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'Tricanizando' Coimbra

em vésperas de Queima e de outras mudanças

(...) O cheirinho heróico dos velhos lusitanos,
toadas mouras, lamentos judios,
e a ternurenta melancolia da negritude,
deram este ribeiro de muitas águas,
com a sua natural obediência ao sol e à chuva,
que, o mesmo é dizer, à tristeza e à alegria.(...)

A Secção de Fado da Associação Académica de Coimbra apresentou ao público mais um disco que resulta do seu trabalho de recolha e pesquisa sobre a música tradicional portuguesa. A apresentação aconteceu no Teatro Académico de Gil Vicente, em Coimbra, e esteve a cargo de Pedro Lopes, presidente da Secção de Fado, e do Dr. Jorge Gomes, um dos músicos responsáveis pela produção deste disco.
'Olhar Coimbra' é o nome deste projecto, que versa sobre a música tradicional de Coimbra que ultrapassa o cariz académico e pretende mostrar a essência da música de Coimbra. Conta com as participações de Maria de Lurdes Garcia, como solista, acompanhadas pelas guitarras de Jorge Gomes e António Ralha, pela viola de Pedro Lopes, o cavaquinho de Jorge Pessoa, António Oliveira na viola-baixo e Isabel Simões Pinto na flauta transversal.
A produção esteve a cargo de Jorge Gomes e Pedro Lopes, acompanhados por João Moreira como técnico de som. Este trabalho discográfico já ao dispor do público, teve os apoios do Ministério da Cultura (Direcção Regional da Cultura do Centro), da Câmara Municipal de Coimbra e do INATEL.
Este disco, como nos referiu Jorge Gomes, tem sobretudo o interesse de permitir que as futuras gerações de músicos o possam consultar e a ele recorrer como uma referência para futuros trabalhos de recolha e pesquisa musical, neste campo específico que é a música tradicional de Coimbra.
Também a este disco se referiu Manuel Louzã Henriques, deixando-nos o testemunho que a seguir transcrevemos: 'Àquilo que, de uma maneira ou de outra, se vai chamando FADO, desaguar vieram várias e desvairadas coisas, que também em vários e desvairados tempos se cozeram e assentaram no caldo labrego que somos, além de cozer a laboriosa tessitura dos mal vestidos. Coisas de antanho serão algumas, que trovadores perderam, outras sem nome, que o Povo (de muitos Povos) achou, e até a presença de mares e marés, com ressonância de praias, longes terras e não menos longes gentes. O cheirinho heróico dos velhos lusitanos, toadas mouras, lamentos judios, e a ternurenta melancolia da negritude, deram este ribeiro de muitas águas, com a sua natural obediência ao sol e à chuva, que, o mesmo é dizer, à tristeza e à alegria. À beira-Munda (à beira-Mundo) também a rapaziada do solstício (sob a égide de João, o Baptista) fez fogueiras e cantigas, canções que tinham sabor, o da voz das raparigas.
O Grupo, o testemunho aqui presente, teve a coragem de tricanizar este fado, fazendo jus às mais lindas vozes da nossa terra (pese-nos alguma relutância doutoral) ñ que eles não tinham banco nem lugar na Alta Escola, antes escola da vida, que também é sábia e sóbria. Hoje têm espaço e lugares neste lugar. Hoje acrescentam coração ao coração destas coisas.'

Manuel Portugal (colaborador do Jornal de Coimbra)
com um acrescento saido do coração de Manuel Louzã Henriques
Texto promocional do trabalho discográfico
da Secção de Fado da Associação Académica de Coimbra 039 820814


  
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Edição:

N.º 68
Ano 7, Maio 1998

Autoria:

Manuel Portugal
Jornalista, RTP
Manuel Portugal
Jornalista, RTP

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