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Discussão Pública

A forma como foi apresentado o projecto do novo diploma para o regime disciplinar nas escolas não parece ter agradado a muitos. A avaliar pelas opiniões recolhidas pela Página junto de professores, pais e alunos - acerca do conhecimento e alcance prático do documento, abrangência da discussão e participação dos pais - a proposta não foi bem recebida por vários motivos: além de não contemplar medidas para uma resolução eficaz dos problemas de indisciplina nas escolas, o período de debate não foi o suficiente e a proclamada partilha de responsabilidades ficou no papel.

Domingos Cardoso, professor de física e química do 3º ciclo.

Tenho conhecimento porque o M.E. teve a 'gentileza' de o apresentar primeiro à comunicação social e só depois às escolas. . Sei que o que já está feito já foi decidido e a nossa opinião nunca conta. Considero que a proposta não foi suficientemente debatida, porque os documentos chegaram no princípio de Janeiro e o prazo para entregarmos as observações terminava a 15 de Janeiro. Estes dez dias são sintomáticos do respeito que o M.E. tem pelos professores, que têm cada vez menos poder na escola.
Quanto ao diploma em si penso que abranda o código de sanções. Não é com estas novas medidas que as atitudes de mau comportamento por parte de alguns alunos irão diminuir. Para os casos de indisciplina grave é necessário introduzir medidas mais duras, que, porventura, se poderão revelar injustas atendendo ao meio social de alguns. Mas nesses casos não é ao professor que cabe assumir o papel de assistente social.
A participação dos pais neste processo resume-se à sua participação na escola: é esporádica e não trouxe à discussão aqueles pais que realmente interessa cativar.

Maria Ester Castro Neves, professora de matemática e presidente do conselho directivo da Escola Secundária Infante D. Henrique

Eu espero que o novo regime não passe do projecto, porque não concebo que uma escola não tenha autonomia para aplicar as suas medidas disciplinares. Há uma filosofia inicial muito certa, mas depois existe um reformular das questões que demonstra uma desconfiança em relação à actuação das escolas. Havia pontos no anterior regime que necessitavam de uma mudança, mas não neste sentido. O anterior regime previa um escalonamento de penas, mas deixava-as à consideração da escola. Os comportamentos incorrectos e as penas a atribuir não podem ser tipificadas, porque deve distinguir-se as acções segundo a circunstância em que ocorreram e a idade do aluno infractor. Algumas medidas são mesmo utópicas, como a de transferir um aluno, durante cinco dias, para outra turma.
Além disso, o documento foi entregue na escola no dia 5 de Janeiro e deram-nos um prazo de dez dias para enviarmos a nossa apreciação. É um período muito curto. Não fosse o facto de termos tido acesso ao documento em Dezembro, através de outra escola, o tempo teria sido escasso. Talvez arriscasse a dizer que este projecto veio a praça pública nesta altura por existir um polémico documento em discussão: o da autonomia e gestão das escolas.
Quanto aos pais penso que deveriam mostrar um maior empenho na vida escolar, já que a grande maioria tende a comparecer na escola apenas quando as situações o exigem. Exemplo disso é a associação de pais, a braços com problemas financeiros por não ter quem pague os quinhentos escudos de anuidade.

Vitor Gil, professor de português e francês do 3º ciclo

Penso que se andou para trás na medida em que as escolas, adoptando a antiga legislação, iam de encontro ao espírito desta lei e funcionavam bem assim. Aquilo que agora é proposto como actividade preventiva, acaba por contrariar um pouco os considerandos da proposta. Aliás, como pena leve está prevista uma actuação que vai contra o direito constitucional, que é o direito à educação. Acaba por ser considerada infracção leve um desrespeito que o infractor tem contra essa própria lei, ou seja, impedir alguém de receber a sua educação. Depois cai-se na situação insólita de um aluno se recusar a sair da sala de aula, por esse comportamento representar uma pena leve, e não haver nada a fazer quanto a isso.
Algumas associação de pais participaram, concerteza, nesta discussão. Parece-me é que o processo foi ínvio porque esqueceu algumas escolas, concretamente as do ensino secundário, que só tomaram conhecimento da proposta no dia 5 de Janeiro. Depois há a questão de os professores terem sabido do documento através da comunicação social, o que, admito, poderá ter contribuído para deturpar a sua interpretação. É um documento sem rosto já catagolado por jornalistas e comentadores, quando devia ter sido ao contrário.

Ernesto Anjos, divulgador livreiro

Não posso fazer uma afirmação concreta porque ainda não li o documento. Mas noto que a indisciplina está cada vez mais presente na escola, nomeadamente a partir do 1º ciclo, pelo que as medidas para combater a indisciplina deviam ser mais eficazes.
Relativamente ao novo regime, considero que os pais deviam ter sido consultados na sua elaboração e que, mesmo não tendo acontecido, tivesse havido uma melhor divulgação desta proposta por parte dos órgãos de direcção da escola junto dos encarregados de educação. Existem pais que, ou por não terem tempo ou por não darem importância à educação dos filhos, não se informam e não participam. Quanto a mim, talvez tenha sorte por dispor de algum tempo, se não talvez também não viria à escola. Mas a indisciplina muitas vezes é de base, vem das próprias casas. E é daí que deve partir o exemplo.

Luís Ricardo, dirigente associativo e estudante do 12º ano

Em qualquer escola existem alunos que gostam, por natureza, de causar distúrbios. Mas ao longo dos últimos anos tenho observado que a indisciplina se generalizou, talvez por tanto a escola como os professores não se imporem perante determinados casos. Ou talvez ainda por porem professores estagiários ou sem experiência, em turmas de alunos mais novos, habitualmente menos bem comportados. que 'a ordem de saída da sala de aula é uma medida cautelar a utilizar pelo professor em situações que impeçam o desenvolvimento do processo ensino aprendizagem'.
Não considero que o escalonamento das penas propostas no documento seja particularmente eficaz, em especial aquelas que se aplicam aos comportamentos. No artigo 22, por exemplo refere-se que as penas graves aplicam-se a 'agressões físicas ou uma violação dos deveres no relacionamento com a comunidade escolar' e as muito graves se for praticada 'uma ofensa corporal que resulte em forma dolorosa ou permanente'.
O papel dos alunos no debate foi nulo, talvez por este não ter sido convenientemente divulgado pela direcção da escola. A associação de estudantes não foi contactada nem tão pouco recebeu um exemplar do documento.

João Ferreira, auxiliar de acção educativa

Estou de acordo com algumas alterações no regime disciplinar porque sente-se que alguns professores não conseguem manter a disciplina dentro da sala de aula. As principais queixas dos professores derivam não da falta de educação dos alunos, mas da indisciplina do seu comportamento.
Quanto ao debate não penso que tenha sido suficientemente alargado. Digamos que se tratou apenas de um alerta para as novas mudanças em termos de regime de disciplina. Na escola que os meus filhos frequentam não houve qualquer discussão acerca do tema, nem tão pouco a associação de pais foi chamada a pronunciar-se. Na minha perspectiva, o conselho directivo ou os directores de turma tinham essa responsabilidade mas não a cumpriram.

José Carvalho, professor de geometria descritiva e teoria do design no ensino secundário

Esta proposta apresenta mais mecanismos legais à disposição do professor, mas nem por isso mais funcionais. A transferência de turma, por exemplo: se um aluno destabiliza a turma, o professor deve resolver o problema na sala de aula, nunca transferir essa competência para um colega. Penso que não será essa medida que alterará as atitudes de indisciplina.
Quanto ao debate, é pena que ele não tenha sido mais aceso e que os pais não tenham tido uma voz mais activa. Embora a escola assuma um papel educativo fundamental, os pais serão sempre os principais educadores e deviam ser uma das partes mais interessadas nestes processos. Por outro lado, e por muito que se afirme ter existido uma discussão sobre o tema, eu tive a impressão que, tanto nesta como em outras escolas, isso não se passou. Os pais tiveram apenas conhecimento das medidas mais badaladas através da comunicação social e a generalidade dos professores não ficou suficientemente esclarecido quanto aos mecanismos a aplicar.
O envolvimento dos pais é sempre válido se for num sentido positivo. Em algumas situações, porém, essa participação nem sempre é feita da melhor maneira e pode tornar-se numa forma de ingerência nos assuntos da escola, nomeadamente nos conselhos escolares. Muitas vezes os encarregados de educação têm uma perspectiva pessoal e não compreendem a abrangência e a responsabilidade do professor em gerir, julgar e agir globalmente.

Alberto Gonçalves, professor de Filosofia do ensino secundário

O diploma tem uma concepção filosófica que prevê fundamentalmente a integração e não a exclusão. Mas os processos que o diploma propõe parecem-me um pouco impraticáveis: por um lado fala do combate à exclusão e depois concebe um mecanismo de punição do aluno fazendo-o circular de turma em turma. É um absurdo. O que importa, sobretudo, é criar condições nas escolas para que se estabeleçam relações de qualidade com os jovens que impeçam situações de indisciplina ou de violência. Ou seja, envolve-las em actividades que façam com que elas próprias se empenhem num processo de comprometimento com a instituição ou com a pessoa que está à sua frente.
O período de tempo concedido para debater e consultar os muitos intervenientes no sistema educativo - cerca de um mês - não foi suficiente. Porque não devem ser só as escolas e os professores a discutir este tema: os encarregados de educação têm especial interesse neste mecanismo de regulamento disciplinar, mas não creio que tenham tido hipótese de dar o seu contributo, seja através de iniciativas individuais seja através das associações representativas. Isto significa que a escola continua divorciada e de costas voltadas para os pais.

José Carlos Leitão, escriturário, dirigente da Federação das Associações de Pais de Vila Nova de Gaia

Esta proposta é um documento que visa uma mudança, mas parece-me que o M.E. tentou transferir responsabilidades que deveriam pertencer à exclusiva competência. Algumas das medidas não fazem sentido. Não vemos, por exemplo, qual a vantagem de levar um aluno a circular por diferentes turmas.
A participação dos pais neste processo, tal como em outras situações, é ingrata. É impensável levar os encarregados de educação à escola sem que exista uma compensação pelo tempo de trabalho perdido, sem um crédito de horas. A sua ausência no debate reflecte isso mesmo. Em todo o caso, ele não foi alargado a todos os intervenientes, nem os pais nem os professores tiveram um acesso atempado à proposta de forma a poder discuti-la de forma abrangente. Eu, por exemplo, tive conhecimento desta proposta através dos meios de comunicação social e obtive informações complementares através de outra proveniência, que não a escola, porque os professores ainda desconheciam o seu conteúdo.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 65
Ano 7, Fevereiro 1998

Autoria:

Alberto Gonçalves
Professor, Porto
Domingos Cardoso
Professor de Física e Química
Alberto Gonçalves
Professor, Porto
Domingos Cardoso
Professor de Física e Química

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