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A “desamericanização” da governação da internet

A governação da internet está na ordem do dia. Procuram-se soluções que completem a quadratura do círculo.

Para cá do verão de 2013, foram-se desenrolando em ritmo acelerado factos que nos mostram a uma gritante luz do dia as profundas mudanças geoestratégicas que têm vindo a germinar de há algum tempo a esta parte. E já não se trata apenas da poderosa afirmação da China, inclusivamente numa atitude de repreensão – veiculada pela agência Xinhua – às autoridades políticas dos Estados Unidos da América pelo modo como tratam a questão da sua dívida pública, de que a China é o principal credor. São também afirmações de crescente poder por parte de outros países que a tecnocracia financeira, em tempos, tomou a iniciativa de apelidar de emergentes, em particular os BRIC: Brasil, Rússia, Índia e China. De notar a posterior adição da África do Sul a este grupo...
Afirmações bem poderosas que surgem contra os EUA, para muitos de forma algo inopinada. Foi o caso da Rússia, que interveio a suster o ataque militar dos EUA/Ocidente à Síria. Ou, mais recentemente, o espectacular pronunciamento de Dilma Rousseff nas Nações Unidas, contra a espionagem dos EUA ao governo brasileiro, uma consequência do processo Snowden de deslindamento de actividades da NSA [National Security Agency], e a proposta de que o “ciberespaço” global (Internet) deixe de ter o governo dos EUA como ligação privilegiada e que todos os governos passem a estar em pé de iguladade em relação a esta questão.
Isto, enquanto os poderes da União Europeia, e dos seus países, continuam na sua trajetória de aliados do líder da sua região (Ocidente), à parte, talvez, uma forte aproximação do principal aliado dos EUA (Reino Unido) à China.
Veja-se, por exemplo, a atuação de vários governos relativamente à questão do sobrevoo do avião que transportava o presidente da Bolívia, no regresso de Moscovo ao seu país, por suspeita de Snowden viajar nele.

À procura de soluções. Perguntará o leitor por que o escriba não evitou, como de costume, “políticas” num artigo de ciência e tecnologia. É que, depois de voltas e voltas, não encontrou mesmo outra forma de contextualizar a questão da governação da Internet – a “tecnologia” disparada para o cimo dos tópicos de Estado do atual novelo de alterações geoestratégicas. Nascida nos EUA, a internet – em particular o centralizado sistema dos servidores da “raiz” do DNS (Domain Name System), os nomes de domínio (“.pt”, “.com”) e os correspondentes números IP (Internet Protocol) – foi de início gerida a partir daquele país.
Há cerca de 15 anos, foi iniciado um processo de desoneração de despesas do governo dos EUA, com alargamento à indústria da participação no processo de governação e de definição de políticas, incluindo os diversos stakeholders – administradores do sistema de nomes, atribuição/distribuição de blocos de números IP e outras funções relacionadas com a estabilidade, sustentabilidade e segurança do DNS.
Por outro lado, aos governos de todo o mundo foi atribuída uma função de aconselhamento, sendo, no entanto, mantida uma faculdade de supervisão em última instância por parte dos EUA, com a promessa da sua transitoriedade, para além da sua participação como conselheiro com os outros governos. Para tal, foi criado o ICANN (Internet Corporation for the Assigned Names and Numbers), com sede em Los Angeles. Entretando, foi ficando claro que a Internet – além da estabilidade do DNS que a “corporiza” e do adjunto sistema industrial que lhe é específico – estava de governação coxa em áreas que vão da cibersegurança e da proteção das crianças ao spam, passando pela regulação da privacidade.
Esta tendo saltado para a ribalta com o caso NSA/Snowden. Muitos governos têm pedido ajuda ao ICANN, mas estas questões estão fora da sua competência...
O completar da “desamericanização” da gestão do DNS, bem como uma eficiente governação internacional das outras questões, encontra-se na ordem do dia neste vir de 2013 para 2014: uma solução intergovernamental tipo tratado ou agência da ONU, ou uma solução “confederativa” envolvendo os governos todos, e em pé de igualdade, bem como as organizações da sociedade civil internacional? Procuram-se soluções, bem para além do actual debate à escala planetária, que finalmente completem a quadratura do círculo…

Francisco Silva


  
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Edição:

Edição N.º 202, série II
Inverno 2013

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