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Yerushalayim ou al-Quds: o espaço é o que nele teve lugar

Jerusalém é uma cidade onde se sente o peso da história, onde não é mais possível distinguir entre o espaço e o que nele teve lugar.

Nesse território, simultaneamente causa e efeito do cruzamento de processos, a espessura do tempo tornou indistintos os limites entre as diferentes marcas.

No ano 1000 a.c., aquando da sua conquista pelo rei David, Jerusalém não era mais do que uma povoação na margem do rio Kidron. Depois, tendo-se expandido pelas colinas adjacentes, a 'cidade alta' e a 'cidade baixa' formaram um espaço que passou a corresponder à capital do Reino de Jerusalém.

No século VII da nossa era, o domínio árabe estendeu-se a toda a Palestina: Omar al-Khatab conquistou a cidade em 638 e desde então aí se desenvolveu a cultura árabe. Jerusalém só foi perdida a favor dos cristãos no tempo das cruzadas. Uma vez recuperada, a cidade permaneceu sob controlo árabe até aos nossos dias, mais precisamente até 1917, data da sua conquista pelos Ingleses.

Jerusalém é um lugar de tensões: aí coexistem, para o bem e para o mal, várias culturas. O centro histórico da cidade tem a sua zona muçulmana, a sua zona hebraica e a sua zona cristã bem demarcadas. E cada marca do tempo nos faz sentir que a Cidade Antiga é simultaneamente continente e conteúdo.

Embora a maioria da população árabe habite no território urbano da periferia ou nos bairros suburbanos, para os palestinianos al-Quds designa exclusivamente a Cidade Antiga, em grande parte cingida por muralhas. Esse espaço é um elemento fundamental da sua identidade cultural enquanto árabes. AlQuds é o lugar da memória colectiva dos muçulmanos.

Para os judeus, Yerushalaym é, desde a sua anexação ao estado de Israel em 1967, a capital israelita. É a 'eterna, una e indivisível capital de Israel'. E é também o lugar simbólico por excelência: 'Jerusalém expandir-se-á em todas direcções e as gentes da diáspora reunir-se-ão todas em Jerusalém', diz um velho provérbio hebraico. Jerusalém constitui um símbolo simultaneamente religioso e nacional. Aí se fixa o sentimento de pertença a um povo e a um estado. A apropriação do território e a dominação da cidade dá aos judeus dos nossos dias o sentimento de controlo do próprio destino e do destino da cidade sagrada.

Para os palestinianos, al-Quds é muito mais do que um lugar geográfico, é um lugar de dimensão celeste. Mesmo com as alterações urbanísticas que têm sido introduzidas pela administração israelita, e que vão a par dos seus desígnios de fixar uma comunidade judaica maioritária no território da chamada 'grande Jerusalém', a mágica permanência da Jerusalém árabe não teme o desafio da luta contra o controlo exclusivo da cidade pelos israelitas.

Para a maioria dos turistas europeus em visita a Jerusalém, as questões de afirmação das diversas etnicidades culturais não são claras. E também não existe consenso àcerca do modelo de desenvolvimento social que se ajusta às necessidades das populações em presença. E não é percepcionada a urgência - porque não é ainda assumida pela comunidade internacional - da defesa do direito ao desenvolvimento cultural das minorias.

Todavia, nenhum visitante da Cidade Antiga deixa de ser atingido pela mística dos espaços portadores das espessas marcas do tempo. Ainda que sejamos agnósticos, somos levados a participar da vigorosa mística da cúpula da Mesquita Dourada, do misterioso sortilégio da cripta da Igreja dos Templários ou da sublime eternicidade do Muro das Lamentações.

Maria Rodrigues, professora de História


  
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Edição:

N.º 64
Ano 7, Janeiro 1998

Autoria:

Maria Rodrigues
Professora, Porto
Maria Rodrigues
Professora, Porto

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