Página  >  Edições  >  N.º 81  >  Doença e Disciplina

Doença e Disciplina

São relativamente frequentes as situações em que a doença dos professores, sobretudo do foro psíquico, acabam por ter um desenlace em sede disciplinar. Trata-se normalmente de casos de algum desequilíbrio e fragilidade pessoal / profissional, por razões de muito diversa natureza, mas que acabam por se traduzir em dificuldades no normal exercício das funções ou em desajustes no relacionamento com os órgãos de direcção, com colegas, com pais ou com alunos. Às vezes também com características ou consequências complicadas.
Umas das percepções que se perde, em tais casos, é a percepção de que já se está a perder a percepção das coisas ... Daí que haja normalmente grande dificuldade na auto-gestão dos problemas e na definição de uma estratégia pessoal de superação das situações que ocorrem.
O problema é que essas situações de manifesta doença, raras vezes reconhecida e dificilmente aceite pelo próprio, não são normalmente geridas de forma correcta pelos superiores hierárquicos, os quais acabam por empurrar a pessoa em causa para um enquadramento disciplinar dos episódios entretanto ocorridos. O que acaba por fragilizar ainda mais quem já se encontra diminuído até na sua capacidade de defesa, distorcendo completamente quer o direito à protecção da doença, quer mesmo o princípio básico da responsabilidade disciplinar, que é o princípio da culpa. Por outro lado, uma vez em sede disciplinar, o único recurso processual disponível traduz-se no incidente de alienação mental, o qual, além de habitualmente desadequado, por excesso, apenas cobre a situação de incapacidade mental para a organização da própria defesa processual.
Daí que se deva olhar com atenção para a norma que constitui o artigo 39º do regime jurídico de férias, faltas e licenças dos funcionários e agentes da administração pública, aprovado pelo Decreto-Lei nº 100/99, de 31/3. Aí se diz o seguinte: "Quando o comportamento do funcionário ou agente indiciar perturbação psíquica que comprometa o normal desempenho das suas funções, o dirigente máximo do serviço, por despacho fundamentado, pode mandar submetê-lo a junta médica, mesmo nos casos em que o funcionário ou agente se encontre em exercício de funções". Acrescenta-se que, em tal situação a submissão à junta médica se considera de manifesta urgência, podendo o funcionário, se o entender conveniente, indicar o seu médico assistente para integrar a junta médica.
Na medida em que estiverem previstas formas de controlar efectivamente este poder do dirigente máximo do serviço, evitando que ele possa constituir um exercício gratuito de exclusão compulsiva por razões alegadamente médicas, e também na medida em que as juntas médicas possam vir a traduzir uma instância com alguma seriedade e utilidade concreta que ultrapasse a simples certificação burocrática e administrativa, este pode muito bem ser um caminho adequado às situações em causa. Ao menos enquanto não conseguirmos construir um mecanismo mais bem acabado ...

Rui Assis
Advogado


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 81
Ano 8, Junho 1999

Autoria:

Rui Assis
Jurista
Rui Assis
Jurista

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo