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TV de e Para Crianças

Em finais de Junho decorreu em Salonica, na Grécia, o Agora'99, um evento que juntou produtores de programas infantis de televisão, directores de departamentos infantis de televisão, investigadores da área, políticos e... crianças. Em praticamente todas as conferências e "workshops" do encontro se ouviu bater na mesma tecla: "É preciso ouvir o que as crianças têm para dizer" quando se trata de produzir e exibir programas infantis. Aliás, a própria investigação conduzida nesta área há já alguns anos que "ouve" as crianças. Através de questionários, do preenchimento de diários ou de discussões de grupo. Nada de excepcionalmente novo, a não ser no facto de pôr as crianças, fora do seu ambiente, a falar sobre coisas sérias para uma plateia de adultos, sendo colocadas ao mesmo nível dos "crescidos".

Num caso e no outro, é preciso não esquecer que os miúdos, por natureza, gostam de fantasiar. E, em muitos casos, essa tendência é ainda mais evidenciada quando percebem que lhes está a ser dado protagonismo. Sabe-se que, numa tentativa de não desiludirem aquilo que crêem ser as expectativas dos adultos, as crianças podem dar respostas e fazer comentários que, de facto, não correspondem àquilo que pensam e àquilo de que gostam.

Enquanto nos trabalhos formais se insistia na necessidade de "dar voz às crianças", nos bastidores havia quem se questionasse sobre as utilidade da participação dos mais pequenos neste tipo de eventos. A certeza que tenho é que se deve procurar saber as preferências dos jovens telespectadores para depois se procurar fazer uma "dieta" televisiva: programas educativos, informação, documentários, dramas, séries, animação, concursos. Ou seja, dar para consumo um pouco de tudo nas doses consideradas certas. Ou, pelo menos, o mais próximo possível daquilo que os inúmeros estudos consideram aconselhável, apesar de todas as críticas a que qualquer destas investigações sempre está sujeita.

Para além de jovens produtores e de crianças a falar entre si sobre estas coisas da televisão e dos programas que vêem e que gostavam de ver, o Agora'99 contou com a participação de duas pequenas apresentadoras de programas infantis/juvenis. Uma com nove anos que está no mundo dos "media" desde os três anos de idade e outra de 15 que só começou há um ano. A primeira foi, naturalmente, levada pelos pais para o mundo do vedetismo; a segunda fê-lo por opção própria. A primeira fala com entusiasmo do trabalho que faz na televisão; a segunda é muito mais cautelosa. A primeira adora ser reconhecida na rua; a segunda prefere nem falar em fama.

Agora a questão já não é a de saber de que gostam os miúdos e o que devem ou não devem ver na televisão. Trata-se de observar aquela minoria de crianças e jovens que se apresenta à larga maioria de gente da mesma idade, a minoria que serve de modelo e de ídolo à grande maioria. Existem leis que regulam este tipo de trabalho. Porque de um trabalho se trata, por muito que a miúda de nove anos encare isto como uma brincadeira que a torna na menina especial entre todas as meninas que conhece. A pequena apresentadora (que também ajuda a produzir a até a filmar programas) espanta-se quando lhe perguntam se ela sabe quantas horas por dia é que pode trabalhar de acordo com a lei e tendo em conta a sua tenra idade. Como se isso fosse importante... Para ela, importante é o gozo que tem com tudo aquilo e com o reconhecimento público.

A garota de 15 anos gosta dos documentários que apresenta e das entrevistas que conduz. São programas para jovens da sua idade. Com o que ela se espanta é com a idade em que a outra miúda foi levada para o mundo televisivo. Garante que não gostaria nada que os seus pais lhe tivessem feito o mesmo com a mesma idade. Defende que as crianças não deveriam ser expostas a este tipo de situação. Tem um discurso seguro e decidido sobre as desvantagens de se retirar às crianças o direito a uma infância normal. Mas fica cheia de dúvidas quando alguém lhe diz: "Sendo assim, nunca se veria nem na televisão nem nos jornais e revistas imagens de crianças...". Nem a apresentar programas, nem a desempenhar papéis em séries de ficção. E, se assim fosse, excelentes produtos televisivos nunca poderiam ser feitos...

Dar voz às crianças, sim. Mas, numa perspectiva de adultos, é fundamental enquadrar, encaminhar, ajudar a pensar. Não se pode esperar que crianças e jovens dominem assuntos tão complexos quanto este como qualquer profissional ou investigador.

Hália Costa Santos
Universidade Leicester/U.K.


  
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Edição:

N.º 83
Ano 8, Setembro 1999

Autoria:

Hália Costa Santos
Jornalista
Hália Costa Santos
Jornalista

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