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Invadimos a Jugoslávia Para Bem do Voleibol

Editorial de Abril de 1999.

Os dirigentes do nosso voleibol estão orgulhosos. A nossa equipa, julgo que a feminina, vai finalmente participar num campeonato do mundo. A federação internacional da modalidade - não percebi porque - retirou deste campeonato a Jugoslávia e indicou Portugal para a substituir. "É o reconhecimento pelo nosso trabalho", afirma, convido, o "nosso" dirigente desportivo da referida modalidade.

Portugal tem assim mais um triunfo. O outro resulta de termos a nossa força aérea em tarefas de guerra a sério. De fado, os nossos três aviões que voam, estão empenhados na guerra que a NATO declarou à Jugoslávia.

Estes são problemas importantes a merecer conversa entre professores e alunos.

Por coincidência é neste clima de "grandes triunfos" que comemoramos os 25 anos da Revolução do 25 de Abril. Muitas organizações, a meu ver de forma ingénua, pedem às escolas que participem destas comemorações. Não percebem o real embaraço em que colocam os professores quando Ihes pedem que utilizem estas comemorações para afirmar os valores da liberdade, igualdade, justiça, respeito pela diferença, paz e fraternidade...

Estes 25 anos do 25 de Abril são vividos também com silêncios, constrangimentos, pudor e amargura de uns e despudor e oportunismo de outros. Neste Abril, o Pais vai assistir a comemorações várias. Os pragmáticos, os carreiristas, os hipócritas, os medíocres, os oportunistas e os camaleões, os fariseus da política e das religiões, os defensores-abertos ou encapotados das desigualdades sociais, os que distribuem milhões aos ricos e o rendimento mínimo garantido aos pobres, os que cobram zelosamente os impostos aos pobres e oferecem zelosamente o perdão das dividas ao fisco aos ricos estarão na primeira fila dos discursos comemorativos dos 25 anos do 25 de Abril. É a eles que as televisões, as rádios e os jornais ouvirão. Significativamente um ministro do regime fascista deposto em 25 de Abril de 1974, tutela, 25 anos depois, as Forças Armadas que iniciaram a revolução.

Mas os tempos que correm tem outros significados que não podemos ignorar. Pela primeira vez depois da sua criação em i949, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) declara guerra a um pais soberano europeu que não cometeu nenhuma agressão fora das suas fronteiras. É também a primeira vez, depois de 1945, que forças europeias atacam outro pais europeu soberano. Esta agressão militar foi considerada pelo Secretário Geral da OTAN, o Senhor Javier Solana, como um "dever moral". A guerra é apresentada à opinião pública mundial, e aos nossos educandos, como a única solução para sair de um impasse negocial sobre a paz e a coexistência pacifica dos cidadãos que habitam uma das regiões da República Federal da Jugoslávia, o Kosovo

Mas ainda mais significativo e embaraçoso para nós professores, a quem se pede que proporcionem a aquisição de valores às novas gerações, é o Cinismo, a hipocrisia, a precipitação, a política de dois pesos e duas medidas, a gigantesca manipulação da opinião pública mundial, que esta decisão e prática comportam Como proporcionar o desenvolvimento dos valores do que julgamos ser a civilização se os nossos governantes nos apresentam como solução para problemas tão delicados e graves o recurso às práticas que caracterizam a barbárie? Como pedir aos nossos alunos que sejam sérios e rigorosos se os que governam o mundo usam a mentira em todos os telejornais? Diz, por exemplo, o Sr Solana: «nós devemos impedir um regime autoritário de continuar a reprimir o seu povo na Europa». Se a medida for a mesma isto significa, por exemplo, que a OTAN terá de recorrer à força para impedir a Turquia de continuar o genocídio sobre os Kurdos. E como resolver as reivindicações de autonomia e de independência do outras minorias noutros Estados Europeus? Como agir na Espanha das regiões? E a Córsega e o governo Francês? E a Irlanda e o governo Inglês? Como explicar aos nossos educandos tanta contradição, tanta hipocrisia, tanta falta de pudor? Estamos nós professores condenados a mostrar aos nossos alunos, com base em factos reais, que os nossos políticos não passam de um bando de oportunistas e de patifes? Quando é que os políticos aprendem a medir o peso que os seus actos, palavras e práticas tem sobre a formação das novas gerações? Como convencer os nossos educandos do valor da Constituição e da Lei e da importância dos órgãos de soberania, se estes são os primeiros a desrespeitar a Lei e a desprezar a opinião dos cidadãos e dos seus representantes?

O nosso jornal e a nossa editora, a Profedições, têm dado uma atenção particular aos problemas da educação multicultural ou intercultural. É um dos problemas mais sérios com que os professores e as escolas se debatem nos nossos dias. É um problema da escola porque é um problema das sociedades e dos Estados. É um problema de civilização. É um problema deste nosso tempo em que largas massas da população se deslocam à procura de uma vida melhor. Não é um problema acabado, é um problema em desenvolvimento. Não é um problema que se resolva com mísseis e aviões inteligentes. Talvez se resolva, com muito trabalho, muito tempo e com a participação de muitas pessoas inteligentes.

No Kosovo existem problemas graves a resolver. O que é difícil de entender é como os Partidos Socialistas europeus embarcaram nesta solução violenta de Washington. Esperávamos mais da herança política destes partidos europeus. Infelizmente verificamos que, para eles, a política é a economia, esta são as finanças as quais não são mais do que o mercado. Temos de explicar aos nossos alunos que já não temos políticos. Os países são na sociedade pós-moderna governados por comerciantes que vendem tudo desde que a oferta obedeça aos presos do mercado (nalguns casos nem isso).

A empresa privada americana "Military Professional Resources Inc. (MPRI), formada por antigos oficiais do Pentágono, participou na organização do Exército de Libertação do Kosovo (UCK) transformando um "bando" de guerrilha num verdadeiro exército profissional. Foi esta mesma empresa que reorganizou e profissionalizou o Exército Croata e que treinou as "Forças Armadas da Bósnia". Não admira que os EUA defendam a independência do Kosovo. O negócio tem de progredir.

Quanto ao 25 de Abril de 1974 faz parte da história individual e colectiva do nosso pais. Espero que as novas gerações mandem às urtigas as comemorações, aproveitem a lição e preparem e realizem a próxima revolução.

José Paulo Serralheiro


  
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Edição:

N.º 79
Ano 8, Abril 1999

Autoria:

José Paulo Serralheiro
Professor e Jornalista. Director do Jornal a Página da Educação.
José Paulo Serralheiro
Professor e Jornalista. Director do Jornal a Página da Educação.

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