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Velhos e novos conceitos e preconceitos

Toda a gente está farta de perceber que no mundo em que vivemos há aquilo a que chamamos um retrocesso.
De repente, sem termos percebido muito bem porquê, aquele poema de Bertolt Brecht com que tanto nos ríamos tornou-se realidade.
O paradoxo anedótico que fez crescer água na boca aos inevitavelmente revolucionários jovens da minha geração – muitas vezes aos que, entretanto, passaram “naturalmente” para lugares no partido do governo, quer para cargos ministeriais, quer para mais elevadas incumbências europeias – ocupa hoje o lugar mais arrazoado do discurso ministerial, nomeadamente na pasta da Educação.
Nuno Paulo de Sousa Arrombas Crato, curiosamente filho de dois professores de Matemática, apresentou-se à sociedade como professor do Ensino Superior (o que é verdade) e ganhou fama como investigador – como se algum professor universitário pudesse não o ser. Depois de ter desistido da Faculdade de Ciências, porque a ideologia maoista não o deixava pactuar com o ensino burguês (diz a Wikipedia, na versão inglesa), licenciou-se em Economia no Instituto Superior de Economia e Gestão, onde também fez mestrado em Matemática para Gestão de Empresas. Foi professor no Liceu Rainha D.ª Leonor, no Instituto Superior de Economia dos Açores e em institutos nos EUA, tendo-se doutorado em Matemática Aplicada, em Delawere. Desde 2000, leciona no Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade Técnica de Lisboa.

De pé atrás. Sempre achou, pelos vistos, que trazia das Américas algum saber sobre o ensino da Matemática.
Deram-lhe espaço os senhores do costume (no Expresso, por exemplo), que é para isso, aliás, que servem os jornais – deviam era ser mais democráticos na distribuição da palavra pelos comentadores. Escreveu e publicou sobre Educação. E na sua santa ingenuidade (que devia ser um pecado mortal), muitos professores acreditaram ser ele “alguém” em Educação.
Aquele era um tempo pouco fácil para os professores, sobretudo por duas razões:

- o currículo escolar sofria grandes transformações – áreas curriculares não disciplinares, estruturação do ensino/ aprendizagem e respetiva avaliação por competências, maior incremento (apesar de tudo) das expressões artísticas –, o que causava grandes dificuldades e exigia esforço, sobretudo àqueles normalmente não abertos a inovações;
- a ministra Maria de Lurdes Rodrigues, realçando os aspetos negativos que encontrava nos professores (e não os positivos, que são muitos), iniciava um processo de deterioração da imagem da profissão docente, que ainda hoje não lhe foi perdoado.

Assim, tinha Nuno Crato todas as condições para se evidenciar. E até para vender o ‘peixinho’ do Velho do Restelo. Ovacionado, sua excelência parecia inchar.
Mas hoje, os dados internacionais (OCDE e não só) mostram que o que ele está a destruir deu grandes resultados – e já os ingénuos professores, e a população, se põem de pé atrás...

Ministério, precisa-se. Não se percebe bem se a atribuição da Ordem do Infante (por Cavaco Silva, em 2008) fez parte da construção de uma imagem. Percebia-se, isso sim, que o senhor ministro da Educação de Passos Coelho só pensava em voltar atrás, a um passado que já não existe. É preciso memória? É, mas já não se memoriza como antigamente... É preciso concentração? É preciso estudar? (o que é que não é preciso, senhor ministro?)
Mas para um mundo diferente, uma pedagogia diferente. Claro como água.
O mesmo em relação aos novos professores. Primeiro faziam a famigerada prova todos os contratados, depois só os que não tinham cinco anos de serviço completos…
Mas o senhor ministro pensa que a formação de professores se faz assim, tipo vou ali e já venho? Nenhum professor devia ter posto lá os pés, nem vigilantes, nem examinados. Sem mais palavras.
Há formação inicial boa e menos boa. Há instituições boas e menos boas. Há formação contínua boa e menos boa. Há avaliação externa boa e menos boa. Há avaliação interna boa e menos boa. Há avaliação de desempenho boa e menos boa. Há autoavaliação de agrupamentos boa e menos boa. É preciso é um ministério capaz de controlar tudo isso, capaz de assegurar as melhores condições às escolas e instituições, capaz de dignificar o ensino público.
“Ou será que/ Governar só é assim tão difícil porque a exploração e a mentira/ São coisas que custam a aprender?”

José Rafael Tormenta


  
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Edição:

Edição N.º 202, série II
Inverno 2013

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