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A hibridação ocorre da intensificação dos contatos entre diferentes culturas, num tempo em que se globalizam imagens, mensagens, conhecimentos, tecnologias.

No campo da Educação, especialmente nas últimas décadas, a temática indígena vem sendo amplamente debatida, especialmente porque os povos indígenas conquistaram o direito a uma Escola diferenciada, pluricultural, sintonizada com suas visões do mundo e com suas tradições. Embora em termos estatísticos a população indígena represente pouco mais de 0,6% do total de brasileiros, em termos socioculturais ela é espantosamente diversa: mais de 340 povos indígenas vivem no país, alguns em quase absoluto isolamento em relação à sociedade majoritária, outros vivendo em aldeias e outros, ainda, em centros urbanos.
Nas análises educacionais contemporâneas emerge um novo modo de pensar as culturas indígenas, respaldadas no entendimento de cultura como processo e não como substância. Tal entendimento tem deslocado a atenção dos pesquisadores daquilo que é estável nas tradições de uma dada etnia para aquilo que se transforma, através de processos de negociação e de novos arranjos que se configuram.
Para Jesús Martín-Barbero (Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia, 1997), os indígenas já não vivem isolados em relação ao mundo circundante, mas os significados sobre eles seguem, em boa medida, entrincheirados em concepções substancialistas e folclorizadas. Mas as culturas indígenas estão em constante processo de construção e as transformações nas formas de viver se intensificam por pressões que vêm de fora, derivadas do empobrecimento progressivo e da perda das terras, bem como das pressões que operam de dentro, decorrentes do contato.
Na busca por compreender o dinamismo das culturas indígenas, o conceito de hibridação tem se mostrado promissor. Conforme destaca Néstor Garcia Canclini (Culturas Híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade, 2008), a hibridação ocorre quando “processos socioculturais nos quais estruturas ou práticas discretas, que existem de forma separada, se combinam para gerar novas estruturas, objetos e práticas”. Tal processo resulta da intensificação dos contatos entre diferentes culturas, num tempo em que se globalizam imagens, mensagens, conhecimentos, tecnologias.
Jogos dos Povos Indígenas. A noção de hibridação mostra-se produtiva para pensar, por exemplo, a inserção de alguns povos indígenas em um evento que surgiu no Brasil há duas décadas. Neste evento, que está em sua 13ª edição, estão mescladas práticas provenientes de tradições diversas.
Por um lado, o evento é regulado pela tradição do olimpismo, com seus símbolos e regras de conduta, e por outro lado, as modalidades esportivas, tais como as disputas com arco e flecha, a canoagem, ou a corrida de toras, são oriundas de diferentes etnias. No evento, essas modalidades migram para uma arena comum, na qual se alteram as formas de realização, os cenários, o caráter ritual e também se mesclam com rituais característicos das olimpíadas, a exemplo da pira olímpica acesa no início dos jogos.
Os Jogos dos Povos Indígenas são também um cenário em que se exibem identidades indígenas plurais: adereços corporais e instrumentos de diferentes etnias são intercambiados; corpos indígenas desfilam, marcados com pinturas étnicas tradicionais e portando, ao mesmo tempo, câmeras fotográficas, celulares, notebooks, filmadoras, entre outros aparatos tecnológicos. Variadas formas de registro e de divulgação são acionadas e as imagens dos jogos estão acessíveis instantaneamente, através de fotografias, textos e vídeos disponibilizados em sites e blogues da internet.
Enfim, o evento permite pensar como as culturas e identidades indígenas são dinamizadas e, longe de serem instâncias fechadas ou signos de pureza e autenticidade, elas se constituem nas experiências vividas, em conexão com as profundas transformações que todos nós experimentamos na atualidade.

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Iara Bonin e Kassius da Silva
Universidade Luterana do Brasil


  
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Edição:

Edição N.º 202, série II
Inverno 2013

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