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Feira do Livro

a aposta renovada de mais leitores

Todos os anos, quando Maio é chegado, aí está a Feira do Livro em Lisboa e no Porto, e depois um pouco por todo o País, numa louvável iniciativa de renovar a aposta de haver mais leitores, fazer a divulgação do livro, estimular sobretudo o gosto pela leitura, ainda e sempre como forma de valorização cultural, social e humana. Sim, é o modo mais directo de contacto entre o leitor e o livro, ali mesmo diante dos olhos e ao alcance das mãos, sem pedir licença a ninguém, num diálogo renovado de comunicação a vários níveis, mas acima de tudo no desafio contra a inércia ou falta de hábito para manusear um livro, lê-lo até ao fim, nesse direito de todo irrecusável de o pôr de lado ou não levar o prazer até ás últimas páginas. Mas, entre todos os direitos possíveis de um bom leitor, há sempre um mandamento que se deve impor que é o 'direito de não ler' que se associa a um outro que não deve permitir nunca que se 'salte as páginas'.
Sabemos e repetimos que em Portugal se lê muito pouco e isso nos espanta quando comparamos esses números com os dos países que são hoje nossos parceiros da Comunidade Europeia. Porquê? As razão são múltiplas e variadas, mas assentam desde sempre nos baixos índices de educação básica e na ausência de um verdadeiro estímulo pela leitura e conhecimento geral da leitura que se ganha e nunca se perde. Sabemos das campanhas de difusão do livro, das periódicas feiras do livro, das bibliotecas fixas e itinerantes, do interesse de uma rede pública de bibliotecas que se têm intensificado um pouco por toda a parte e ainda os apoios das autarquias no domínio das bibliotecas municipais, das muitas conferências, encontros e debates nas escolas - sim, tudo isso tem sido feito para intensificar os meios de aproximação entre o leitor e o livro, mas sem que se verifique uma verdadeira ligação que acabe por dar melhores frutos.
E, então, que fazer? Elaborar talvez uma profunda a actuante campanha de promoção do livro, que seja constante e galvanizador, utilizando como se impõe os meios audiovisuais de maior impacto (sobretudo, a Televisão, estatal e privada) para se concretizar de forma interligada essa base de comunicação entre os três vértices da cadeia: o escritor, o editor e o leitor. Mas tudo isso bem orquestrado (sem os falsos recursos à Internet que parece não adiantar muito quanto à divulgação de obras e de autores, porque se lê um resumo e logo se fica com a convicção de ter lido o livro todo, não é?), sob a tutela e o claro empenhamento do Instituto do Livro e das Bibliotecas, que tenha como função primordial fomentar e estimular o gosto pela leitura. E depois? Uma verdadeira política cultural que coloque o livro a preços realmente acessíveis e difundir esse gosto e prazer de leitura para que as pessoas/leitores se sintam motivados para comprar um livro como adquirem hoje, por vezes a preço mais alto, uma cassete de filme policial ou de violência gratuita ou mesmo um programa musical de Marco Paulo ou de qualquer música 'pimba'.
Por isso, quando todos os anos aparece a Feira do Livro é inevitável que se coloque a questão de saber se o livro continua a ser (ainda) um objecto de consumo corrente. E sabe-se que não, porque basta atentar nas tiragens médias das edições em Portugal para se entender que o livro é quase encarado como um 'objecto de luxo', ao alcance de muito pouca gente. Mas as Feiras do Livro, com o seu sentido dinâmico de divulgação, consegue num período de três semanas trazer o livro para as ruas e de algum modo contribuir para que se faça o milagre da multiplicação, mas sem estender esse gosto da leitura pelos outros meses do ano. No entanto, sabemos todos como assim vai cumprindo a sua missão: colocar o livro em espaços abertos, sem nenhum compromisso e sem esse olhar desconfiado de quem não tem o hábito de entrar nas livrarias. Tudo na Feira se olha e se folheia, compra-se ou não o livro que está à mão, quase pede que o levem para casa, para o recanto da sala, não para ficar aí silenciado, mas para ser lido, apreciado ou recusado. Mas é sempre bom entrar numa casa e ver um livro, dez livros, cem livros, muitos e muitos livros.
Por isso, nesta espécie de elegia em favor da leitura, não resistimos em pedir aos leitores que pela Feira do Livro em Lisboa (Parque Eduardo VII) ou no Porto (Pavilhão Rosa Mota) procurem por todos os'stands' alguns destes livros que recomendamos e são de escritores portugueses deste século que, de um ou de outro modo, estão esquecidos ou não são de leitura frequente. Mas uma coisa lhes garanto: se os encontrarem, os leitores terão a certeza de que não redescobrirão nenhuma espécie de literatura descartável (de ler e deitar fora) e antes devem guardar esses livros para uma releitura que não deve demorar.
Aqui fica, pois, a nossa sugestão, sem que a sua ordem queira significar qualquer espécie de preferência:

1. Os Pescadores / Raul Brandão
2. Solidão / Irene Lisboa
3. Maria Adelaide / M. Teixeira-Gomes
4. Sedução / José Marmelo e Silva
5. O Espectáculo do Mundo / Manuel do Nascimento
6. As Imagens Destruídas / Faure da Rosa
7. Uma Aventura Inquietante / José Rodrigues Miguéis
8. Esteiros / Soeiro Pereira Gomes
9. O Muro Branco / Alves Redol
10. Os Passos em Volta / Herberto Helder.

Serafim Ferreira


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 68
Ano 7, Maio 1998

Autoria:

Serafim Ferreira
Escritor e Crítico Literário, Lisboa. Colaborador do Jornal A Página da Educação.
Serafim Ferreira
Escritor e Crítico Literário, Lisboa. Colaborador do Jornal A Página da Educação.

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