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Rogério Fernandes em Entrevista a "A Página"

Ninguém pode ser bom professor se não souber como deve ensinar

Sou pela formação universitária para todos os professores (...)

(...) E penso que toda a formação tem de desembocar numa prática


Rogério Fernandes é professor universitártio, licenciado em Ciências Histórico Filosóficas pela Faculdade de Letras de Lisboa e doutorado em Educação (História e Filosofia da Educação) pela Universidade de Lisboa. Trabalha nas áreas de História e Filosofia da Educação, organização de sistemas educativos e política educativa. É o actual presidente do Instituto Irene Lisboa e autor de numerosa bibliografia, entre a qual "Os Caminhos do ABC. Sociedade Portuguesa e o Ensino das Primeiras Letras" (Porto editora, 1994), "Uma experiência de Formação de Adultos na I República. A universidade Livre para a Educação Popular 1911-1917" (Lisboa, Câmara Municipal de Lisboa). Professor da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação de Lisboa, foi professor visitante nas Universidades de São Paulo, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, na Universidade Metodista MacKenzie e na Universidade Federal de Minas Gerais. É coordenador do projecto Museu Vivo da Escola Primária, na cidade do Porto.

 

É possível, ainda que de forma genérica, caracterizar a evolução das práticas de formação de professores nos últimos quinze anos, mais concretamente desde a implementação da Lei de Bases do Sistema Educativo?

Não é fácil sumariar em poucas palavras o que tem sido a formação de professores em Portugal. A formação de professores passou por algumas transformações importantes. Uma delas é a criação das escolas superiores de educação, anterior à referência temporal a que aludiu, que trouxe um dimensão nova à formação dos professores do 1º ciclo e educadores de infância, em ordem àquilo que sempre se defendeu nas correntes democráticas de pensamento nacional: que a todos os professores devia ser dada uma formação superior. Hoje começamos a perguntar se essas mesmas professoras e educadoras de infância não deviam ter já uma formação universitária e não apenas superior. De qualquer modo deu-se um passo adiante, sem dúvida nenhuma, e a qualidade da formação melhorou.
Nas escolas superiores de educação talvez haja, hoje, uma dimensão menos próxima das práticas de ensino do que se verificava nas antigas escolas do magistério, em que a presença do professorado do ensino primário nos corpos docentes era mais visível. Nelas aparecem pessoas com formação em ciências da educação mas que não têm uma experiência directa da oficina que é a sala de aula do ensino primário. Há o verso e o reverso.
Mas isto não é mais do que o eco daquilo que tenho ouvido, porque acho que não há nenhuma investigação de campo que nos permita, de forma segura ou com alguma segurança, falar da formação ao nível das escolas superiores de educação, onde existe uma realidade muito diferenciada relativamente às práticas de ensino, ao nível do próprio ensino e das suas exigências. Havia que fazer uma análise mais ponderada.

Mas ela serviu para alterar práticas?

Eu tenho grandes dúvidas. Nem sequer para as constituir. Penso que na formação realizada nas escolas superiores de educação, a formação prática é justamente a mais descurada. É aquela que, no conjunto do curriculo, tem menos oportunidade de ser realizada. E a prática de ensino no 1º ciclo traduz-se numa aprendizagem que vai desde a iniciação à leitura até ao desenvolvimento da capacidade de ler com sentido e ao desenvolvimento de outras capacidades. Os formandos das ESE's precisam de chegar às escolas e aos centros de estágio à altura de tomarem parte neste processo. Nesse aspecto talvez haja uma imersão inferior à que seria desejável.
Mas tudo isto é dito com base intuitiva, através de impressões colhidas entre os colegas, mais do que sustentada em alguma investigação. Que, aliás, não conheço. Mas admito que haja escolas superiores de educação onde exista formação de qualidade e onde as pessoas estejam a aproveitar bem.
Podemos talvez agora colocar uma outra questão: como vai ou como está a ser feita a formação para os professores do 2º e 3º ciclos. E aí penso que se esteja a cavar uma separação, o que é um pouco prejudicial.
A tendência é para que a formação do ensino secundário se faça na base de cursos universitários e que o nível da formação do 2º e 3º ciclo possa continuar a realizar-se ao nível das escolas superiores de educação. De resto, a Lei de Bases do Sistema Educativo, infelizmente, foi apenas alterada nesse sentido. E essa decisão não me parece muito aceitável.
Na minha opinião, seria preferível que houvesse uma formação universitária para todos os professores. Pelo menos a partir do 2º ciclo do ensino básico. E nesse sentido creio que se está a aligeirar um pouco a formação desses professores, sob o pretexto de as componentes científicas não serem tão importantes quanto para o ensino secundário. Isso é um erro completo, porque essa dicotomia não existe e a formação científica é igualmente necessária num e noutro nível.
Mesmo ao nível do 1º ciclo, onde se devia rever em que medida e em que sentido é que os professores devem ter uma iniciação à ciência. O ministério da Ciência está, aliás, presente em alguns trabalhos interessantes na área da divulgação da prática científica entre os professores do 1º ciclo e isso vem mostrar que o terreno é susceptível de desenvolvimento.
Nós continuamos a ter uma concepção um pouco passadista do que deve ser o ensino no 1º ciclo. Há zonas da ciência e do saber que não se admitem facilmente que possam fazer parte da formação, e que, no entanto, podem e devem entrar nas escolas do 1º ciclo do ensino básico.

A especificidade da formação inicial teve em conta as mudanças que foram operadas no sistema educativo?

Terá tido em conta, mas os paradigmas que vigoram no ensino universitário vão mais no sentido de uma formação geral, académica e pedagógico-didática, que permita ao professor uma certa adaptação às situações. Essa formação na universidade não tende tanto a ficar "colada" a uma realidade historicamente situada - o que é hoje o ensino básico - (que é de nove anos, mas que ainda há pouco era de seis), e tende a ficar mais ao nível de uma formação geral que possa, depois, agulhar neste ou naquele sentido através de sistemas de formação permanente.
Mas o que eu gostaria de pôr em questão é que, muitas vezes, a formação ao nível das universidades não é, ela própria, muita ligada à alteração das práticas pedagógicas. Nas universidades subestima-se esse aspecto. Aliás, penso mesmo que nas universidades, de uma maneira geral, a contra gosto se aceita fazer a formação de professores.

Porque razão?

Porque as universidades estão geralmente vocacionadas para a investigação científica e para a ciência dita "pura". Nas faculdades de Ciências - por exemplo no caso de Lisboa, onde existe um Departamento de Educação que desenvolve um trabalho bastante bom em diversas áreas - tende-se a olhar as ciências da educação como as ciências ocultas.
Tem-se um conceito de ciência que adere apenas às ciências exactas e naturais e não às ciências sociais e humanas, onde o tipo de rigor e de exigência de demonstração é diferente. Essa constatação não é muitas vezes feita pelos professores das outras áreas científicas. O paradigma das ciências da natureza, da física, da química, da matemática, é que elas são entendidas como o paradigma da ciência, não admitindo que possa haver outras metodologias, outras concepções epistemológicas do valor da verdade, etc...
Nalguns casos, pergunto se a formação que é dada aos professores será realmente perspectivada no sentido da prática. E receio bem que não seja. É evidente que aceito o princípio de que a formação não deve colar-se estritamente às tarefas que o professor hoje desempenha, atendendo a que ele vai ter uma carreira que irá, pelo menos, durar alguns decénios. Não é possível, portanto, estar hoje a fazer uma formação que cubra todas as possibilidades futuras. Mas apesar disso penso que a formação tem de desembocar numa prática, nem que essa prática seja para demolir num futuro mais ou menos imediato, para transformar-se. Tem é de estar voltada para a realidade da escola.
Aliás, no departamento de educação da faculdade de Ciências de Lisboa, continua a haver uma cadeira que se chama Formação e Análise, na qual os alunos vão às escolas do 3º ciclo e secundário observar "in loco" como funciona a escola, quais as situações com que os professores se deparam, como é que as aulas evoluem, etc... Os alunos começam por ter uma certa imersão nessa área nas determinantes práticas do ensino.

Nesse contexto de reconstrução dos saberes da formação inicial, que papel é que pode ter a formação contínua?

A formação contínua é um outro facto pedagógico importante nesse período temporal que referiu, que foi marcado pelo sistema de formação contínua de massa de professores: o FOCO. Pela quantidade de professores abrangidos podemos afirmar que é um sistema massivo, mas que está muito longe de preencher os objectivos que são necessários.
Apesar da generalidade da actividade do FOCO ter a forma de curso, não tenho nenhuma objecção de princípio contra esse modelo. Mas penso que ele não deva ser exclusivo, e no caso do FOCO ele é praticamente exclusivo. Está-se agora a tender avançar para outras formas de trabalho, tais como os círculos de estudo, que custaram a entrar na realidade formativa portuguesa.
Mas não recuso, por princípio, o modelo curso. Ele pode ser um aspecto importante desde que as pessoas façam a escolha em função das suas necessidades de formação - nessas necessidades de formação entram inclusivamente as suas intervenções, curiosidades e interesses -; se os cursos não se transformarem em prelecções desgarradas das realidades vividas pelos professores; se estiverem centrados na prática da escola, na prática e na experiência dos professores, e constituirem mais um estímulo para que eles próprios reflictam e teorizem as suas situações em total liberdade, em função da informação que lhes é proposta por especialistas das ciências da educação. Nestas condições, não tenho nada contra os cursos.

Uma formação interactiva...

Sim, mas o que se verifica na prática é que, em regra, as pessoas não escolhem os cursos em função dos seus interesses e necessidades mas de determinações de carreira, e nesse aspecto reconheço que a ligação do FOCO à obtenção de pontos para progressão na carreira gera situações que não deixam alternativas ao professor.

Uma crítica indirecta ao modelo dos créditos. Considera que foi a melhor opção?

Eu penso que o sistema de créditos foi um recurso, mas não sei se foi o melhor. Porque há no fundo uma progressão automática. Isto acaba por reaparecer pela porta do cavalo. Isto é, é-se promovido se não houver nada em desfavor.
Fazer depender a progressão na carreira do sistema da formação pode gerar situações em que os professores, por uma questão muita justa de sobrevivência, das suas condições de trabalho, tenham de escolher uma vez um curso que não lhe interessa nada, apenas em função do crédito atribuído.
Nesse aspecto continuo a pensar que deviam ser oferecidas aos professores duas possibilidades: a possibilidade da progressão automática na carreira, no sentido em que cada um cumpre as suas obrigações profissionais e recebe um determinado número de pontos anualmente e se contenta com isso, e a possibilidade de o professor pedir uma avaliação extraordinária.

E aí sim, os cursos do FOCO poderiam aparecer ligados a essa avaliação extraordinária. Não porque dariam quaisquer pontos, mas porque se constituiriam como instrumento de formação com vista a essa avaliação. Uma instância de recurso. Não para um exame, mas para uma uma avaliação extraordinária, numa qualquer área de investigação, de pesquisa, de formação, na qual se investiria um, dois, três anos.

Numa sociedade e num mundo em transformação, que saberes profissionais e conhecimentos científicos devem fazer parte da formação da nova geração de professores?

Desde logo uma área de especialização académica-centífica. Ou na área da língua, ou da história, ou das ciências sociais, ou na área científica, nas ciências da natureza ou nas matemáticas. Deve ser uma componente muito importante na formação de professores.
Mas quando se fala de formação de professores costuma, por via de regra, pensar-se mais nas ciências da educação. E a didática? Penso que ninguém pode ser bom professor se não souber a maneira como deve ensinar. Ninguém ensina com clareza aquilo que não sabe. Há, portanto, uma parte de formação científico-académica, se se quiser, que é fundamental para os professores.
Mas há outras áreas do saber em que os professores devem ter uma cultura moderna, viva, que possam propôr aos alunos. Não apenas o senso comum. Em todas as áreas: da arte, da ciência, da cultura, onde o professor do 1º ciclo e dos ciclos seguintes secundário deve ter uma base cultural importante. Porque as crianças hoje estão submetidas a estímulos e a necessidades culturais muito superiores às do passado. Estou a falar das crianças que vivem num determinado meio sócio cultural e não de todas as crianças em geral, claro.

Que outras competências são exigidas? A psicologia, por exemplo?

Sem dúvida. Mas o que vemos hoje? Quando se dá psicologia dá-se quase sempre a mesma coisa: a psicologia do desenvolvimento, Piaget... como se os problemas dos adolescentes fossem os mesmos da infância. Não são. Deverá haver uma introdução à psicologia para todos os professores, mas com áreas de especialização. A psicologia, sem dúvida, mas igualmente a pedagogia, a filosofia da educação, a antropologia, a história da educação, nas suas relações com a sociedade. E tudo isto numa perspectiva democrática.
Tudo isso é uma área de grande reflexão em que não há receitas feitas, mas questões técnicas que hoje estão em discussão. Não é sair das escolas com meios cursos... E o professor precisa além disso de construir uma visão culturalmente nova do mundo.

Que formação social, cívica e política está associada a essa visão?

As escolas de formação e as escolas do sistema geeral de ensino deviam ter actividades práticas em que os alunos tivessem sobretudo oportunidade de participação, de intervenção, de fazer uso da cidadania. Os professores deviam ter essa preparação também. Não através de uma disciplina especial, mas através das actividades que desenvolvem na própria escola. Essa prática de uma vida democrática, de debate, de respeito pelas opiniões dos outros, tem efeitos formativos muito importantes. Os alunos reproduzem muitas vezes aquilo a que assistem na vida social, e a escola devia ser uma instância correctora.
Uma vez acompanhei um grupo de alunos da cadeira de Observação e Análise da faculdade de Ciências a uma escola secundária, em Lisboa, onde teria lugar debate (já não me recordo exactamente sobre quê) promovido pela associação de estudantes, na base das juventudes partidárias. E o que aconteceu? Só havia representação de dois partidos. Um representante de um terceiro partido levantou-se e protestou por não poder ter ido para a mesa.
Aqueles alunos estavam a reproduzir aquilo que se vê na sociedade adulta, porque creio que foi numa altura em que havia umas eleições em que um dos candidatos não aceitava debater senão a sós com a outra candidatura principal. Uma bipolarização. Como se os representantes das minorias não pudessem ter voz. É uma péssima lição anti-democrática.
A escola não deve dar doutrina, mas deve intervir nestes casos, tocar a sineta de alarme. Mas tudo isto através de uma formação informal, não através de uma disciplina. A Educação Sexual, por exemplo. Apesar de considerar que ela deve ser discutida nas escolas, sou frontalmente contra uma disciplina de educação sexual. De uma forma franca e informal, que não dê origem a ponto escrito ou a um programa com princípio, meio e fim.

Aborda-se frequentemente a questão da educação para os valores. Face a uma sociedade crescentemente alicerçada no pensamento único e na competitividade, que valores devem servir a escola e o quê que os deve determinar?

Penso que os valores devem ser construídos na própria escola. E construídos através da acção e do debate, através de um processo de participação activa dos alunos. Eu não posso impedir nenhum aluno de ser racista, mas posso esforçar-me por mostrar-lhe o que é o racismo e discuti-lo.
A escola não deve transmitir uma doutrina feita. As pessoas têm as suas próprias doutrinas, que trazem do ambiente familiar, da rua. Se um aluno se dirige ao professor, nada a opôr. Se ele pede a minha opinião eu dou-lha. Se me pergunta o que sou, eu digo-lhe o que sou. Mas não digo: "vais ser como eu". Penso que deve haver uma liberdade e
um respeito pelo pensamento do aluno, mas esse respeito não é a aceitação laxista de tudo
o que os alunos pensam. Isso é uma demagogia. Eles pensam erradamente muita coisa, tal como nós adultos.

Independentemente da opinião que cada um possa ter sobre a guerra na Jugoslávia e participação portuguesa, como é que se pode proclamar uma educação para a paz, para o diálogo, quando da parte dos governos surgem atitudes exactamente opostas?

É contraditório. Penso que as escolas portuguesas fariam justamente muito bem se pusessem o caso da Jugoslávia em discussão. Com pessoas que pudessem também informar, porque há muita desinformação, como há acerca de muitos outros casos de política internacional e até nacional. Penso que isso podia ser muito importante.
Mas temos de aceitar essa contradição como parte da história. As contradições na história não vão deixar de existir. E a escola no meio dessas contradições não pode ter uma posição de equilibrismo. A escola tem de tomar um partido: o dos valores humanos, da liberadade, da democracia, da justiça social. A escola pública, que por isso é a minha opção, terá de suportar a diversidade de opiniões, mas fomentar a crítica e sobretudo fazer com que não haja uma única visão dos factos. Sobretudo numa altura em que a informação é desvirtuada nos órgãos de informação.

A escola não será ingénua face às exigências de uma sociedade crescentemente competitiva?

É. A escola é ingénua face à sociedade competitiva, revelando-se incapaz, muitas vezes, de lhe fazer frente. A escola ignora sobretudo o problema da competitividade. Quando não a fomenta. Falou-me ainda há pouco da construção dos valores. Justamente entre competitividade e cooperação, entre solidarieddae e competitividade, temos dois problemas antagónicos. Vamos dicutir isso. O quê que a escola deve fomentar, incentivar?
Há mais de trinta anos, num colégio situado aqui bem próximo, fui convidado para ir a uma sessão de dicussão com os pais. E falou-se justamente da questão da cooperação e da competitividade. Eu defendi que a escola devia formar sobretudo alunos cooperantes. No final, um dos pais, mostrando a sua opinião e interpretendo a de muitos outros que se mantiveram em silêncio, respondeu-me que eu tinha todo o direito a ter essa posição mas ele tinha educado o filho para a competição, porque a sociedade onde ele iria viver seria competitiva. Todas estas questões deviam estar no centro da formação de professores.
E a sua questão permite-me abordar um outro aspecto do meu pensamento. A formação de professores não é uma questão meramente técnica. É uma questão filosófica, ética e política. Não de uma política partidária, mas é uma questão política. E penso que a nossa formação, no nosso país como em muitos outros países, é uma formação muito asséptica. Uma formação meramente técnica. As questões da actualidade, aquelas que "queimam os dedos", não nos tocam.
Impõe-se hoje uma formação que, tendo em conta a pluralidade de opiniões e os percursos de cada professor, estimule o debate. Mas um debate que não passe apenas pela nossa capacidade individual de o suscitar. Que seja uma forma de vida cultural da escola.
Uma escola de formação, como qualquer outra escola, devia ter uma espécie de secção cultural dos professores para discutir as coisas que aparecem e organizar debates, como é o caso da Jugoslávia, que é algo que ninguém previa. E os alunos irem eles próprios obter informação e dicutirem entre si, etc... Tal como, por exemplo, organizar uma acção de apoio humanitário a populações refugiadas do Kosovo ou de Angola. Há tantas oportunidades para fazer isso. Essa acção é também formativa. Não é só o discurso, é o acto.

Que simbioses se podem retirar da interacção entre a velha e a nova geração de professores?

Penso que o proveito pode ser mútuo. Os mais jovens terão uma outra vivência da escola, uma outra maneira de olhar a escola. Os mais antigos têm muita experiência. Cada um tem a sua imagem e o seu conceito de escola e do ensino. A educação é fundamentalmente ética. Assenta sempre num dever-ser. Por isso, julgo que essa interacção entre as equipas mais velhas e as mais novas pode ser mutuamente frutuosa e contribuir para a escola plural.

Mas essa interacção está realmente presente ou será mera retórica?

Penso que o chamado fosso de gerações já foi muito maior do que é hoje. Hoje há uma maior aproximação entre as pessoas. A minha esperança é que essas pontes de diálogo se estabeleçam. E a verdade é que perante certos problemas a classe docente, indenpendentemente da idade ou da situação hierárquica, une-se.
Veja por exemplo o que aconteceu agora em Inglaterra com a tentativa de fazer um sistema de retribuição dos professores com base no mérito. Um mérito que equivalia ao número de alunos com êxito na escola, como se isso pudesse depender exclusivamente do professor. A associação nacional dos professores de Inglaterra, uma estrutura sindical única, que já não fazia uma greve há trinta anos, ameaçou iniciar uma greve caso o governo não voltasse atrás com a proposta.
Aqui em Portugal passam-se coisas semelhantes, embora haja a tentativa de criação de sindicatos de licenciados e de não sei quê, que se revelam posições elitistas (qualquer dia temos um sindicato para os mestrados, outro para os doutores)...
Apesar de todas essas tendências que se manifestam, há hoje uma maior aproximação entre os professores do que havia há bem poucos anos. Uma maior presença dos professores na escola. Embora haja ainda um longo caminho a percorrer, porque a profissão docente é ainda, em muitos casos, uma profissão de recurso.
E trabalhar nas escolas não é fácil. E esse é um problema para o qual a formação se revela um pouco impotente e seja um tema ausente. É preciso olhar a escola como uma realidade social e o aluno como um ser social, e estudar muito bem que interacções que se estabelecem entre a escola, o meio, as famílias dos alunos. Esse trabalho implica que na formação do professor a sociologia da educação, ou a visão social da escola, chamem-lhe o que quiserem, deva ter um grande peso.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 81
Ano 8, Junho 1999

Autoria:

Rogério Fernandes
Professor Universitário. Presidente do Instituto Irene Lisboa (IIL)
Rogério Fernandes
Professor Universitário. Presidente do Instituto Irene Lisboa (IIL)

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