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José Maria Azevedo em entrevista a "a Página"

Precisamos de mais gente que se dedique à resolução dos problemas públicos

A regionalização é um incentivo à distribuição equilibrada

Regionalização pode ser caminho para a coesão e para a solidariedade

José Maria Azevedo, 41 anos, dos quais os últimos 12 ao serviço da Comissão de Coordenação da Região Norte (CCRN). Primeiramente ligado às áreas da educação e da formação, depois, e para além destas, também com responsabilidades no turismo e na cultura, e, finalmente, desde há dois anos e meio, director dos Serviços de Planeamento e Desenvolvimento - uma direcção de serviços que tem a responsabilidade de acompanhar e gerir algumas formas de incentivos à actividade produtiva, bem como a elaboração de relatórios que contribuam para o planeamento regional e de estudos diversos que permitam conhecer e combater as disparidades regionais que se manifestam em áreas como a cultura, a educação ou a distribuição do rendimento.
Antes de ingressar na CCRN, foi professor do Ensino Secundário durante seis anos. Mais recentemente concluiu mestrado em Ciências da Educação com um estudo sobre escolas primárias em meio rural, entretanto publicado («Os Nós da Rede. O Problema das Escolas Primárias em Zonas Rurais», Porto Editora, 1996). Desde há três anos, é representante da CCRN no Conselho Nacional de Educação.
Nas vésperas do referendo nacional à instituição de regiões administrativas no território continental, este não poderia deixar de ser o tema óbvio da conversa com «a Página». Até porque, "nós somos cada vez mais, e simultaneamente, da nossa família, da nossa terra, da nossa região, do nosso país e da Europa. A nossa identidade refere-se cada vez mais a espaços diferentes, e o espaço regional é um deles - um espaço de identificação no âmbito do espaço nacional. E não é por haver manifestações de pessoas a dizer que as regiões não são importantes que deixa de ter sentido pensar nisso".
Lançado o mote, aí está José Maria Azevedo em discurso directo.

"A regionalização não vai ser a salvação para todos os males, mas também não vai ser o caos que ameaçam que será.

Basicamente, será uma oportunidade de reformar a administração pública. E era bom que não a desperdiçássemos, porque há muitos anos que todos estamos de acordo em que a administração é demasiado centralizada e que é necessário mudar algumas coisas, descentralizando e envolvendo mais os municípios nas decisões. No entanto, o que se tem verificado é que essa reforma tem sido difícil de fazer.
Ora, eu creio que, antes de mais nada, a regionalização irá obrigar a que, por uma vez, se faça um conjunto de alterações. E digo isto, porque me parece haver quatro movimentos que, de alguma forma, poderiam harmonizar-se.
Por um lado, as entidades e instituições prestadoras de serviços deveriam tornar-se mais autónomas. No caso concreto da educação, as escolas, ou agrupamentos de escolas, devem ser cada vez mais autónomas. Para isso, acho que é preciso um maior envolvimento da sociedade na vida das escolas, mas, também, uma maior autonomia no exercício profissional dos professores. Isto, segundo o princípio da subsidiariedade, ou seja, exercer e resolver a um nível cada vez mais baixo aquilo que é possível, e não ser uma instância nacional a resolver o que pode ser regional, ou vice-versa. As escolas poderiam, só por si, resolver um conjunto de problemas cuja instância mais adequada para os resolver são elas próprias.
Paralelamente, os municípios devem reafirmar a sua capacidade para assumir mais competências na área da educação. Há muitas coisas que dizem respeito à rede escolar, aos transportes, aos equipamentos - a tudo o que sejam condições infraestruturais -, que poderiam ser assumidas a nível municipal. Para isso, seria importante desenvolver os conselhos municipais e os conselhos locais de educação como órgãos fundamentalmente consultivos e que podem apoiar a autarquia no desenvolvimento dessas capacidades e competências.
Por outro lado, a criação das autarquias regionais irá favorecer o desenvolvimento de projectos específicos. Por exemplo, se, porventura, for criada uma região em Trás-os-Montes e Alto Douro, eu estou a imaginar que o problema dos professores mais isolados, ou a tentativa de os fixar em determinadas zonas por uma série de anos, vai obrigar ao lançamento de programas específicos para apoiar e incentivar a sua permanência.
Finalmente, o quarto movimento é a reforma da administração pública desconcentrada, que precisa de levar um abanão".

Os assuntos são resolvidos no labirinto dos corredores

"Estes quatro movimentos - mais autonomia das escolas, maior envolvimento dos municípios, criação das autarquias regionais e reformulação do aparelho periférico da administração do Estado - são, parece-me, as maiores vantagens da regionalização, para além da correcção de assimetrias entre os diferentes espaços regionais.
Correcção que pode ser feita com base num fundo de coesão nacional para as regiões, tal como já existe um Fundo de Equilíbrio Financeiro para as autarquias locais. Ao aprovar o Orçamento de Estado, a Assembleia da República aprova uma determinada fatia para as regiões e decide qual é a base em que é distribuída. É evidente que Entre Douro e Minho ou Lisboa e Setúbal - regiões mais pesadas, com mais gente e problemas muito complexos - terão, à partida, um maior volume de apoio, mas não duvido que Trás-os-Montes e Alto Douro ou a Beira Litoral terão um financiamento "per capita" muito maior do que as outras duas.
Entretanto, ao contrário do que, às vezes, se pensa - que haverá mais conflitos, que cada região puxará a brasa à sua sardinha -, acho que as regiões vão dar maior visibilidade a problemas e tensões sociais que já existem, embora de forma camuflada. Porque temos aquilo a que alguns chamam um "Estado labiríntico", é nos corredores que se resolvem alguns problemas; é quando se elabora o PIDAC que, à última hora, aparece um senhor deputado a meter um projecto...
Portanto, as pressões e a discussão já existem, mas necessitam de ser mais explicitadas e trazidas para o espaço público, e parece-me que a escala regional é óptima para se fazer essa explicitação e a negociação de prioridades. A democracia e a política fazem-se com base na negociação e na procura de consensos em que uns ganham umas coisas e outros ganham outras - o que está mal não é esta negociação, é ela não ser feita de forma visível e democrática".

Problemas diversos

"Os problemas que existem não são apenas de dinheiro, mas também de processos. A experiência pessoal diz-me que a escala municipal é demasiado pequena para resolver algumas questões e que o nível central é demasiado grande para solucionar outras. Por exemplo, nós temos estradas de competência municipal e outras, claramente, de responsabilidade nacional. Mas também temos imensas estradas regionais, nomeadamente as que ligam cidades do interior, com as quais a Administração Central acha que não deve perder tempo e que, por outro lado, escapam aos municípios.
O mesmo acontece em relação ao ensino. Enquanto que, na minha opinião, os municípios podem responsabilizar-se pela rede escolar de Ensino Básico - desde que obedeçam a um determinado tipo de critérios -, já no que diz respeito ao Ensino Secundário e à rede de escolas profissionais, ou de formação pós-profissional, acho que a escala regional é óptima para decidir e planear, uma vez que há aspectos que extravasam o nível concelhio.
Mas, para além de um problema de escala, há também um problema de natureza política. Basta pensar que, apesar de termos boas experiências de associações de municípios, há sempre um momento em que cada autarca tem de responder perante os eleitores do seu concelho. E quando tem preocupações regionais que ultrapassam os limites do seu município, ele começa a pensar que, em última análise, está a ocupar muito tempo com essas preocupações e a dedicar pouco àqueles que o elegeram, perante os quais responde.
Por isso, acho necessário um nível com alguma responsabilidade política, ainda que as suas atribuições sejam de natureza administrativa, e não de soberania, de lançamento de impostos ou de produção de leis específicas - as regiões não têm esses poderes, e nesse sentido se diga, frequentemente, que não são políticas. Eu prefiro dizer que são instâncias político-administrativas: administrativas, porque têm funções de direcção da administração pública; de cariz político, na medida em que são eleitas. E os eleitos respondem pela resolução dos problemas à escala regional".

Legitimidade política

"A experiência demonstra ainda outra coisa. É que nós já temos serviços desconcentrados - educação, formação profissional, economia, planeamento, ordenamento do território, ambiente -, mas não temos uma coordenação desses mesmos serviços.
Inicialmente, pensou-se que as comissões de coordenação regional poderiam exercer essa função, mas rapidamente se foi percebendo que não tinham legitimidade política para o fazer. Ora, uma Junta Regional terá como função a coordenação desses serviços, pondo a educação a dialogar com a formação profissional e a economia.
Não é que eu acredite que se passe imediatamente para o reino das mil maravilhas, mas é uma oportunidade, e há condições para tentar ligar coisas que andam descosidas. Aquilo de que se fala como sendo desenvolvimento integrado não é apenas os ministérios trabalharem uns com os outros; é as pessoas, a nível local, trabalharem umas com as outras, é ligar a criação de emprego com a melhoria das condições de vida, com a criação de infraestruturas, com uma dinâmica cultural; é ligar tudo isto.
Este trabalho é tanto mais possível quanto houver um órgão com legitimidade política para coordenar. O que, neste momento, não existe, porque cada sector, cada direcção regional, cada delegação e cada departamento responde perante o seu próprio ministério, em Lisboa, e não perante alguém com legitimidade a nível regional. Neste sentido, parece-me que a regionalização será uma oportunidade para mudar alguma coisa, nomeadamente para coordenar e responder mais directamente aos problemas que são de um território e para os quais os municípios não têm competência, nem vocação".

Explicitar negociações

"As regiões serão espaços que permitirão resolver melhor alguns problemas. Estou convencido de que o Estado pode trabalhar melhor e dar respostas mais directas, mesmo funcionando com o mesmo dinheiro - e distribui-lo de uma forma mais equilibrada, porque, de facto, é mais ou menos óbvio que os investimentos se têm concentrado em determinadas zonas do país.
O que eu acho que, em determinadas circunstâncias, até seria aceitável. Há razões nacionais, como a Expo, que poderiam justificar a concentração de investimentos, desde que numa base de negociação e com a salvaguarda de que chegaria a hora de outros, de quando e para que chegaria. Mas seria necessário que isto ficasse explícito e não fosse reduzido a uma guerra Porto-Lisboa, porque uma das coisas que tem envenenado mais o processo da regionalização é transformar isto num Porto-Benfica.
Fundamentalmente, eu acho que a regionalização vem evidenciar que Portugal é um todo, que não é apenas a Madeira que tem o direito de reivindicar. Aliás, estou convencido de que a existência de regiões administrativas no continente porá alguma moderação nas formas de reivindicação das autonomias, porque se uns invocarem a sua insularidade, outros invocarão a sua interioridade e outros a sua capitalidade...

Mas todos terão direito de invocar os seus problemas.

Racionalidade administrativa não é prerrogativa do centro

"O que eu acho é que nós temos medo. Todos temos medo. De mudar, do que pode vir aí...
Isto não quer dizer que o contrário - não ter medo e entrar em aventuras - é que é bom. Não se trata de aventureirismo, mas de estarmos abertos à possibilidade de outras formas de resolver os problemas e de percebermos que a sociedade é cada vez mais complexa, exigindo, por isso, respostas mais complexas; perceber que acrescentar mais um nível de decisão não aumenta, necessariamente, a confusão, e que, pelo contrário, pode ajudar a resolver melhor os problemas.
E eu falo por experiência própria. Às vezes, há duplicação do trabalho que nós fazemos aqui, porque depois tem de ser feito outra vez em Lisboa. Outras vezes, há uma concepção de que a racionalidade é prerrogativa do centro, que só a Administração Central tem estratégia e sabe programar - ou seja, desvalorizam-se capacidades que estão distribuídas por todo o país e, sobretudo, não se desenvolvem muitas dessas capacidades de reflexão, de planeamento e de estratégia nos diferentes espaços...
Por outro lado, é frequente a ideia de que o caciquismo é um fenómeno unicamente local. Não é.
Eu entendo que o caciquismo é a utilização das fórmulas democráticas para comportamentos não muito democráticos e que, enquanto tal, existe em todos os níveis e em organizações de vária índole. Nesse sentido de, com base em procedimentos democráticos, se manifestarem atitudes não democráticas, custa-me ver sempre associado o caciquismo ao nível local, como se a nível central não houvesse práticas caciquistas.
Podem é ser um bocadinho mais polidas e estar lá longe, mas não sei se, às vezes, não valorizamos demasiado os defeitos de ver mal ao perto e esquecemos o ver mal ao longe; não sei o que será mais grave para a resolução dos problemas..."

Reforçar a cidadania

"Para além de possibilitar a reforma da administração pública e a correcção de assimetrias espaciais, a regionalização poderá constituir uma oportunidade muito boa para o reforço da cidadania e da participação democrática.
Ao contrário do que muitas vezes se ouve dizer, considero que não precisamos de menos políticos; nós precisamos de mais políticos, de mais gente que se dedique à resolução dos problemas públicos. Podem dizer-me que precisamos de melhores políticos, que neste momento já merecíamos melhor classe política do que a que temos... Não sei, é uma questão um bocado complexa. Agora, o que acho é que, se houver mais gente a participar, e sem que isso signifique, necessariamente, uma grande sobrecarga de custos, todos ganharemos, porque as regiões vão mobilizar para a política e para a participação na resolução dos problemas comuns algumas pessoas que nem estão no Poder Local, nem na Administração Central.
E eu acho que isto é um enriquecimento da sociedade, ao contrário do que alguns pensam. Para esses, pelos vistos, o que era bom era haver um governo que decidisse tudo e que, pretensamente, não houvesse conflitos - se não houvesse quem tivesse legitimidade para expressar os problemas, alguém decidia por todos, e não havia confusões".

Custos devem ser pensados em função dos benefícios

"Em relação aos custos, há que distinguir duas coisas.
Uma, são as despesas de investimento. E aí gastar-se-á, mais ou menos, conforme os quantitativos que o Orçamento de Estado canalizar para as regiões. Se, por exemplo, houver verbas do Quadro Comunitário de Apoio que estejam regionalizadas, serão as regiões a gastar esse dinheiro. Mas gastam-no em estradas, em saneamento, etc., e se o gastam as regiões já não o gasta o nível central. Em relação a isto, acho que é uma questão de saber se não será mais eficiente a gestão regional de alguns programas - e a experiência mostra-nos que, normalmente, ela é mais rápida, directa e eficiente.
Outra coisa, é a administração propriamente dita, e o que se tem acentuado são os gastos com os políticos. No entanto, se fizermos contas à redução dos governadores e vice-governadores civis - que passam de 18 para oito - e à extinção das comissões de coordenação, veremos que as juntas regionais não provocarão um aumento significativo das despesas. E quanto aos membros das assembleias regionais, eles não terão ordenado; não são profissionais, vão apenas a reuniões quatro vezes por ano, para decidir o plano de actividades, fazer relatórios e aprovar determinados tipos de coisas.
Obviamente, admito que, se formos para o modelo das oito regiões, a instalação de três novos serviços implicará um acréscimo de custos. O que é muito relativo, porque esses custos têm de ser pensados em função dos benefícios que advêm para as populações. E, se pensarmos bem, todos temos perfeita consciência de que há áreas - como, por exemplo, o ensino nocturno ou a saúde - onde ocorrem imensos desperdícios de dinheiro. Ora, desde que seja para servir melhor as pessoas, parece-me que é possível poupar em alguns sítios e gastar mais noutros. E não me parece que, à partida, os gastos administrativos com as regiões sejam muito pesados - são muito menos do que aquilo que se gasta noutras áreas, com muito menos eficiência e muito menos resultados públicos. Em todo o caso, as assembleias regionais não ficarão completamente livres de fazer o que lhes apetece. Os seus limites e competências ficarão sempre enquadrados por leis da Assembleia da República - uma lei das finanças regionais, a definição do estatuto dos eleitos regionais, as questões de pessoal, etc.
Há, contudo, um problema que reconheço, e que admito seja um perigo. É que nós temos a tendência de mudar coisas, justapondo-lhes outras, novas; é da nossa tradição criar o novo sem acabar com o antigo. E aquilo que pode acontecer é que, também neste processo, andemos a criar novos organismos, mantendo os que já existem. Mas, também neste aspecto, eu vejo que a regionalização poderá ser a oportunidade para mexer onde sempre desejamos mexer e onde nunca o conseguimos fazer".

Definir responsabilidades

"Não me passa pela cabeça que tudo o que diz respeito a currículos escolares, às questões do estatuto de pessoal docente e não só, à circulação das pessoas através dos concursos nacionais, etc., seja regionalizado. São questões que têm de estar definidas, e bem definidas, a nível nacional - aliás, se os serviços centrais do Ministério da Educação estivessem menos preocupados a decidir onde vai ser uma escola e a interferir em processos que são, fundamentalmente, de escala local ou regional, teriam mais disponibilidade para produzir legislação mais perfeita e adequada às necessidades.
Admito, no entanto, que algumas áreas pedagógicas, de acompanhamento, de avaliação e, no caso extremo, de inspecção, sejam tuteladas a nível nacional. Agora, tudo o que é administração e gestão do sistema, que seja definição de prioridades (planos de construções escolares, formas de promover a colaboração entre instituições de ensino e as actividades económicas, ...), tudo o que seja desenvolvimento de projectos específicos, são exemplos de competências ou atribuições que, a médio-prazo - porque este vai ser um processo gradual; não passa tudo de imediato para as regiões - deverão passar claramente para o nível local ou regional".

Vai haver mais gente competente para decidir

"Estou convencido de que, pela sua própria natureza, os serviços regionais vão exigir uma descentralização de competências e de níveis de decisão. Nas regiões vai ter de haver mais gente competente para decidir em determinadas matérias. Só por isso, quase diria que a regionalização é um incentivo à distribuição equilibrada, por todo o espaço regional, de quadros e pessoas que têm de participar nesses níveis de decisão.
Por outro lado, a região será sempre uma instância de promoção de programas de captação de investimentos e de projectos de formação, de desenvolvimento da actividade económica, de criação de emprego... Quando temos uma economia que tende tanto à concentração e à polarização, é termos aqui a valorização de outras formas que tentem contrariar esse fenómeno e uma lógica mais distribuidora, de maior equilíbrio entre os diversos espaços. Eu entendo que o espaço regional será um espaço fundamental de articulação e de promoção de competências e, necessariamente, também da formação.
Não são precisas as regiões para isso, mas eu creio que, por exemplo, se houver um serviço - neste caso, uma junta regional - tão responsável pelas escolas secundárias como pelos centros de formação profissional, esse serviço promoverá uma maior colaboração entre as diversas áreas. Ou não será verdade que já temos centros de formação profissional com excelentes instalações e que não são utilizados tanto como poderiam ser? E que, ao lado, temos escolas secundárias que poderiam aproveitar muito mais a existência dessas instalações, nomeadamente para a formação técnica e a formação específica em determinadas áreas?
E isto acontece porque há pouca maleabilidade, porque há uma cultura de cada um responder nos seus canais - local, desconcentrado, nacional - e não ligar aos parceiros do lado, com os quais poderia trabalhar. Ora, tanto ao nível de equipamentos como das actividades de formação, poder-se-ia ter uma lógica de maior colaboração, de maior integração.
Nos nossos serviços desconcentrados, responde-se perante sucessivas hierarquias, que, de uma forma ou outra, vão sempre dar à Administração Central. Se houvesse uma junta regional com legitimidade para exigir, passaríamos a responder perante uma forma mais articulada de responsabilidade, e não unicamente perante Lisboa".

Uma capital, uma língua, uma bandeira, um hino

"Eu acho que as regiões não vão dividir o país. Pelo contrário, acho que têm possibilidade de o unir, embora assumindo que há especificidades - porque, apesar de ser muito pequeno, Portugal tem no seu seio realidades e situações de oportunidade face ao desenvolvimento muito diversas; a oportunidade de desenvolvimento de uma pessoa que está em Bragança não é igual à de outra que está em Lisboa ou no Porto; as oportunidades reais de emprego são muito diferentes, e o mesmo se passa com os níveis de rendimento. Esta diversidade do real português existe, e o explicita-lo não é um mal; acho que até é um bem, podendo partir-se daí para uma maior capacidade de trabalhar a solidariedade nacional e entre as regiões.
O que acho perigoso para a coesão nacional é a desigualdade, é as pessoas sentirem que são tratadas de forma diferente, são as tensões bairristas e populistas. A regionalização não vai exacerbar isto; pelo contrário, vai criar condições para dar expressão política e expressão pública a essas tensões, permitindo uma maior coesão nacional. O que divide os portugueses, repito, é mais o sentimento de que as possibilidades e as expectativas não são iguais para todos - e se eu acho que a regionalização não vai trazer igualdade de expectativas para todos, também estou convencido de que vai possibilitar, em algumas áreas, uma pouco mais de equilíbrio.
Portugal não se vai dividir; não vai ter oito capitais. Nós temos apenas uma capital, uma língua, uma bandeira e um hino. Vamos ter sedes de serviços regionais - que as assembleias regionais decidirão onde vão ser instalados - e vamos ter uma maior expressão daquelas tensões, tentando discutir uns com os outros como é que os recursos públicos são utilizados para reduzir essas diferenças, ou não. Por isso me parece que a regionalização pode ser um caminho para a coesão e para a solidariedade.

António Baldaia (entrevista)


  
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Edição:

N.º 73
Ano 7, Outubro 1998

Autoria:

José Maria Azevedo
Comissão de Coordenação da Região Norte (CCRN)
José Maria Azevedo
Comissão de Coordenação da Região Norte (CCRN)

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