. GARDNER, 1993, pág. 28). Por outro lado, toda a proposta de currículo integrado parte de que cada estudante tem o seu próprio ritmo de desenvolvimento, estratégias peculiares de aprendizagem, experiências pessoais idiossincráticas, diferentes expectativas, distintas informações prévias, etc. e, por isso, é quase impossível que um só livro de texto ou um único material didáctico possa respeitar essas particularidades pessoais e de grupo. Quantas vezes na nossa própria experiência chegamos a compreender um determinado conceito, o alcance de uma teoria ou de um procedimento típico de uma disciplina na medida em que algum professor/a se apoia em explicações e experiências de outras disciplinas diferentes que também compartilham esses mesmos conceitos, teorias ou procedimentos?
Por essa razão é preciso propor ao conjunto de estudantes de cada aula a possibilidade real de numerosas tarefas escolares diferentes, sobre a base de meios didácticos também variados, em que possam entrar em acção, interesses e motivações próprias de cada estudante em particular, para pôr em prática uma autêntica personalização da aprendizagem.
Mas também esta perspectiva psicológica resulta insuficiente se aplicada sozinha. A vida das crianças não se pode resumir unicamente nos marcos que a psicologia evolutiva nos propõe. Sob os rótulos dos diferentes estados de desenvolvimento não entram questões que condicionam a sua vida, por exemplo, situações de pobreza, as injustiças sociais, económicas e culturais daqueles que são afectados por estas situações, os grandes preconceitos e estereótipos que muitos deles têm que suportar, os deficits sanitários e de salubridade em que vivem, a violência física e psíquica em que estão imersos, etc. A psicologia oficial está somente a prestar atenção a pedaços da vida das pessoas. Digno de nota, a historicidade e descontextualização são defeitos de grande parte do trabalho que tem como objectivo chegar a conhecer as condições que explicam e influenciam no desenvolvimento e, por isso, na aprendizagem das crianças nas aulas e instituições escolares.
Tomar em consideração e respeitar os alunos/as implica ter em atenção dimensões mais contextuais, mais sócio-históricas. O terceiro ponto de vista estruturador da "praxis" curricular integradora supõe ter em conta estas variáveis.
Quando se opta por fazer educação global, para a paz, internacional ou mundial, o que se faz é colocar o eixo das decisões numa planificação e desenvolvimento do trabalho curricular que obriga a que se tome em consideração os contextos de vizinhança das crianças, da sua comunidade. Nas reflexões e valorizações da realidade social, cultural, económica e política que se sucedem nas tarefas escolares há um compromisso para atender não só aos contextos locais, sua população e cidade, mas também a outras realidades, tanto próximas como distantes; analisar as repercussões das intervenções humanas em lugares e sobre populações diferentes e, fisicamente, mais distantes (Jurjo TORRES, 1998-b). Educar pessoas com maior amplitude e flexibilidade de interesses é uma das vias indispensáveis para construir sociedades dia a dia mais humanas, democráticas e solidárias.
O currículo integrado é o produto de uma filosofia sócio-política e uma estratégia didáctica. Tem como fundamento uma concepção do que é socializar as novas gerações, um ideal de sociedade a que se aspira, do sentido e valor do conhecimento e, além disso, de como se podem facilitar os processos de ensino e aprendizagem. Não esqueçamos que as questões curriculares são uma dimensão mais que um projecto de grande envergadura de cada sociedade como é a política cultural. Toda a proposta curricular implica opções sobre partes da realidade, supõe uma selecção cultural que se oferece às novas gerações para facilitar a sua socialização; para ajudá-las a compreender o mundo que as rodeia, conhecer a sua história, valores e utopias. O mesmo podemos afirmar do currículo disciplinar ou puzzle, na terminologia de Basil BERNSTEIN, em que as suas parcelas não são senão uma consequência mais da fragmentação e hierarquização da própria vida social. O currículo fragmenta-se em disciplinas ou cadeiras, estas em blocos de conteúdos ou lições, em conteúdos, capacidades e valores; em trimestres, semestres, cursos académicos e etapas educativas; o horário escolar divide-se em blocos rígidos que separam actividades que deveriam ter maior continuidade; o professorado compartimentaliza-se em departamentos (desconexos, a maioria das vezes); a escola separa-se da comunidade, etc.
Este tipo de divisões, por outro lado, costuma ver-se como universal, à priori, como algo que foi sempre assim e não pode ser de outra maneira; são questões que raramente são submetidas a análise e revisão, já que não se assumem como algo que é assim porque algumas pessoas, nalguns lugares, optaram por esta estrutura e tiveram acesso a estruturas de poder suficiente como convencer o resto dos profissionais da educação. Esquecem-se de analisar que interesses ideológicos, políticos e económicos estão detrás da actual organização disciplinar do conhecimento, das disciplinas e blocos de conteúdos que seleccionam como foco de atenção nas aulas e escolas (Joan DELFATTORE, 1992; IVOR GOODSON, 1993; ELLEN MESSER-DAVIDOW E OUTROS, 1993; Thomas POPKEWITZ, 1987; Jurjo Torres Santomé, 1998 a e b).
O problema das escolas tradicionais, onde se dá uma grande enfâse aos conteúdos apresentados em pacotes disciplinares, é que não conseguem que os alunos sejam capazes de ver esses conteúdos como parte do seu próprio mundo. Quando a física, a química, a história, a gramática, a educação física, as matemáticas são dificilmente visíveis para a maioria dos estudantes é fácil que tudo o que se trabalha nas aulas só se perceba como "estratégia" para os enfastiar ou, de uma maneira mais optimista, seja o preço a pagar para que possam passar de ano, com a esperança de obter um título e depois se verá. A instituição escolar aparece como o reino da artificialidade, um espaço rígido com umas normas particulares de comportamento, onde se fala de uma maneira peculiar e onde é necessário realizar umas determinadas rotinas, que só servem para poderem ser felicitados ou sancionados por parte dos professores e, inclusive, das suas próprias famílias, mas acaba-se aí tudo. Muitos alunos/as chegam a assumir, tendo em consideração os implícitos que gerem a vida nas aulas, que é muito difícil estabelecer laços de conexão com a vida real, com os problemas e realidades mais diárias, que isso só está reservado a pessoas mais inteligentes, a seres excepcionais. Desta forma, contribuiu-se para perpetuar uma mistificação do conhecimento, ocultam-se as condições da sua produção e as suas finalidades e perigos.
Não prestar atenção a esta compartimentação artificial que se estabelece na vida académica e na vida exterior às instituições escolares pode chegar a pôr em perigo o fim da escolarização, em especial nos níveis obrigatórios, ou seja, preparar cidadãos para compreender a realidade, a sua história, tradições e porquês e incentivá-los para intervir e melhorar a sociedade de uma maneira democrática, responsável e solidária.
Uma das finalidades mais importantes que está subjacente aos conceitos e modelos como o currículo integrado é a preocupação para organizar os conteúdos culturais dos currículos de maneira significativa, de tal forma que desde o primeiro momento os alunos compreendam o quê e porquê das tarefas escolares e o que isso implica.
O facto de optar por estratégias integradas não quer dizer que as disciplinas acabem por desaparecer, nem que deixem de ter sentido as estruturas conceptuais, as sequências de conceitos e procedimentos nas planificações dos currículos. Mas uma questão são essas estruturas disciplinares e outra a hora de concretizá-las em propostas de trabalho para os alunos/as que têm que seguir essa mesma ordem que caracteriza a estrutura lógica dos conteúdos das disciplinas. Estas estão presentes na mente dos professores, mas as propostas curriculares que daí derivam regem-se por outra lógica, a de saber também se resultam ou não relevantes e de interesse para os alunos. Há que compatibilizar conceitos, estruturas conceptuais e procedimentos que são indispensáveis para prosseguir em direcção a níveis mais profundos do conhecimento, que permitam fazer frente a problemas mais complexos e avançar em direcção a níveis de maior domínio do conhecimento, com uma atenção significativa, relevância e interesse das tarefas escolares na perspectiva do estudante.
No trabalho curricular integrador a estratégia visível, o motor para a aprendizagem é movido por um determinado tema, tópico ou centro de interesses que faz de eixo estruturador para as necessidades individuais com as dimensões mais propedêuticas do sistema educativo, ou seja, com as condições para o acesso a outras etapas superiores do sistema escolar. É na atenção às dimensões pessoais, comunitárias, à preocupação pelos problemas sociais actuais e aos desenvolvimentos da ciência e tecnologia que se chega a determinar a funcionalidade e valor dos conteúdos culturais do currículo, das teorias, conceitos, procedimentos e valores que se seleccionam para trabalhar nas aulas.
Por isso, um bom ensino integrado é muito mais que a aplicação de uma determinada metodologia ou uma técnica. Pelo contrário, supõe não perder de vista as razões porque se opta por esta modalidade de trabalho curricular. Isto explica a preocupação dos professores que optam por esta filosofia pedagógica para criar condições, ambiente nos quais os alunos se sintam motivados para investigar, indagar e aprender. O desenvolvimento da inteligência, afectividade, sensibilidade e motricidade está condicionado pelas oportunidades de colocar em acção, implicar activamente as crianças em questões como a solução de problemas, planificação, desenvolvimento e evolução de projectos de trabalho, estudo de casos em torno de questões conflituosas ou críticas, etc.

(continua no próximo número)

Jurjo Torres Santomé
Universidade da Corunha (Galiza)

Jornal a Página da Educação nº 85 - Novembro de 1999, pg. 4


  
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Edição:

N.º 85
Ano 8, Novembro 1999

Autoria:

Jurjo Torres Santomé
Universidade da Corunha, Galiza/Espanha
Jurjo Torres Santomé
Universidade da Corunha, Galiza/Espanha

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