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Dizem os ventos…

O totalitarismo evoluiu. É agora um sistema global de escassez: faltam ideias, faltam alternativas, faltam alimentos, falta água potável, faltam empregos, falta energia.
Hoje, o homem não acredita em nada e, ao mesmo tempo, acredita em tudo.

A cidade norte-americana de Detroit faliu. Detroit foi, em tempos, um enorme centro de produção automóvel. Michael Moore falou do começo da “grande deslocalização” no documentário Roger and Me. O que aí é relatado deu-se na década de 80 do século XX, quando a General Motors (chefiada por um Roger) encerrou inúmeras fábricas em Flint, levando-as para o México. Nesse tempo, um discurso que se mostraria repetitivo ensinou aos desempregados que tudo se resolveria com turismo ou até... criação de coelhos.
Já houve as mesmas ideias para Portugal: encher o Douro, da Régua ao Pinhão, de visitantes ou colocar dois milhões de turistas no Algarve, todos os anos. Verificou-se que isso não é solução. Dois milhões de turistas quereriam visitar uma região saturada de pessoas, sem um hospital equipado para isso? E os turistas da Régua ao Pinhão não chegaram.
Unidades hoteleiras nessa zona faliram muito cedo, tal como sucedeu no Algarve. As dívidas por elas acumuladas serão pagas por quem? Qual seria a dimensão da poluição se fosse resolvido instalar milhares de turistas no Douro?
É inegável que bem anda um país sem lugar para os seus jovens, mesmo para os qualificados e com cursos na área da saúde. Se nada tem importância, se a saúde é “um custo insuportável”, para que queremos médicos ou enfermeiros?
O sistema educativo não sabe o que pode fazer, se tudo vive numa caricatura do princípio da incerteza. Um importante empresário disse há dias, na RTP, a uma espantada entrevistadora que ela poderá ter de trabalhar até aos 90 anos. Não duvido (sem qualquer ironia) da honestidade dessa pessoa nem da bondade das suas intenções. Quando poderão os jovens chegar ao mercado de trabalho, se quem lá está deve ficar até aos 90 anos?
Em relação à famosa globalização de novo tipo, vejamos algumas notas.
É verdade que sempre houve “globalizações”, uma delas protagonizada (também) pelos portugueses. A mandioca, a batata e o tomate vieram da América. Mas até isso mostra que se escolheu o que globalizar – não se globalizou o que sabia mal; não se fez, como agora, uma globalização do poder do lucro, e apenas isso. Se (na União Europeia) nada produzirmos e importarmos, é evidente que ficaremos a dever.
Não parece necessária uma licenciatura para entender isso. O planeta, como alertou Rifkin, está à beira de nos colocar, como espécie, “fora da carroça” [Jeremy Rifkin sobre questões globais e o futuro do nosso planeta]. Vivemos a era do medo. “Medo de perder o emprego, medo de nunca o chegar a ter. O trabalho, hoje, vale menos que o lixo.” [A Ordem Criminosa do Mundo - Documentário Legendado PT (YouTube) – documentário exibido pela TVE, com Eduardo Galeano e Jean Ziegler sobre o mundo atual]. Nada ganho com o tipo de artigos que venho escrevendo na PÁGINA.
Hoje, o homem, ao mesmo tempo, não acredita em nada e acredita em tudo. O totalitarismo, tão bem descrito por Hannah Arendt, tal como tudo, evoluiu. É agora um sistema global de escassez. Faltam ideias, faltam alternativas, faltam alimentos, falta água potável, faltam empregos, falta energia.
“O jornal L’Osservatore Romano do Vaticano causou polémica com um artigo no qual reflecte a religião inerente aos super-heróis que povoam o imaginário de milhões de fãs por todo o mundo. (…) Bruce Banner, cujo alter-ego é o monstro verde Hulk, já apareceu numa ilustração a segurar um rosário nas mãos. Se juntarmos a esse pormenor o casamento católico com a namorada Betty Ross, sugerindo que a fé de Hulk é a mesma (…) O Capitão América ou o Super-Homem, (…) são apontados como protestantes. (…)
Já a mutante Mística, que possui a capacidade de alterar a sua forma física, é uma das poucas personagens que é classificada como ateísta. Talia al Ghul, uma das maiores inimigas de Batman, é vista como uma fundamentalista ambiental” [Site norte-americano atribui crenças religiosas aos super-heróis de banda desenhada – José Maria Pinheiro, www.publico.pt, 05.07.2013]. Quem comanda estará também confuso?

Carlos Mota


  
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Edição:

Edição N.º 201, série II
Outono 2013

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