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Chegou o Terramoto

As aulas tinham começado à cerca de um mês, quando numa conversa com uma colega, questionei-a sobre a impressão que tinha da minha direcção de turma. Trata-se de uma turma do 11º ANO, e no presente ano, sou o professor de Técnicas Laboratoriais de Biologia.
A colega muito prontamente caracterizou, de forma bastante profissional os elementos da turma, focando aspectos, os habituais parâmetros avaliativos, atitude dentro das aulas, de onde salientou o facto de todos os elementos serem bastante interessados, mas que se distraem com grande facilidade...
No final quase que em jeito de confidência, referiu," há ali qualquer coisa que os condiciona em termos de aprendizagem... " "Estou sempre a apanhá-los a olhar lá para fora, como que a sonhar....", " no outro dia, e sem grandes constrangimentos, uma disse-me: o "Manel" já namorou com três raparigas da turma este ano, e uma delas fui eu...".
Em jeito de comentário questionei-a: "Será que eles sabem o que é isso?".
Ao que a colega concluiu: - Talvez andem a aprender!
Entretanto falei com outros professores. Alguns já possuíam resultados de testes e mostravam-se bastante apreensivos já que os resultados não coincidiam com o que se esperava destes alunos. Falei-lhes na distracção e todos corroboraram as minhas suspeitas.

Na aula, fui directo ao assunto e questionei-os sobre o facto:
- A final de contas o que é que se passa com vocês? Todos os professores se queixam da vossa distracção. Em casa também é assim? Não? Depois o estudo não resulta! (...) tenho que falar com os vossos pais.....
Muito rapidamente um dos mais extrovertido exclamou: - Não sabemos o que se passa connosco professor. Uma pessoa senta-se em frente aos livros mas não nos conseguimos concentrar.
Um outro confirmou e acrescentou que o pensamento, por muito que tentassem, fugia sempre para algo bastante mais agradável.
Começou-se a formar um crescendo de agitação e a inibição inicial rapidamente se desvaneceu. Era evidente a necessidade em falar do que se estava a passar com cada um. A insegurança destes alunos é enorme. Por um lado a responsabilidade de terem de alcançar os objectivos que se autopropõem atingir, ou que alguns dos seus pais pretendem que eles atinjam, mas isso são contas de outro rosário. Do outro lado e, sempre no lugar comum, "é agora que a vida começa a ser realmente bela, não a podemos deixar passar".

Ouvi-os durante algum tempo e resolvi intervir. Peguei num assunto que lhes é familiar e referi: "O chão treme como num sismo não"?
Ficaram todos em silêncio. Os seus rosto estavam tensos, e os pescoços hirtos viraram para mim os olhos tremendamente abertos e expectantes.
Através de um pequeno diálogo com eles relembrei o que significa um sismo. De uma forma muito simples, os tremores de terra, consistem em movimentos que ocorrem em zonas de falhas geológicas. Estes são frutos dos desequilíbrios que estes terrenos sofrem. Ao tremer, dá-se a dissipação da energia acumulada e os terrenos readquirem um novo estado de equilíbrio. A intensidade de um fenómeno deste tipo depende, de entre outros factores, da quantidade de energia acumulada.
Os meus alunos estão a sofrer um enorme terramoto. A libertação de energia necessária na busca do equilíbrio que lhes começa a ser pedido não decorreu de uma forma lenta e faseada, mas está a acontecer toda de uma vez. Foram apanhados pelo "Big-One". O chão foge-lhes debaixo dos pés, e eles não se sabem segurar, pois nenhuma das paredes lhes parecem ser suficientemente seguras.
Partilhei de forma muito breve com eles esta minha interpretação do caso. Um deles, e num tom pleno de emoção concluiu: "É isso mesmo professor, uma pessoa pára pensar um pouco, e sentimo-nos a ruir. Será que isso é normal?"
Tinha-se passado uma aula, e em jeito de remate respondi:
Deixem o chão tremer, mas não fiquem parados, dancem enquanto ele treme, caso contrário vocês podem cair.
Os sorrisos que se rasgaram nos seus rostos foram reveladores e deixaram-me um pouco mais descansado.

Arlindo Antunes de Sousa


  
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Edição:

N.º 75
Ano 7, Dezembro 1998

Autoria:

Arlindo Antunes de Sousa

Arlindo Antunes de Sousa

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