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Alguns parágrafos sobre dois acontecimentos do mês anterior

1 - Nacional

A semana presidencial da Educação

Há uns anos, aquando da Presidência Aberta em Beja, o então presidente da República, Mário Soares, confrontado com a presença de uma criança descalça, mandou um dos ajudantes de campo comprar, na melhor sapataria da cidade, um par de botas para o menino pobre.
As botas assentaram que nem uma luva nas crónicas dos jornalistas que reportavam a Presidência Aberta mas um deles disse, num parágrafo mais escondido, que aquelas botas, mesmo oferecidas pelo senhor presidente da República, iriam, mais cedo ou mais tarde, precisar de ser substituídas...
O problema residia ali. Quando chegasse o momento de comprar o segundo par de botas, já Mário Soares não estaria em Beja, tanto mais que os exemplares oferecidos ainda aguentariam alguns meses.
Em Mafómedes, capital da Semana da Educação de Jorge Sampaio, Andreia e Oriana ganharam passe social para a Telescola mais próxima, contra a própria vontade da mãe que disse, na presença da televisão, que elas precisavam era de aprender a trabalhar.
O presidente Jorge Sampaio venceu a batalha de Mafómedes mas está longe de vencer a guerra. Andreia e Oriana dificilmente conseguirão condições para concluir o 9º ano, chegar ao 12º ou obter média para entrar numa Universidade, mesmo pública.
Noutro passo desta semana de campo, Jorge Sampaio visitou territórios onde a taxa de tuberculose é elevada e onde, por exemplo, cerca de 30% das jovens com menos de 20 anos estão grávidas.
Na ocasião, o presidente, apelando ao reforço da escola pública, contra a tentação neoliberal, disse ser preciso 'ter coragem para reconhecer que as nossas prioridades estão, muitas vezes, invertidas'.
Jorge Sampaio pode oferecer um computador novo a um menino de Grandola e até prometer o ginásio anteriormente prometido mas esquecido por um qualquer Minsitério da Educação. O que o presidente da não pode é garantir a política educativa adequada. Essa é da competência do Governo.
Já foi bom que o Presidente da República tivesse mostrado que o discurso cor-de-rosa do oásis educativo está muito desbotado e não é tão paradisíaco assim. O que não impediu, obviamente, que o senhor ministro e senhores secretários de Estado tenham, numa atitude politicamente sensata (outra coisa não seria de esperar) acolitado o Presidente da República neste semana de campo ou nesta semana pelo campo.

2 - Internacional

A semana papal em Cuba

João Paulo II visitou Cuba, de 21 a 25 de Janeiro, onde foi recebido, com toda a pompa e circunstância por Fidel Castro e pelo povo cubano que saiu à rua para o saudar. Do discurso de boas vindas de Fidel destacamos os últimos parágrafos.

'Santidade, admiro sinceramente as suas corajosas declarações sobre Galileu, os conhecidos erros da Inquisição, os episódios sangrentos das cruzadas, os crimes cometidos durante a conquista da América e sobre determinados descobrimentos científicos, não questionados hoje por ninguém, e que no seu tempo foram objecto de tantos prejuízos e anátemas.
Faltava para isso a imensa autoridade que adquiriu na sua Igreja.
Que podemos oferecer-lhe em Cuba, Santidade? Um povo com menos desigualdades, menos cidadãos sem qualquer amparo, menos crianças sem escolas, menos doentes sem hospitais, mais professores e médicos por habitante que qualquer outro país do mundo que Vossa Santidade tenha visitado. Um povo instruido a que pode falar com toda a liberdade que entender e com a certeza de que possui talento, elevada cultura política, profundas convicções, confiança absoluta nas suas ideias e com toda a consciência e respeito do mundo para o escutar.
Não haverá nenhum país melhor preparado para compreender o seu ideal tal como nós o entendemos e tão parecido com o que defendemos, que é que a distribuição equitativa das riquezas e a solidariedade entre os homens e os povos devem ser globalizadas.
Bem-vindo a Cuba'.


  
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Edição:

N.º 65
Ano 7, Fevereiro 1998

Autoria:

João Rita
Jornalista, Porto
João Rita
Jornalista, Porto

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