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Do acesso às tecnologias nas escolas

Ninguém questionaria a necessidade de que as escolas tenham acesso às tecnologias da informação e da comunicação (TIC) que circulam na sociedade. Afinal, por que justamente as escolas estariam privadas destes meios de conexão com diferentes pessoas, produções e possibilidades?
Este acordo, porém, nem sempre leva em conta questões importantes. De um lado, há o fato de que nem todo o conhecimento produzido está disponível e que, portanto, não cabe a mistificação do acesso pretendido. De outro, há limites relacionados às próprias condições concretas de uso. 
Em outras palavras, o acesso às TIC constitui condição necessária, porém não suficiente, à apropriação do que tem sido produzido fora dos limites da Escola. Embora possa parecer até óbvia, esta consideração está ausente de muitas formulações políticas, sejam elas centradas no hardware, com o privilégio de artefatos cada vez mais portáteis, dotados de mobilidade, ou no software, como no caso dos “objetos de aprendizagem”, representados por materiais prontos, passíveis de reutilização sistemática.
Para ilustrar as dificuldades mencionadas, são aqui abordadas questões relativas à presença das TIC no contexto escolar brasileiro, mais especificamente no que diz respeito ao aporte tecnológico resultante do Programa Um Computador por Aluno (ProUCA), versão do Ministério da Educação para One Laptop per Child (OLPC).
Restrito a algumas escolas que responderam ao edital específico, o ProUCA inclui cidades do interior, até porque um número elevado de alunos poderia ser proibitivo. Como principal ponto negativo, tem a simplificação de que tudo esteja resolvido com a presença de quaisquer equipamentos. Mantendo a restrição que marcou programas anteriores, não prevê manutenção e reposição de equipamentos, o que faz com que a “inclusão” acima referida deva aparecer entre aspas.
Engodos no enredo. Tomando como exemplo uma escola pesquisada no interior do Estado do Rio de Janeiro, a adesão ao ProUCA permitiu, em 2010, o recebimento de 559 computadores, 15 dos quais chegaram com problemas e continuam sem uso. Quanto aos demais, armazenados com muito capricho, parecendo mesmo novos, estão com bateria viciada e só funcionam plugados na tomada.
Sem a substituição dos equipamentos e das baterias, é decretado o fim da mobilidade. Sem que as salas de aula possuam quantidade suficiente de tomadas (30), só podem ser usados no Laboratório de Informática. Este, por sua vez, também lida com velocidade pífia (um mega), oferecida pela operadora para toda a escola, a despeito da propagação do slogan de que aquela seja uma “cidade digital”.
Mesmo sem entrar no mérito da qualidade dos equipamentos incluídos no ProUCA, seu barateamento, indissociável da ausência de disco rígido para armazenar programas e dados, implica a necessidade permanente do trabalho online. As máquinas estão lá, mas na maior parte do tempo estão desconectadas. Os alunos percebem que há engodo(s) no enredo, como evidenciam algumas das suas falas: “Quando tem vídeo trava e dá preguiça de assistir”; “Não adianta o computador ser pequeno se não dá pra usar onde se quer, porque tem que ficar ‘atochado’ na tomada”; “A professora usa o laptop dela em sala para mostrar vídeos e os alunos fazem a interpretação no caderno”.
Até mesmo os participantes de um programa de formação de monitores, todos do 4º ano, com vistas a auxiliar os professores com os equipamentos, se mostraram reticentes. Selecionados em função do seu rendimento, com a prerrogativa de levá-los para casa, preferiam não fazê-lo, alegando que: “esse é muito pequeno, a internet é ruim e as coisas [ícones] ficam em um lugar diferente”.
Em síntese, diante dos muitos equipamentos naquela escola, mesmo parecendo investida de uma espécie de “aura de modernidade”, continua sendo preciso perguntar: que tecnologias? em que condições? para quê?

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Raquel Goulart Barreto


  
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Edição:

Edição N.º 202, série II
Inverno 2013

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