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O primado da Pessoa, da Educação e da Política

A Educação e a Escola tornaram-se lugares perigosos. Não no sentido em que a vida é, ela própria, por inerência e natureza, um risco e um perigo (haverá modos de ser e crescer que escapem a essas contingências?), mas justamente na medida em que se tornaram um campo de batalha e de lutas, onde impera a crispação, o embate e combate – não “o bom combate”, com altos desígnios, mas um uso e abuso de armas de arremesso, com mais ou menos intensidade, mas com incidência agravada nos últimos 10 anos, sensivelmente.
A Educação, entendida como sistema organizacional, integra-se e influi numa estrutura social que se deseja dinâmica, inovadora, livre e, naturalmente por isso, responsável.
A Educação é, na sua essencialidade, autonomia, em sentido humano, amplo, que abraça e integra – deve integrar – os verdadeiros fundamentos filosóficos, políticos, culturais, económicos, sociais, históricos, etc., em lógicas e mundividências plurais, em dinâmicas constituintes e fazedoras. Hoje, ainda antes de reafirmar a urgência do primado da Política é preciso acentuar e recentrar tudo a (re)fazer e (re)pensar no primado da Pessoa humana.
Cada pessoa, em termos individuais, é fonte de soberania numa sociedade democrática, de modo a garantir a dinâmica, em firmeza ontológica, jurídica e institucional, de um Estado de Direito democrático – sublinhe-se sem equívocos, democrático, um adjetivo substantivo.
A questão, hoje, é estarmos em estado de vigília, permanente. Estarmos vigilantes, no sentido ontológico do termo, exige estarmos acordados, despertos, com os sentidos todos bem apurados e instruídos para sabermos escrutinar, interpretar e intervir na sociedade, que perdeu os laços que ligam e interligam em comunidade. Mas a mais profunda instrução vem da vida. No caso dos portugueses e portuguesas, de todos nós, uns mais, outros menos, uns de uma maneira, outros de outra, em vidas vividas, pensadas e sofridas. Hoje há muitas e muitas formas de captura, de aprisionamento, de alienação.

Modernidade e pós-modernidade. Talvez seja importante reler, à luz da atualidade, o livro VII d’A República, de Platão, no seu profundo sentido político, humano, cívico e educacional.
Há sempre uma saída. Há sempre saídas. A alegoria da caverna é uma lição que exige uma sábia compreensão e uma pedagogia social e cívica. É preciso trazer à clara luz do dia, mesmo em fogo, na noite escura, que é desejável, é um direito, é uma possibilidade viver e convier, existir e coexistir em liberdade, sem grilhões nem algemas, no corpo e no espírito.
A Liberdade não é uma ideia fugaz ou uma ilusão. Pelo contrário, é a substância da vida individual e coletiva, que quer realizar-se na história, através de cada um/a, sem exclusões, apesar das condicionantes. Em democracia não há figuras e figurantes. Numa verdadeira democracia, todos são protagonistas. E quando falamos em Liberdade, a responsabilidade já a habita, já lá mora, como capacidade de iniciativa, de gerar séries causais, de fazer história, de ser em projeto, respondendo perante si e perante os outros. Portugal precisa de um guardião da Liberdade, de um Povo que é e que quer ser, não como entidade abstrata, mas como estrutura e conjunto de instituições que resgatem o Sujeito que cada pessoa é na sua essência. Julgo que a pós-modernidade, sem se aperceber, tornou-se numa macro narrativa que quis, de um só lance, anular a modernidade.
Sem apego a modas nem a escolas, é minha profunda convicção que temos de recuperar e regenerar, em recensões e perspetivações, críticas e plurais, a herança submersa da Modernidade, mas inserindo-a na consciência do drama da vida, do trágico, das vulnerabilidades e do contingente, recusando o absurdo. O que é absurdo é a realidade social e humana que grassa em Portugal, na Europa e no Mundo.
A meu ver, a superação da modernidade e da pós-modernidade clama, chama, e exige o resgate, em dinamismo, da Pessoa, de cada humano, na sua indigência de potencial sem abrigo. Se não vejo em mim essa possibilidade, então, o outro é um conceito, uma transcendência e não o meu próximo. Mas o próximo mais próximo de cada um de nós é a pessoa que nos habita. Sabiamente questionava Vergílio Ferreira: “Quem me mora?”

Tempo de rasgar sentidos. Vislumbro na mudança operada no percurso de Vergílio Ferreira a sensação de quem viu que o neorrealismo pode levar, sem disso se dar conta, para uma alienação. Também por isso me atrai o sentido metafísico que atravessa a obra deste grande escritor-filósofo-educador de registo existencial.
E num registo educacional, filosófico e profundamente humano, de uma humanidade de ser pessoa em concreto, é tempo de rasgar sentidos, de dar atenção e justificar como princípio de ação pensante uma Metafísica de carne e osso, modo profundo, a meu ver, de afirmar a dignidade humana, em que cada um seja sujeito de direitos. Já sabemos que os deveres são conexos. Um discurso de autoridade sem moralidade faz perigar a Liberdade, condição do Ser e do desenvolvimento pluridimensional.
É tempo de civilidade, não de barbárie, que por aí anda em tantas formas subtis e aparentemente invisíveis. Pressinto que há em Portugal um instinto de morte, letal e liquidatário.
É urgente reorganizar a Sociedade a partir da categoria do Ser, ao qual o Ter se subordina. De contrário, o capitalismo puro e duro – que se não confunde com o dinheiro, como meio fundamental – torna-se, ele próprio, um sistema político, sem poder de reação, intervenção e defesa.
Chegámos ao limite em que a legalidade – pior, o legalismo asfixiante – tem de dar lugar à moralidade que a funda e fundamenta. É preciso reler Kant, no que escreveu e no implícito que está sempre na obra de um grande autor. O implícito é a voz que ressoa do fundo recriador.
O pensamento complexo, que muito profundamente irriga as conceções de Edgar Morin, impele-nos a ligar e religar realidades, circunstâncias, situações, conceitos, ideias, práticas, saberes, etc., para melhor compreendermos, sempre por aproximações, a condição humana, aquela que é, na sua fragilidade, intrínseca, e a realidade humana, que, pelas garras invisíveis das estruturas reificadas, pode ser destruída e arruinada. Não o podemos permitir.

Autonomia e coragem. No dia 27 de novembro, deste ano de 2013, uma professora afirmava na manifestação: “Não podemos deixar que façam pouco de nós”. É, de facto, uma afronta que não pode ficar sem resposta.
Na Educação já se foi longe demais na falta de respeito pela dignidade pessoal e profissional dos professores. É tempo de o País ter como timoneiro quem verdadeiramente entenda e veja, a fundo, que a Educação é o núcleo, o centro e o motor do desenvolvimento pluridimensional.
Precisamos de um guardião, vigilante, da Liberdade. Sempre entendi que a Educação e a formação de professores não se fazem por e através de modelos; é pernicioso, e em finanças é fatal. Está à vista. À vista do espírito dos olhos e dos olhos do espírito. E é isto que falta à Educação, alma e vida, visão e inteligência. Filosofia da Educação e Filosofia do Currículo. Sem isso, não há metas de aprendizagem nem metas curriculares que acertem. A Língua Portuguesa e as demais disciplinas não se avaliam com exames de escolhas múltiplas, que tolhem a inteligência, anulam a criatividade, mutilam os conhecimentos e o desenvolvimento de múltiplas capacidades, atitudes e valores.
Chego à triste constatação de que, nas bolsas de valores, os mercados tornaram-se pessoas, que é preciso acalmar, e as pessoas tornaram-se coisas que é preciso dispensar. Não pode ser.
Temos de abrir caminhos de literacia cívico-jurídica. Está nas nossas mãos. E, até com fundamento, no Código Civil. É uma questão de coragem, em autonomia.

Emanuel Oliveira Medeiros


  
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Edição:

Edição N.º 202, série II
Inverno 2013

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