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Enrique Nuñez - Profissão Jornalista

Enrique Nuñez
Vice-Presidente da Unión de Escritores y Artistas de Cuba (UNEAC)

"Como não? Claro que podes gravar a conversa... Também gosto assim de uma conversa, aberta... Sim, sou casado, tenho três filhos, sete netos. Já podia ser bisavô, tenho uma neta de 26 anos mas não quis ter filhos.
Tenho um neto que quer ser jornalista como eu. Nenhum dos meus filhos quis ser jornalista. Minha filha é advogada, meu filho mais novo é também advogado e o meu filho mais velho artista, compositor musical e cantor...
O meu neto que quer ser jornalista tem 25 anos, é psicólogo, terminou recentemente o curso universitário, está na investigação cientifica, mas gostaria de ser jornalista... Aliás já publica alguns artigos...
Eu comecei a ser jornalista profissional em 1949. Quem governava Cuba era a embaixada dos Estados Unidos... Onde estava na noite da Revolução? Estava em minha casa mas recebi a notícia imediatamente... Telefonaram-me a dizer-me que Baptista tinha fugido... Ele estava numa festa de fim de ano e saiu a correr... Essa recriação da fuga no filme do Padrinho anda muito próxima da realidade... Foi assim mais ou menos... Tem alguma ficção mas foi mais ou menos assim... Ele estava numa festa de fim de ano...
Na fuga acabou por vir até Portugal. Baptista fugiu primeiro para a República Dominicana, depois viajou até Portugal, mais tarde esteve nos Estados Unidos, mas creio que acabou por morrer em Portugal... Não tenho a certeza.
Em 1959? Eu nasci no 23, tinha 36 anos. Era uma homem quase maduro. Trabalhava no jornalismo e vivia bem. Eu era uma dos autores mais bem pagos de Cuba... Ganhava então 2.500 dólares mensais. Era um salário de alto executivo americano... Era escritor exclusivo da Colgate...
Perdi privilégios? Claro. Mas lutava contra Baptista e contra o regime e já tinha sentimentos comunistas... Vivia entre comunistas... Meu tio era tabaqueiro, comunista... Eu vivia bem mas o país não...
Fui sempre livre... Não posso dizer que o regime de Baptista me perseguia... Havia uma certa condescendência com o humor... E agora, na Revolução cubana? A crítica, na Revolução cubana, sempre foi livre... Eu continuei a escrever textos humorísticos, críticos. Não, não sou cartonista... Escrevo textos de humor e também escrevo textos para os bonecos de alguns caricaturistas e cartonistas...
Se conheci Hemingway? Sim. Via-o na Floridita. Não, não... não morreu em Cuba. Suicidou-se nos Estados Unidos. Sim, o barco dele está em Cuba. E o mestre do barco continua vivo, em Cuba. Já tem cem anos. O velho da novela... Ainda o vi há pouco tempo...
Eu recordo Hemingway da Floridita, tomando o seu daiquiri. Num calhou de o ver na Bodeguita... Viveu em Cuba antes e depois da Revolução. Foi amigo de Fidel e de Che...
Quando Che morreu? Cuba chorou quando soube da morte de Che e Cuba chorou agora quando troxeram os restos mortais... Foram momentos muito dolorosos... Ele foi ministro da Fazenda e presidente do Banco Nacional... Tinha os filhos na mesma escola dos meus, via-o todos os dias...
Fidel discursou três horas em Matosinhos? Bom, não foi o discurso mais longo dele... Ele tem discursos de sete e oito horas... Ainda recentemente num congresso de escritores de Cuba, discursos sete horas e meia de enfiada... Sem beber água...
Não creio que discurse tanto tempo com essa intenção de provar aos outros que está em forma física e intelectual... Esses discursos longos acontecem em reuniões com sectores que ele quer que entendam bem a política cubana... Além disso entusiasma-se ao discursar...
Sim, ele vê longe... Dois anos antes da crise soviética, ele disse, num grupo onde eu estava presente, que no caso da União Soviética desaparecer, Cuba seguiria sendo socialista... Os presentes olharam uns para os outros e pensaram que ele estava louco. Como iria a União Soviética desaparecer? Dois anos depois desaparecia a União Soviética... Quando Fidel atacou Moncada eu pensava que seria loucura lutar contra o exército, mas o tempo deu razão a Fidel... Várias vezes discordei, no momento, de decisões por ele assumidas, mas sempre tive de reconhecer, mais tarde, que ele tinha razão. Sim, conheço Fidel. Posso dizer que sou amigo dele e que ele é meu amigo. Ele é muito amável comigo Eu sou deputado na Assembleia Nacional e encontramo-nos algumas vezes...
Angola? Angola foi duro mas, para mim, foi um momento sublime da história de Cuba, na luta internacionalista. Uma das consequências de Angola foi a subida de Mandela à presidência da África do Sul. A situação de África mudou com a guerra em Angola... Sim, morreram muitos cubanos em Angola que, para a generalidade da população, são heróis de que nos orgulhamos... Todos eles, porém, foram para a guerra voluntariamente.
Que vai ser de Cuba depois de Fidel? Eu penso, sinceramente, que vou morrer primeiro que Fidel... De qualquer das formas a morte de Fidel irá provocar mudanças em Cuba. Cuba não será a mesma depois... Mas, na verdade, Cuba terá de se aguentar, de resistir. Se caisse seria uma desgraça internacional"

O interlocutor oculto desta conversa,
acontecida em Chaves, na Adega Faustino,
foi o jornalista João Rita


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 82
Ano 8, Julho 1999

Autoria:

Enrique Nuñez
Vice-Presidente da Unión de Escritores y Artistas de Cuba (UNEAC)
Enrique Nuñez
Vice-Presidente da Unión de Escritores y Artistas de Cuba (UNEAC)

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